Café, antes farto, desaparece da Venezuela

Por: Valor Econômico

03/09/09 – América Latina: Controle de preços e estatizações fazem produtor substituir cultura; país hoje importa o grão


Benedict Mander, Financial Times


Don Luis Paparoni, quase com 90 anos, se entristece ao recordar-se dos dias em que a produção de café na Venezuela vivia seu auge.


“Você vê essas montanhas?”, questiona, apontando para o vale de verde exuberante em torno a Santa Cruz de Mora, uma cidade pitoresca na parte mais baixa dos Andes venezuelanos. “Costumavam estar cobertas de pés de café. Hoje, raramente se vê algum”.


No início do Século XX, a Venezuela era um dos maiores países exportadores de café do mundo. Em agosto, pela primeira vez, a escassez do produto obrigou o país a importar café do Brasil, mesmo com os venezuelanos dizendo que este não se iguala à qualidade dos grãos locais do tipo arábica.


“Quando eu era jovem, não havia uma única família nesta cidade que não tinha algo a ver com o café. Era o coração de nossa cultura”, diz Paparoni, cujo pai emigrou da Sicília, na Itália, e estabeleceu uma das plantações mais produtivas de café nos Andes, nos anos 20. Ele lembra-se dos dias em que a “Hacienda La Victoria” mandava café para Nova York e Hamburgo; hoje, a única renda é a gerada pelos turistas que visitam o museu estatal instalado em suas dependências.


Embora governos sucessivos pouco tenham feito para interromper o declínio do setor cafeeiro na Venezuela – e, em vez disso, se concentrado em explorar as vastas reservas de petróleo do país -, os produtores acusam a intervenção desajeitada do governo do presidente Hugo Chávez pelos problemas com o café.


Em agosto deste ano, a falta do produto levou Chávez a expropriar as duas maiores torrefadoras do país, a Fama de América e a Café Madrid, responsáveis por quase 80% da produção. Ele atribuiu a escassez à ocultação de estoques, especulação e contrabando.


“Já tivemos o bastante disso. Vamos fazer o mesmo com todas as empresas que se comportarem dessa maneira”, trovejou o líder socialista. “Continuaremos estatizando monopólios para torná-los negócios produtivos nas mãos dos trabalhadores, da revolução”.


Analistas, no entanto, dizem que vários dos problemas que atingem a produção de café – e o setor privado em geral – são causados precisamente por esse tipo de intervenção pública. As expropriações, assim como a agressiva campanha de reforma agrária, geraram um clima de incerteza, que prejudicou os investimentos.


Os controles de preços tornaram as coisas ainda pior. Quantidades cada vez maiores de café – e de outras mercadorias – são contrabandeadas para o exterior, para serem vendidas a preços internacionais. “É claro que há contrabando. O que Chávez esperaria quando você pode vender o café na Colômbia pelo dobro ou triplo do preço?”, disse um produtor de café, que pediu anonimato.


María Marcelina Chacón, dona de uma das poucas fazendas de café que sobrevivem nas encostas acima de Santa Cruz de Mora, receia que a colheita deste ano mal chegará a 150 quilos, cerca de 10% do que produzia há menos de dez anos. Ela reclama que com os proibitivos controles de preços espremendo os lucros e a alta nos custos ela não tem mais condições de pagar pesticidas suficientes ou trabalhadores.


“Nestes dias, apenas consigo minha família para ajudar. Muitos trabalhadores vivem das doações governamentais e não se preocupam em trabalhar”, diz.


Esses problemas, agravados pela demanda em alta decorrente da valorização do petróleo, vêm sendo a causa dos problemas periódicos de escassez de alimentos básicos. Isso vem afetando a popularidade de Chávez e foi um dos motivos de sua derrota em referendo há dois anos.


A solução de curto prazo do governo para o problema são as importações em massa, possibilitadas pela abundante oferta de câmbio gerada pelas exportações de petróleo. As importações de alimentos quadriplicaram nos últimos dez anos no país, de US$ 60 para mais de US$ 250 por pessoa por ano, diz Hiram Gaviria, ex-ministro de Agricultura. As importações equivalem a quase 70% do consumo de alimentos no país, que ostenta vastas áreas de terras férteis ociosas.


Embora a produção de alguns gêneros alimentícios, como milho e arroz, tenha aumentado no período, a produção de carne e açúcar, setores em que Venezuela costumava ser autossuficiente, atualmente mal chega a cobrir 50% do consumo nacional.


A produção de cacau, que no passado já foi a principal exportação venezuelana, continua nos patamares dos tempos coloniais, eclipsada pelo rápido crescimento da indústria petrolífera desde os anos 20, que fortaleceu a moeda e tornou as exportações menos competitivas.


Agora o café sente o golpe. A Venezuela, que chegou a rivalizar com a Colômbia em produção, produz menos de 1% do café mundial. Teme-se que a produção de café possa cair para menos de 45 mil toneladas neste ano, bem abaixo das 70 mil toneladas necessárias para satisfazer o consumo nacional.


Paparoni substituiu a maioria de seus pés de café com pastagens e continua a cultivar uma quantidade pequena de grãos apenas para “preservar a tradição”. “Isso me aflige até o centro de minha alma”, diz. 

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