Café conilon dá á volta por cima e sustenta o setor no Espírito Santo e dá maior margem de lucro

Por: Globo Rural

CAPA
14/11/2007
 
Volta por cima

Considerado como praga até os anos 70 e ofuscado pelas variedades de arábica, o café conilon sustenta o setor no Espírito Santo e dá maior margem de lucro
 
Texto Luciana Franco
Fotos Ernesto De Souza

JOSÉ COLOMBI, pioneiro na implantação do conilon nas lavouras capixabas: sabor pronunciado e renda firme

A história do município de São Gabriel da Palha, no EspÍrito Santo, se confunde com a de José Colombi Filho. Fundada em 1920, a cidade somente ganhou expressão econômica com a expansão da cafeicultura, por volta da década de 1970. Naquela época, ainda jovem, José Colombi intensificava o plantio de café conilon; hoje, orgulha-se de ter sido peça importante na implantação de uma cultura de peso para o estado. Foi de sua primeira lavoura que o então prefeito, Dário Martinelli, colheu, despolpou e enviou 40 quilos de semente para cada município do estado fora de regiões montanhosas, dando o pontapé inicial da atividade.


Variedade de café robusta, o conilon viveu por muitos anos à sombra do arábica, ainda o mais cultivado no Brasil. De sabor pronunciado, apesar de economicamente menos valorizado, o grão tem grande aceitação nos Estados Unidos e na Europa, e foi amplamente difundido através da expansão da indústria de café solúvel. “Ele é mais forte e rende mais que o arábica”, diz José Colombi, grande entusiasta do produto, que colheu este ano sua 47.ª safra. Hoje o produtor detém mais de 20 fazendas no estado. Pai de cinco filhas, ensinou a elas que era possível ganhar a vida plantando conilon.


“Tudo o que eu comprei nessa vida, até minhas 1,2 mil cabeças de gado, foi com o dinheiro do café”, conta o produtor, hoje com 62 anos. Parte de suas propriedades já foi passada para as mãos das filhas, mas as que permanecem com ele são cuidadas com o mesmo zelo da juventude. “Continuo renovando o cafezal, senão a produção despenca. Eu já estou com idade, mas tenho que plantar pelo menos 30 mil pés por ano, senão a coisa desanda”, diz.


Foi com essa persistência incansável que José Colombi construiu seu reino no interior capixaba. Em São Gabriel da Palha, agora conhecida como “a capital do café conilon”, até farmácias e padarias carregam o nome da variedade de robusta.


Tido como o maior produtor da região, José não esconde o orgulho de ser referência quando o assunto é café. Na safra 2006/07, o agricultor produziu 8,6 mil sacas. A multiplicação parece tarefa simples para o filho de São Gabriel. Foi assim quando ele recebeu como herança do pai um pedaço de terra de 22 hectares, transformados em dois mil com disciplina e muito trabalho. Basta um dedo de prosa para perceber como são amplos os conhecimentos do agricultor: “O conilon teve duas fases. Até 1970 era tido como um veneno. Mas em 1976, quando o IBC – Instituto Brasileiro do Café, o reconheceu como um produto, começou a ganhar algum valor”, conta. José lembra que, nessa época o reconhecimento foi sem tipo, sem gosto e sem classificação. “Era somente um café de liga”, conta. Com isso, a indústria de solúvel, que só trabalha com o conilon, começou sua expansão. “Em 1970, o mundo tinha um milhão de sacas de conilon, e o Brasil, 300 mil. Hoje são 50 milhões mundiais, e o Brasil detém dez milhões de sacas. Apesar de todo esse volume, está faltando produto no mercado”, diz.


Talvez isso explique o fato de o produtor de conilon estar atualmente com margem de lucro melhor que a de arábica. Enquanto nas tradicionais regiões produtoras desse último os cafeicultores amargam um prejuízo de cerca de 50 reais por saca (em média, e nas melhores estimativas), no período 2006/07 o lucro nas lavouras de conilon foi de cerca de 62 reais por saca. “Se o produto for cereja descascado, o preço salta de 193 reais para 216 reais, uma valorização média de 12%”, diz Dário Martinelli, o ex-prefeito que espalhou o conilon e agora também se tornou produtor do grão.


