A reunião de cúpula semestral do Mercosul começou oficialmente ontem, na Argentina, com o encontro dos ministros, marcado por críticas de uruguaios e paraguaios às barreiras de comércio dentro do Mercosul e um apelo do ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim para que os países não deixem de lado a necessidade de eliminar as distorções na tarifa externa comum. Com delicadeza, Amorim rejeitou a reivindicação argentina para incluir, no futuro Código Aduaneiro do Mercosul, autorização para que os países apliquem impostos de exportação, como o que o governo Cristina Kirchner tenta impor aos produtores rurais do país.
O encontro de presidentes na Argentina, iniciado ontem com um jantar embalado pela cantora Mercedes Sosa, ocorre em plena crise política no país, aberta pelo inconformismo dos ruralistas com as chamadas “retenciones” – pesados impostos sobre exportações, para desestimular a venda de produtos agrícolas ao exterior, arrefecer a tendência de desvalorização do dólar e combater a inflação interna.
O imposto de exportação, como os cobrados sobre o trigo e a farinha vendidos ao Brasil, por exemplo, é considerado uma aberração em uma união alfandegária como o Mercosul, e foi assunto da conversa entre os ministros. Para não enfraquecer a disputa judicial que o governo argentino trava sobre o tema com os produtores locais, o governo Cristina Kirchner quer incluir no Código Aduaneiro do Mercosul, um artigo prevendo a existência desse tipo de tributo.
“Não vamos contaminar a discussão sobre a tarifa comum com temas que são externos”, pediu Amorim, preocupado em fazer com que o debate sobre o Código Aduaneiro não afete a principal tarefa prevista em acordo para o Mercosul neste semestre: o fim das distorções na tarifa externa comum (TEC) que fazem com que um produto, mesmo já tributado com imposto de importação, seja obrigado a pagar tributo de novo ao atravessar a fronteira de um sócio ao outro, no Mercosul.
O ministro de Relações Exteriores do Paraguai, Rubén Ramirez, embora dissesse concordar com a avaliação otimista dos argentinos sobre os avanços do Mercosul, acusou os sócios maiores de promoverem a “asfixia” dos países de menor peso do bloco, com as travas ao comércio entre os sócios e constantes bloqueios de estradas. O ministro de Finanças do Uruguai, Danilo Astori, reclamou da falta de coordenação macroeconômica entre os sócios e cobrou, também, o fim da dupla cobrança da TEC e a conclusão das discussões sobre o Código Aduaneiro, que unificará as regras nas alfândegas dos países do Mercosul.
O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Jorge Taiana, reagiu com diplomacia, argumentando que as “retenciones” são um problema de política interna da argentina, e que anotava as preocupações dos outros ministros. Os diplomatas brasileiros e argentinos acreditam que a demanda argentina não será um obstáculo à aprovação do novo código ainda neste semestre. Segundo um dos negociadores do tema, o Brasil pensa em buscar uma fórmula que mencione a os impostos de exportação no texto do acordo que estabelecerá a norma comum para as alfândegas, mas em termos vagos o suficiente para não institucionalizar o que os sócios da Argentina no Mercosul consideram uma aberração.
Os presidentes deverão formalizar hoje medidas políticas, como a abolição da exigência de passaportes para sul-americanos nas fronteiras do Brasil e dos países de língua espanhola da região. Haverá uma declaração condenando a nova política migratória da Europa, que criminaliza a imigração ilegal.
Uma séria divergência entre Brasil e Argentina foi contornada com uma outra declaração, em que os presidentes cobrarão maiores concessões dos países ricos e dirão não serem suficientes as propostas em discussão nas negociações para liberalização comercial, na Organização Mundial de Comércio. A Argentina vem ameaçando abandonar a mesa de negociações, enquanto o Brasil defende maior esforço também dos países em desenvolvimento para se chegar a um acordo na OMC. A Venezuela, que integra o Mercosul como membro em vias de adesão, até ontem, ainda não havia endossado o texto da declaração feito em comum acordo pelos outros sócios.
Dos dez presidentes esperados no encontro, que será seguido, hoje, por uma reunião da União das Nações da América do Sul (Unasul), três anunciaram que não viriam: Álvaro Uribe, da Colômbia, Alan Garcia, do Peru, e Rafael Corrêa, do Equador, todos alegando problemas internos. Colômbia e Equador estão com relações diplomáticas rompidas, e Correa já declarou que só as retomará após a saída de Uribe do governo. Garcia retirou seu embaixador da Bolívia, após declarações consideradas ofensivas do presidente boliviano, Evo Morales, contra a política externa peruana.
Uma das estrelas do encontro, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, chegou ontem a Tucumán, no Norte argentino, sem mencionar os desentendimentos entre os governos da região, e saudando a decisão do Mercosul de dar maior ênfase aos temas sociais e políticos nas futuras reuniões do bloco. “O Mercosul está se tornando mais político”, comentou.
“O Mercosul deve ser instrumento para a unidade da América do Sul, e o político deve ser como os cavalos, que levam a carreta”, disse, ao Valor. Chávez elogiou os acordos de investimentos de empresas brasileiras na Venezuela firmados por ele e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na semana passada. “São mais de vinte projetos de integração estruturantes, não só para integrar os mercados, mas as economias”. Ele voltou a defender a criação da Petrosul, integrando empresas petroleiras do Brasil, Venezuela e Argentina. O tema sequer é considerado pelo governo brasileiro, que, na visita de Lula a Caracas na semana passada, rejeitou o compromisso sugerido por Chávez para distribuição de petróleo subsidiado no continente.
A decisão do governo argentino de agradar a um aliado político realizando a reunião em Tucumán, no Norte argentino, coincidiu com problemas climáticos que chegaram a interromper os vôos para a região. As delegações reclamavam ontem dos problemas de logística enfrentados para a realização do encontro.