Na relação entre dois povos tão diferentes, integração. Na festa do bon-odori, por exemplo, os japoneses tocam os tambores e os brasileiros, dançam Elaine UtsunomiyaAs diferenças econômicas, geográficas, sociais, culturais e tecnológicas são enormes, assim como os traços de seus povos. Separados por continentes e oceanos, quando é dia aqui, é noite lá. Assim mesmo, o Brasil é um pedaço do Japão. Afinal, cerca de 1,5 milhão de japoneses e descendentes formam no Brasil a maior comunidade nipônica fora da Terra do Sol Nascente.
São agentes anônimos, protagonistas e também coadjuvantes, de uma história de amizade entre dois países e dois povos, que começou há exatos 98 anos. No dia 18 de junho de 1908, o navio Kasato Maru atracava no porto de Santos, com a primeira leva de imigrantes japoneses. A bordo, 781 pessoas (apenas uma viva, Tomi Nakagawa, 94 anos), que traziam na bagagem mais sonhos do que roupas. Sem bens materiais – sugados pela crise do Japão – restava a esperança de fazer fortuna em outras terras. Takeji Fujikawa, 79, faz parte dessa legião de imigrantes. Não da leva de 1908, mas que sofreu e lutou tanto quanto os primeiros que vieram. Takeji tinha apenas 7 anos, quando chegou ao país. Veio com o pai, a mãe e mais quatro irmãos.
Das lembranças de garoto, as mais vivas são de episódios que retratam o choque cultural. “Lembro que, logo na chegada, deram sanduíche pra gente comer. Estávamos com fome. Era pão com mortadela. Pensamos que era algo podre e jogamos a mortadela fora”, relata ele, hoje, apreciador da culinária brasileira, especialmente da feijoada. Já na fazenda em que seus pais foram contratados para trabalhar na lavoura de café, na cidade de Lins (SP), Takeji diz que a comunicação com os brasileiros era feita, basicamente, através de sinais. “Não íamos a escola porque a intenção do meu pai e da maioria dos imigrantes era voltar para o Japão em cinco, dez anos”, recorda. “Fomos no mercado comprar ovo. A gente fazia gesto de galinha botando ovo para o vendedor, mas ele não entendia”, recorda. Gerações De lá pra cá, muitas coisa mudou. O sistema educacional antigo japonês, que tinha como preceitos a disciplina e a obediência, não é mais o mesmo. “Lá no Japão, eles dizem que se quiser conhecer como era o antigo sistema, então, tem de ir ao Brasil”.
Mais do que lamentar as mudanças de comportamento das gerações subseqüentes, o imigrante se diz assustado com e desenvolvimento das cidades, principalmente de Maringá. Pioneiro, Takeji chegou à cidade em 1955 para trabalhar na lavoura. “Moro a cinco quilômetros do centro e nunca pensei que a cidade chegaria até aqui”. Homem do campo, deu sua contribuição com suor. Hoje, ele vende colher de bambu na Feira do Produtor. Comemoração Instituído por lei em 2004, o Dia do Imigrante no Paraná é comemorado no dia 18 de junho. Neste ano, a Assembléia Legislativa presta homenagem na terça-feira, com o lançamento de uma mostra cultural nos corredores da Casa. “Além do trabalho na lavoura, os imigrantes investiram na educação de seus filhos, hoje, professores, médicos, economistas, agricultores, enfim, profissionais que ajudam o país”, pontuou o deputado estadual Luis Nishimori (PSDB). Embora a comunidade nipônica do Brasil esteja focada nos preparativos da celebração do centenário da imigração, em 2008, Takeji diz que com ou sem festa há motivos de sobra para comemorar os 98 anos de história. Seu pai não fez a fortuna, como esperava, mas deixou uma herança maior: um novo lar aos seus descendentes. “Sou um pouco brasileiro”.
TRÊS Perguntas Cláudio Suzuki >> presidente da ONG Tomodati Qual a maior contribuição dos imigrantes ao Brasil? Difícil dizer uma. A contribuição aconteceu em vários aspectos, a começar pela agricultura. Além da força de trabalho, os japoneses introduziram muitos produtos agrícolas, como o pepino. No esporte, temos o judô; na cultura, a participação na construção da identidade e diversidade sócio-étnica-cultural. Esse é o maior legado deixado pelos imigrantes? Acho que o exemplo de respeito, ética, trabalho, disciplina e confiabilidade são os principais valores deixados por nossos antepassados.