Satisfeitos com o desempenho da cafeicultura no Espírito Santo, os produtores creditam o bom desempenho das lavouras ao trabalho do Incaper – Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural. “É a melhor pesquisa de conilon do mundo”, diz Colombi. De fato, as altas produtividades das lavouras no estado são de causar inveja na vizinha Minas Gerais. Nos cafezais de arábica, a produtividade média estimada é de 14,5 sacas por hectare, segundo projeções da Conab. Já nas plantações capixabas o resultado médio esperado é de 20,4 sacas por hectare. “Mas com a criação de uma nova variedade, a vitória, o rendimento pode chegar a 130 sacas por hectare”, diz Dário.


A cultivar foi desenvolvida pelo Incaper para atender às necessidades dos cafeicultores por alta produtividade, grande resistência às pragas e doenças e maior tolerância ao clima quente. A partir de um cruzamento entre 13 variedades, criou-se o café vitória. Diferentemente do que ocorre com o arábica, que é polinizado por flores do próprio pé, o conilon precisa ser cruzado. O melhor resultado obtido é clonado. Os clones são, então, plantados em linha (todos da mesma família em uma única fileira), o que facilita a colheita, pois, uma vez que um está maduro, todos os outros também estarão.


Na última safra, a colheita de Dário somou 1,2 mil sacas, das quais 45% foram de café especial. “Entre as inúmeras virtudes do produto, posso destacar a consistência. É ele que dá nobreza ao expresso”, diz Dário. O uso industrial na formação de blends (misturas) cresce a cada ano. “As torrefadoras usavam entre 10% e 15% de conilon nos blends; agora já usam até 50%”, avalia Antonio Joaquim de Souza Neto, presidente da Cooabriel – Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de São Gabriel.


Joaquim é um dos maiores entusiastas da cultura irrigada no estado. “O clima quente é ótimo para o desenvolvimento do conilon, mas a seca o prejudica muito. Portanto, o recomendado hoje é que as lavouras sejam irrigadas”, avalia. Por se tratar de uma planta rústica e que se dá bem com o calor, a iniciativa de Dário na década de 1970 teve grande êxito. Estimativas apontam para um contingente de 56 mil pequenos cafeicultores no estado. “Tudo o que produzimos é vendido. E se a produção do Brasil dobrar, ainda vai haver demanda”, diz Dário.


O grão por trás da fama


Texto Luciana Franco
O apresentador e repórter da TV foi à Colômbia para ver como se produz o café mais conhecido do mundo
NÉLSON ARAÚJO, do programa Globo Rural


Capital do Café. Assim era chamada a cidade onde nasci e me criei: Ribeirão Preto. Bisneto de carcamanos (os italianos que vieram substituir os escravos nos cafezais), sabia de berço a importância da cultura. Na escola, estudei o Ciclo do Café, um dos pilares da nossa economia. Mais tarde, como jornalista, perdi a conta de quantas vezes relatei recordes de safras lembrando que “o Brasil continua sendo o maior produtor e o maior exportador de café do mundo”.


Por isso, imagine a minha frustração quando fui à Europa e aos Estados Unidos, pela primeira vez: no placar das cafeterias, nos cardápios, nas gôndolas dos supermercados, não via o nome do Brasil. Que decepção descobrir que o nosso nome não estava associado ao cafezinho que se bebia lá fora!


Café de Colombie, em Paris; Cafè della Colombia, em Roma; Coffee from Colombia, em Londres, Nova Iorque…


A Colômbia era a estrela no rol de cafés de vários países. Aquilo me intrigava. Como é que os colombianos conseguem dar essa personalidade ao cafezinho? Que segredos há por trás dessa fama?


Pude entender os porquês quando fui à Colômbia gravar uma série de reportagens para o programa Globo Rural, no Departamento de Quindío, entre os municípios de Pereira e Manizales, coração do que os colombianos apelidaram de Eje Cafetero (Eixo Cafeeiro).


