Café conilon: verdades e mitos

Ao final da década de 60 e início da década de 70 o Estado do Espírito Santo viu-se envolto em grande turbulência sócio-econômica. Por medida unilateral do Governo Federal, 53% do parque cafeeiro do Estado foi erradicado sob o pretenso objetivo de que era preciso salvar a cafeicultura nacional da superprodução, além da falácia de que os capixabas eram produtores de um café de baixa qualidade, depreciando o produto nacional.


Ao mesmo tempo, sob o manto de compensação econômica, recursos foram carreados para uma diversificação agrícola que, sem base experimental, fracassava de maneira espetacular. O interior do Estado viu-se, então, sem alternativas e o êxodo rural em massa foi a conseqüência natural.


Milhares de cafeicultores e suas famílias foram alijados de suas propriedades, sem nenhuma alternativa que pudesse minimizar a grave situação. Como decorrência, houve a migração para outros estados (Rondônia, Mato Grosso e Pará), o inchaço dos grandes centros, como Vitória, Colatina, Cachoeiro de Itapemirim, São Mateus e Linhares. Vivenciamos uma grave deteriorização das condições sociais da população capixaba em geral.


Momentos difíceis, aqueles vividos pelo Estado do Espírito Santo que acabou se deparando com seu “hinterland” despovoado e sem horizontes confiáveis. É aí que começa a grande saga do café Conilon, que como tábua de salvação, foi introduzido em escala comercial, a partir de São Gabriel da Palha. Ressalte-se que esse pioneirismo foi marcado por uma feroz resistência do Governo Federal da época, que não desejava o retorno da cafeicultura ao solo capixaba.


Alegava-se que o Brasil não poderia ou não deveria produzir o café robusta, pois competiria com os pobres países africanos com quem tínhamos, e temos, laços de cooperação e resgate. O cerco contra o Conilon se efetivou. Independentemente das resistências, proibições e distorções de informações, o Conilon, gradativamente se impôs, rasgando horizontes, criando esperanças e sinalizando para os remanescentes rurais que novamente havia perspectivas.


Rapidamente a produção cresceu e, como conseqüência, surgiu a Realcafé Solúvel, oportunizando mercado. Criou-se, então, o estigma de que Conilon era um café que só poderia ser utilizado na indústria do solúvel. Paulatinamente, esse cenário mudou com a entrada da indústria do café torrado e moído, experimentando os diversos “blends” com o café arábica. Inicialmente, as misturas eram de apenas 5% de café Conilon. Hoje, sem nenhuma interferência na qualidade, os cafés tradicionais, torrados e moídos, já utilizam 50% de Conilon, sem se falar em marcas nacionais, com grande aceitação popular, que utilizam 100% de Conilon.


Em menos de 40 anos, a produção de Conilon do Espírito Santo saltou de 100 mil para 8 milhões de sacas beneficiadas ano, restaurando o equilíbrio sócio-econômico do interior capixaba, fixando novamente o homem ao campo e democratizando a renda para todos os segmentos sociais da cadeia produtiva. Foi, sem dúvida, uma grande vitória!


Hoje, ante a esse vertiginoso sucesso do Conilon, as nuvens voltam a escurecer no horizonte, prenunciando tempestades que, ao invés de irrigar as lavouras, tentam inviabilizá-las, com argumentos dessa vez mais sutis e, nem por isto, desprovidos do desejo de minimizar as conquistas dos valorosos cafeicultores capixabas.


Espalha-se a notícia de que os produtores de café Conilon estão ganhando muito dinheiro, com rentabilidades altíssimas. Enfim, que o Conilon é novo eldorado da cafeicultura nacional. Em verdade, mais uma vez é preciso que se analisem os fatos com lucidez, discernimento, cautela e, sobretudo, justiça.


Graças aos esforços do Governo do Estado do Espírito Santo e da iniciativa privada, materiais genéticos foram lançados, além de novas tecnologias de manejo da cultura. As novas variedades de maturação diferenciada e com produtividade elevada permitiram, em terras capixabas, um avanço tecnológico sem precedentes, dentre todas as regiões mundiais produtoras de café robusta, haja vista que nossos avanços ocorreram com pouca expansão de área cultivada.


Contudo, na mesma velocidade da evolução tecnológica subiram os custos de produção. Hoje, quem não dispõe de recursos para renovar suas lavouras em novas bases tecnológicas incorre em redução substancial na margem de retorno, quando não introduzindo o espantalho do prejuízo.


A média de produtividade do Conilon capixaba ronda a casa dos 26 sacos por hectare, a despeito de lavouras com 80 – 100 – 120 sacas beneficiadas por hectare. É consenso que produtividades abaixo de 40 sacas causam prejuízos ou má remuneração para os cafeicultores. Portanto, se faz necessário atentar para esses detalhes, evitando-se criar uma aura de que café Conilon é ouro.


Não fosse o apoio efetivo de órgãos públicos estaduais, a cafeicultura de Conilon já estaria numa situação de grande desconforto. As políticas públicas federais voltadas para a cafeicultura, inclusive o FUNcafé, têm privilegiado o arábica. E, quando o Conilon é lembrado, não se tem levado em conta as suas peculiaridades. É uma falácia dizer que se produz Conilon a custo baixo, pois o manejo de suas lavouras não permite uma colheita mecanizada. E ainda, as tecnologias de poda e desbrota, absolutamente indispensáveis, são também altamente demandantes de mão-de-obra.


Não há dúvidas de que a mão-de-obra é o principal item que onera os valores finais de custeio, com conseqüentes aumentos dos custos. Ressalta-se ainda que o Conilon é produzido nas regiões mais quentes e secas, o que confere elevados riscos climáticos à produção. É delicada a situação do Conilon, que vivencia um momento de novas investidas contra o seu futuro.


O nosso alerta é para que haja igualdade de condições de tratamento nas políticas públicas para o café, não se permitindo que o valoroso café Conilon se torne um excluído no processo de construção de uma cafeicultura nacional sustentável. Necessitamos de uma política nacional para nossa cafeicultura que envolva um maior volume de recursos federais, no momento certo e na hora adequada, com custos compatíveis com os riscos de uma atividade sujeita a toda sorte de interferências extraporteiras.


O café Conilon veio para ficar, mas alertamos aos incautos: ele não é uma panacéia, muito menos uma atividade que não envolva riscos, podendo ser, inclusive, gravosa para todos que se aventurarem a produzi-lo sem profissionalismo, na expectativa de elevadas remunerações ao capital investido.


Vitória, 05 de novembro de 2008.


ENIO BERGOLI DA COSTA
Membro do Conselho Deliberativo da Política do café – CDPC


FREDERICO DE ALMEIDA DAHER
Superintendente do Centro de Desenvolvimento Tecnológico do café -CETCAF


NATALINO CASSARO
Presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do ES – FETAES


JULIO DA SILVA ROCHA JUNIOR
Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do ES – FAES
 
 

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