Aos 18 anos, ela já tem seios opulentos. Foi o adjetivo que o meu amigo empregou para defini-los: opulentos. Meu amigo mora numa cidade da Fronteira Oeste e é pelo menos 15 anos mais velho do que a proprietária dos opulentos. Dia desses, ele vinha caminhando pelo centro e viu a menina lá adiante. Ela vestia uma daquelas calças justíssimas e uma blusa que privilegiava, exatamente, a opulência dos opulentos. Seus seios redondos e luzidios se projetavam para o mundo exterior como se tivessem vontade própria e ansiassem pela libertação de todos os grilhões, preconceitos e sutiãs.
A moça empunhava um sorvete de casquinha que chamou a atenção do meu amigo por ser, o sorvete, quase tão faustoso quanto os opulentos. Ao notar a aproximação do meu amigo, a moça tomou-se de entusiasmo. Miou um oi de quatro ós, do jeito que só as meninas de 18 anos miam, e fez um gesto largo com o braço, um movimento brusco que deslocou o sorvete do centro gravitacional da boca da casquinha, e as atirou para o alto, e as bolas, umas três, do tamanho de bolas de tênis, voaram unidas como trigêmeas siamesas, traçaram um arco no ar e, na aterrissagem, bloft, encaixaram-se à perfeição no entremorro dos seios da moça, como se fosse uma peça de lego acoplada em outra.
Meu amigo ficou paralisado e sem respiração, olhando com espanto para as bolas do sorvete graciosamente acomodadas entre os dois opulentos, e mais sem respiração ficou justamente por causa da respiração dela, a dona dos dito cujos. É que ela, a dona, passou a respirar fundo, talvez devido ao susto, talvez devido à gelada sensação produzida pelo sorvete em contato com os seios macios, e esta respiração pesada fazia com que eles, os opulentos, subissem e descessem no decote num ritmo cada vez mais intenso, o que só perturbava o meu amigo, eis aí algo de perturbar, realmente. Mas o pior, ou melhor, foi que o sorvete (de flocos e pistache, julgou ele, embora eu prefira imaginar que fosse de avelã, muito melhor a combinação de avelã com seios), enfim, o melhor foi que o sorvete começou a derreter ao contato com o corpo cálido, e o creme delicioso passou a escorrer declive abaixo, empapando a blusa e a carne tenra, esfriando os mamilos, embaraçando a moça, que não sabia como proceder. Meu amigo também não e, constrangido, resolveu… fugir! Pusilânime, ele balbuciou alguma desculpa, prometeu que se veriam em breve e, tzim!, desapareceu.
Todos para quem meu amigo relata o episódio se revoltam. Uns dizem que ele deveria ter proposto:
– Quer ajuda para tirar o sorvete daí?
Outros que deveria ter perguntado:
– Está geladinho?
Ou que deveria ter gemido:
– Adoro pistache! – e mergulhado naquele doce vale.
Não sei, acho que nenhuma dessas fórmulas é a ideal. Só que se escafeder, como ele fez, também não é. Meu amigo deixou escapar uma dessas oportunidades que só surgem uma vez na existência. No máximo, duas. Ali, ali, três. Quando ele for avô, contará o episódio do sorvete de avelã nos seios para seus ávidos netinhos e suspirará de saudade. E saberá que fugiu por um único motivo: ele não é um centroavante. Ele não é um Tuta. O Grêmio tem Tuta. Tem centroavante. E, quem tem centroavante, não perde as grandes oportunidades da vida, não hesita na grande área, nem diante de seios cremosos e resfriados.
Um maldito viciado
Sou um escravo da higiene bucal. Ontem mesmo, o Tiago, auxiliar da Redação, estava de aniversário. Vinte anos. Lembro de quando tinha 20 anos. Estava apaixonado pela Rosane. Ela tinha olhos verdes e um rosto de querubim e, oh!, não me amava. Dizia:
– Tu és meu melhor amigo…
Cara, como eu odiava aquilo.
Mas o aniversário do Tiago. Ele é de Santa Cruz e trouxe uma pilha de caixas de cuca para comemorar a data. Cucas de laranja, de coco, de maçã e outras quetais. Comi vários pedaços de cuca de coco, talvez até oito. Empanzinei-me de cuca de coco. Ainda mastigava o derradeiro naco, quando puxei da gaveta a pasta, a escova e o fio. Ao que o Mário Marcos se espantou:
– Já vai escovar os dentes???
Já. É isso: se por ventura dou uma dentada num sonho recheado com saboroso creme de baunilha ali no bar, logo corro para escovar os dentes com fúria. E, mesmo assim, fui fazer limpeza no meu dentista, o Ramão, e ele:
– Até parece que tu fumas!
Fiquei aflito. Sempre fico aflito com questões odontológicas. Não entendia a razão de meus dentes necessitarem de tanta limpeza, uma vez que os escovo uma dúzia de vezes ao dia. Aí o Ramão deu a flechada:
– Tu tomas muito café expresso!
Catapimba! Em cheio. Tomo muito café expresso. Aterrorizado, descobri que o expresso mancha medonhamente os dentes, que nada é pior, neste quesito. Devia tentar o passado. Naquele dia, e no seguinte, foi o que fiz. Chegava ao bar, olhava para a máquina do expresso, suspirava e pedia: um p-passado. Tomava aquela substância aquosa, voltava à Redação para escrever e… não conseguia! As frases não se encaixavam. O sujeito rompera com o verbo e o complemento não aparecia. Sentia-me sonolento, sonolento…
– Não consigo escrever – gemia.
Foi então que o Mário colocou a mão no meu ombro:
– Tu devias tomar um expresso.
Meus olhos se encheram d´água. O Mário é um bom amigo. Dei um soco na mesa. Gritei um grito de liberdade:
– Expressoooooo!
E marchei para o bar. Parei diante do Paulo, o atendente, e rosnei:
– Não quero nem saber! Digam o que disserem, exijo um expresso duplo!
O Paulo fez o expresso. Peguei o copo com mãos trementes, sorvi o líquido espumante, senti o calor se espalhando pelo meu corpo, meu cérebro despertando do torpor, meus músculos se retesando de energia, e soube, naquele instante, como se sentiram os colorados ao conquistar o Mundial. Voltei para a Redação com o assunto da coluna formigando no cerebelo e pouco ligando para a próxima limpeza de dentes que farei. Por certas sensações, a gente paga qualquer preço.