País perde espaço em encontro anual na Suíça, enquanto gigantes asiáticos ganham destaque na programação |
CLÓVIS ROSSI ENVIADO ESPECIAL A ZURIQUE Era uma vez a sigla Bric (de Brasil, Rússia, Índia e China), um exercício de futurologia feito pelo Goldman Sachs, um dos grandes ícones do mundo financeiro, que previa que esses quatro países seriam potências mundiais em 2050. Lançado em 2003, o estudo fez muito ruído no encontro anual 2004 do Fórum Econômico Mundial, que todo ano se realiza em janeiro na cidadezinha suíça de Davos. Daí em diante, em vez de ser tomada como mero exercício de futurologia e, como tal, sujeita a intempéries mais pesadas que a neve que sempre cai em Davos em janeiro, a previsão passou a ser encarada como profecia infalível. Não parece mais infalível: no encontro anual 2006 do Fórum, caíram as letras B, de Brasil, e R, de Rússia. O futuro passa a pertencer apenas à Índia e à China, ao menos aos olhos dos que fazem a programação de Davos e pretendem “entender e moldar a agenda global no ano à frente”, como diz Klaus Schwab, presidente do Fórum Econômico Mundial, a entidade que organiza os encontros de Davos desde 1971 e consegue reunir, todos os anos, a maior quantidade de personalidades por metro quadrado do planeta no Centro de Congressos de Davos. O tema concreto central de 2006 é “A Emergência da China e da Índia”. Concreto porque o guarda-chuva geral sob o qual se reúnem 2.340 personalidades de 89 países é um muito vago “O Imperativo Criativo”. O desaparecimento do “B” tem a ver, naturalmente, com o baixo crescimento do Brasil, mas é também influenciado pela crise do “mensalão”. A revista “Global Agenda”, editada pelo Fórum e que é uma compilação dos temas e personalidades que dominarão a cena em Davos, lembra que o Brasil perdeu oito posições no Índice de Competitividade elaborado por iniciativa do Fórum, ficando agora no 65º lugar entre 117 países. Causa da queda: “O impacto de alegações de corrupção no governante Partido dos Trabalhadores”, diz a revista. Completa: “O incidente, o primeiro escândalo de suborno a atingir o PT, prejudicou a imagem do setor público, minou a confiança dos homens de negócio nos funcionários públicos e desviou a atenção dos responsáveis pelas políticas da tarefa de preparar o Brasil para enfrentar o desafio da crescente competição internacional”. O sumiço do Brasil não se dá apenas do temário central. Murchou imensamente a delegação brasileira que teve, por duas vezes no atual governo (2003 e 2005), o comando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desta vez, Lula decidiu não vir, após ter inicialmente confirmado presença e ter até sido escalado para fazer o discurso de abertura de uma sessão sobre a agenda comercial global. Confirmados estão apenas os ministros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan; da Cultura, Gilberto Gil; e das Relações Exteriores, Celso Amorim; e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Mas Furlan e Meirelles já eram assíduos freqüentadores de Davos antes de se tornarem funcionários públicos. Estão em casa entre os mais de mil empresários e executivos que formam a clientela básica dos encontros anuais. Gil também estará em casa: a Apex (Agência de Promoção de Exportações e Investimentos) está convidando para um “pocket-show” do ministro-cantor-compositor no sábado. Mesmo Amorim estará em casa: participa menos do encontro anual e mais da enésima reunião miniministerial destinada a tirar do pântano a Rodada Doha, empacada desde o lançamento em 2001 e que avançou milimetricamente na Ministerial de dezembro em Hong Kong -quando decidiu-se pelo menos a data para o fim dos subsídios às exportações agrícolas. Aliás, na lista de personalidades divulgada à mídia pelo Fórum, na semana passada, o nome de Amorim nem é citado entre “os chefes de Estado/governo e outras figuras públicas”. Mas são mencionados, sim, seus parceiros de negociações comerciais Peter Mandelson (comissário europeu de Comércio) e Robert Portman, chefe do comércio externo norte-americano. É citado até Robert Zoellick, a quem Lula, então candidato, chamou de “sub do sub do sub”, porque dissera que, se não quisesse a Alca, o Brasil teria que vender para a Antártida. Zoellick era o que Portman é hoje e, ao menos na visão de Lula, foi promovido: é realmente sub, mas não “sub do sub do sub” (é agora o segundo do Departamento de Estado). Há pelo menos dois outros brasileiros ilustres na lista dos confirmados, mas por motivos que nada tem a ver com o Brasil. Paulo Coelho, o escritor, é membro da Fundação Schwab e outra presença constante em Davos. Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, comparece porque o Fórum decidiu incluir o esporte na sua agenda deste ano. A esquálida delegação brasileira contrasta com a ênfase que seus ex-futuros-parceiros como Bric, a Índia e a China, deram ao encontro deste ano. A China, aliás, já faz alguns anos que é a estrela em Davos, mas a Índia só agora assume mais relevância. Já no aeroporto de Zurique, ponto inevitável de desembarque para os estrangeiros que irão a Davos, há um cartaz atrás do outro anunciando o país como “a democracia que mais cresce no mundo”, um deles até com números: 8% de crescimento no terceiro trimestre de 2005 (o mesmo em que a economia brasileira retrocedeu 1,2%). A revista “Agenda Global”, editada pelo Fórum, publica artigo no qual o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, lembra que em 1700 a Índia tinha a mesma fatia da riqueza global (23%) que a Europa. Em 1950, a fatia européia engordara para 30%, ao passo que a da Índia “sofrera um colapso” (para meros 3,8%). “Este declínio secular está sendo revertido”, gaba-se Singh. Na manhã do sábado em que Gil faz seu show patrocinado pela Apex, os indianos acordam bem mais cedo e oferecem um seminário com café da manhã, batizado de “audiência com um punhado de autoridades e empresários do país, destinado a criar um duradouro sabor de Índia” em Davos, conforme anúncio na “Global Agenda”. Se o sabor será ou não duradouro, só o tempo dirá. Mas, para começar, o único sabor de Brasil que Davos terá será o da musica de Gil. |