– “Não dá para comparar: Brasil e Colômbia têm cafeiculturas muito diferentes,” adverte o dr. Gabriel Cadena, presidente da Embrapa do café deles, o Cenicafé – Centro Nacional de Investigaciones de Café. E o homem entende: na década de 1970, trabalhou no Instituto Agronômico de Campinas, em São Paulo, com ninguém menos que o dr. Alcides Carvalho, o célebre agrônomo melhorista da cafeicultura brasileira.


E, de fato, são coisas distintas. Se aqui temos a terra roxa, lá eles contam com solos vulcânicos de até dois metros de profundidade. Uma terra preta com 12%, 13% de matéria orgânica. Com exceções, aqui e ali, no Brasil, a cafeicultura se expandiu preferencialmente em terrenos planos. Na Colômbia, só tem lavoura ladeirosa. As plantações se dependuram nas encostas dos Andes, entre 1,2 mil e dois mil metros de altitude. O microclima naquele trecho da cordilheira colombiana é perfeito para café: no chamado Trópico Alto, as temperaturas médias anuais oscilam entre 18 e 24 graus. Como fica próximo da linha do Equador, a insolação é ótima o ano inteiro. Não há déficit hídrico pois chove todo mês. Há florada todo mês. E, embora haja um pico de safra em setembro, todo dia se colhe café na Colômbia, de janeiro de dezembro.


– “Bienvenido a la tierra del mejor café del mundo!”, voz tonitruante, chapéu panamá, bigodão, o cafetero dom Horácio Montoya, 47, me recebe de braços abertos no sopé do Nevado Del Ruiz (um vulcão adormecido), onde fica a sua pequena propriedade. Quer dizer: pequena para os padrões da cafeicultura brasileira. Na verdade, acima da média colombiana. Dos 550 mil produtores de café do país, mais de 500 mil têm no máximo um hectare e meio. Dom Horácio tem quatro hectares de lavoura onde a família cultiva 20 mil pés de café. E quase que, em vez de “cultiva”, eu escrevo aqui “ordenha”, pois é a comparação que me vem à cabeça quando desço (aliás, melhor seria dizer escorrego) para a área onde acontece a colheita do dia.


A apanha deles é completamente diferente do nosso sistema tradicional. Não há pano estendido no chão nem se faz derriça. Como um retireiro que amaina um teto cheio, dom Horácio vai correndo a mão pela galharia e só colhe o grão maduro. Um a um. Com muito cuidado para não sujar, vai pondo num baldinho pendurado na cintura.


Imediatamente após a apanha, os grãos são despolpados e deixados num tanque em pré-fermentação, entre 12 e 16 horas. É o tempo para desimpregnar a mucilagem, aquela substância docinha que envolve o grão mas que, no final, altera o gosto do café.


Depois, vem a lavagem. Três, quatro águas, até ficar tudo limpinho. Só, então, começa a secagem ao sol. Sendo que, durante todo o processo, o produtor se debruça numa incessante catação, feito quem colhe feijão para comer, pondo fora grão brocado, machucado, verde ou maduro demais, enfim, se empenhando pra selecionar um café sem defeito.


Dom Horácio produz uma saca tipo exportação por semana. E todo o sábado faz entrega na cooperativa que paga na hora, conforme a qualidade do grão. – ”A despesa da semana está garantida”, diz dom Horácio, contando as notas que já vai gastar em seguida no mercado.


Observa que seu lucro é nada perto do que ganham as multinacionais. Não conseguiu juntar dinheiro sequer para comprar um jipinho. Nunca tirou férias. Mas leva vida digna, com os dois filhos em escola particular. Contente, resume numa frase o que descobri que é um sentimento nacional na Colômbia:


– “Nuestro café es nuestro orgullo!” E a cordinha cívica acabou tocando em mim também. O café que dom Horácio cultiva, o castillo, desenvolvido especialmente para as condições andinas, tem sangue verde-amarelo: é um cruzamento entre um híbrido do Timor, resistente à ferrugem, com uma variedade de porte baixo e grande produtividade que os colombianos mandaram buscar no Brasil: o nosso café caturra.

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