Bolsa Família tira trabalhadores do campo – Benefício social reduz atividade rural no NE

Por: Folha de São Paulo

16/05/2010
 
Benefício social reduz atividade rural no NE

Trabalhadores optam por não ter carteira assinada a fim de manter Bolsa Família e aposentadoria especial antecipada
 
Fazendas de café na Bahia, que usam o emprego intensivo, abandonam a produção e acabam transformadas em pasto

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A BREJÕES (BA)


A falta de mão de obra rural no Nordeste passou a contribuir para o fim de algumas atividades que usam o emprego intensivo na região.


Muitos trabalhadores estão optando por não ter registro em carteira a fim de manter benefícios sociais como o Bolsa Família e a aposentadoria especial antecipada. O fato ocorre pelo menos desde 2007.


Em Brejões (281 km ao sul de Salvador), grandes fazendas abandonaram nos últimos três anos a produção do café, tradicional no sul do Estado, e passaram a criar gado.


Propriedades que antes tinham até 800 mil pés de café e empregavam mais de 170 pessoas na safra estão virando pastos, geridos por menos de dez pessoas cada uma.


A falta de mão de obra rural em Brejões e em outras regiões de plantio de café e de diferentes culturas no Nordeste é crônica, afirma João Lopes Araújo, vice-presidente da Associação Comercial da Bahia.


Basicamente, eles temem perder, ao terem a carteira assinada, o Bolsa Família ou a aposentadoria especial antecipada (aos 55 anos para as mulheres e 60 para homens).


No caso da aposentadoria antecipada, o registro em carteira tiraria o trabalhador da condição de \”segurado especial\”, tornando-o \”assalariado rural\”. Com isso, ele seria obrigado a contribuir por 13 anos ou a trabalhar mais cinco anos.


No caso do Bolsa Família, os beneficiários não perderiam necessariamente o dinheiro (pois trabalham apenas alguns meses na safra). Mesmo assim, preferem não correr o risco.


Esse é o caso de Juceli de Jesus Alves, 47, que trabalhava sem registro em uma fazenda da região na semana passada.


Ela diz estar \”com medo\” de ser registrada e perder os R$ 134 por mês que recebe do Bolsa Família (ela tem nove filhos, dois deles de sete e cinco anos).


Juceli diz que optou pelo registro em 2009, mas não sabe se o fará neste ano. \”É melhor contar com o certo [o Bolsa Família] do que com o incerto.\”


Sem registro, os trabalhadores ganham entre R$ 4 e R$ 5,50 por caixa de café colhido. Registrados, ganhariam um salário mínimo (R$ 510).


O mesmo se dá com as pessoas chegando perto da idade de se aposentar.


Pé de café vira tronco

Na semana passada, Raimundo Moreira de Souza, 56, empilhava com dois ajudantes troncos que antes eram pés de café naquela que foi uma das maiores fazendas da região.


A terra vai virar pasto. E o antigo cafezal, queimar nas caldeiras de um curtume.


Souza nunca teve a carteira assinada e não a quer. Quer se aposentar aos 60 anos pelo regime especial da Previdência, ganhando um salário mínimo por mês.


Ele diz que a irmã, hoje com 55 anos, teve a carteira assinada há dois anos e perdeu a oportunidade de se aposentar aos 55. Agora, terá de completar 60 antes de pedir a aposentadoria.


Souza diz que chegou a levar em seu caminhão para essa mesma fazenda até 60 pessoas ao dia na época da safra para colher o café. \”Hoje, estamos destruindo o que levamos mais de 30 anos para plantar\”, diz.


Em uma das maiores fazendas ainda ativas em Brejões, a Campo Grande, o cafeicultor André Araújo diz ter diminuído o número de \”covas\” (pés de café) de 1 milhão para 700 mil nos últimos anos por causa da falta de mão de obra.


Enquanto precisa de até 200 pessoas para cada safra, ele consegue contratar no máximo 70 com a carteira assinada.


O resultado é que mais de 40% do café não é colhido no pé por falta de tempo. Acaba catado depois no chão. A saca do \”riado\” (colhido no solo) vale R$ 200, ante R$ 290 do \”mole\” (tirado do pé na hora certa).


A Folha já havia constatado o problema em Brejões e em outras regiões em 2007.


Na época, fazendas ainda tentavam sobreviver contratando ilegais. Após multas e o aumento da fiscalização do Ministério do Trabalho, muitas desistiram da atividade.

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