Eles lutaram para que pudéssemos, hoje, ser uma comunidade respeitada pela sociedade E a maior contribuição dos brasileiros? Eles acolheram nossos avós e pais, assim como outros imigrantes italianos, portugueses, como quem abre a porta da casa para receber um amigo. Estimativa 9.641 descendetes se declararam da raça amarela, em Maringá, no Censo de 2000. 20% dos japoneses e descendentes que moram no Brasil estão no Paraná. Atrás só de São Paulo. Filhos de culturas diferentes Cerca de 30% dos nipo-brasileiros são frutos de relacionamentos de japoneses e não japoneses. Mas, nem sempre o relacionamento interracial foi aceito pelos nipônicos. César e Satiko Nunes são casados há 34 anos. Ao contrário do que acontecia na época, os pais de Satiko não impuseram resistência ao namoro, mas a colônia nikkei não poupou críticas ao jovem casal. “Minha tia chegou a dizer que ela não tinha sobrinha, namorada de brasileiro”, conta. Se Satiko nunca teve problemas em casa por namorar um ‘gaijin’, o mesmo não acontecia com os seus amigos nikkeis. “Meus pais tinham uma visão diferente. Eram avançados para a época”.
César acredita que tamanha oposição se devia ao fato dos japoneses planejarem ainda retornar um dia à terra natal. “Eles não queriam criar vínculos”, mencionou. “Nunca fui hostilizado pelos pais da minha esposa, mas sentia que os japoneses, principalmente os mais velhos, me olhavam diferente”, comentou o despachante. Amigos desde a adolescência, Satiko e César não se intimidaram e nem se deixaram abalar pelos comentários. “Pra mim nunca importou se ela era japonesa ou não, assim como pra ela também. Eu cresci no meio de japoneses e ela saiu cedo para trabalhar, o que implica na convivência com brasileiros”, diz César, no jeito brincalhão e expansivo característico dos brasileiros, que contrasta com a voz doce e pausada da mulher, que tem os modos mais contidos dos japoneses. Entretanto, em nenhum momento parecem destoar, mas se completar. Contrariaram as apostas de que o namoro e, posteriormente, o casamento não ia dar certo, o casal comunica a quem possa interessar que a relação vai bem. Só para completar, eles têm dois filhos.
“Não sei se a minha história pode ajudar”, afirmou Satiko, sem saber que já ajudou a derrubar, se não por completo, parte do preconceito. (EU) Hoje, o caminho de volta Os descendentes nipônicos fazem a rota inversa dos seus antepassados. Hoje, são os nipo-brasileiros que vão ao Japão atrás de melhores condições financeiras, assim como os japoneses vieram ao Brasil, no início do século XX, quando o país atravessava período de ‘vacas magras’. Élson Fujikawa, filho do imigrante Takeji – personagem da matéria principal – passou cerca de dez anos no Japão, como dekassegui (termo que designa os nipo-brasileiros trabalhadores no Japão), tendo retornado há seis anos para o Brasil. Segundo ele, infelizmente os japoneses não são tão hospitaleiros como foram e tem sido os brasileiros ao longo desses 98 anos. “Eles acham que estamos tomando o emprego deles. Se esqueceram de que os japoneses vieram paracá, quando o Japão não estava bem.” Atualmente, há 300 mil dekasseguis na Terra do Sol Nascente. De acordo com a Associação Brasileira de Dekasseguis (ABD) e o Sebrae Paraná, desse montante, cerca de 70 mil é do estado e 20 mil de Maringá. Por ano, os dekasseguis enviam para o Brasil US$ 2 bilhões.
São cifras consideráveis que justificam a criação de uma ONG em apoio aos dekasseguis, ainda mais levando-se em conta o resultado de uma pesquisa do Sebrae, em 2004, que apontou, entre os que já haviam voltado ao Brasil, que apenas 14% dos homens e 8% das mulheres disseram que tiveram sucesso em seus empreendimentos. “O Instituto Tomodati de Cooperação do Brasil nasceu dessa necessidade”, disse o ex-dekassegui Cláudio Suzuki, presidente da ONG. Lançado no dia 18 de maio passado, o Instituto Tomodati (amigo em japonês) vai iniciar as atividades, efetivamente, na segunda-feira, com a abertura do Centro de Atendimento ao Trabalhador, que vai funcionar nas dependências da Acim. Mais informações no telefone: (44) 3029 4400. (EU)