O caso Starbucks
Da Carta ao leitor, de Eurípedes Alcântara
28 de julho de 2007
O “Índice Starbucks”
O Índice Big Mac é uma criação da revista inglesa The Economist para medir, a partir do preço do sanduíche do McDonald’s, se as moedas de diversos países estão valorizadas ou desvalorizadas em relação ao dólar. Imaginemos agora um Índice Starbucks. Seria um indicador baseado no desempenho das cafeterias da rede americana instalada em quase quarenta países e serviria para medir a capacidade empreendedora de cada uma dessas nações, bem como o potencial de consumo de suas populações. Aonde se quer chegar? A uma informação publicada na seção Holofote desta edição. No espaço de uma simples nota, há uma notícia que esclarece muito sobre o estado atual da economia brasileira: as duas primeiras lojas da Starbucks abertas no país em dezembro, ambas em São Paulo, já ocupam o topo do ranking de atendimento a clientes das cafeterias da rede mundial.
O sucesso da incipiente Starbucks brasileira nasceu da combinação entre o inegável encanto que a fórmula exerce sobre os consumidores, a aptidão de seus gerentes e a prontidão da economia brasileira para crescer. São características que, ampliadas para um cenário mais abrangente, mostram que há no país uma demanda reprimida, um potencial de crescimento que se assoma como um prisioneiro pelas pequenas frestas que se abrem para ele.
A causa principal desse travamento é sobejamente conhecida. A energia criativa brasileira há tempos vem sendo mantida sob a pata de um estado gigantesco, que suga a maior parte dos recursos da sociedade em impostos e devolve muito pouco. Como resultado, muitas empresas não se animam a investir ou a contratar em larga escala e, em última análise, priva-se o cidadão de dar vazão não apenas a suas necessidades básicas de vida, mas a seus desejos de consumo, esse poderoso motor das economias modernas.
A boa nova é que os fundamentos para uma revolução capitalista estão de pé no Brasil. A inflação está controlada mesmo com o aumento do crédito e da renda, colocando o país na ante-sala do crescimento sustentável. Alie-se à estabilidade a enorme liquidez externa e tem-se o vento favorável para a decolagem econômica de longo curso.
Não poderia existir momento mais propício para que Brasília desse um empurrão pondo para andar as reformas tributária, previdenciária e trabalhista e, assim, arrancar os grilhões que ainda aprisionam a economia. Isso ajudaria a levar o Índice Starbucks a todo o parque produtivo brasileiro com as previsíveis e extraordinárias conseqüências para a paz social e a elevação do padrão de vida de todos os brasileiros.
Revista Exame, de 1o de maio de 2008
O pecado de vender a alma
A atual situação da Starbucks serve de alerta a empresas de todo o mundo: trocar valores essenciais por crescimento é sempre um mau negócio
Folha de hoje, traduzindo matéria do New York Times
Escolha de local das lojas levou à crise da Starbucks nos EUA
Na ânsia de cumprir meta de expansão, rede relaxou na definição da localização das novas unidades, dizem corretores de imóveis Na semana passada, famosa rede de cafés anunciou o fechamento de 600 lojas nos EUA, a maioria delas inaugurada a partir de 2006
Comentário
Esse é um dos temas para futuros capítulos da série “O Caso de Veja”. O lançamento da rede no Brasil, valores iniciais irrelevantes, levou a revista a um especial sobre cafés finos, tratando o episódio como “o último capítulo de 500 anos de história do café no Brasil”. A série era forçada. Os cafés finos foram lançados há 15 anos e figuras centrais, como a Illy, jogadas para segundo plano. Mencionou-se, de passagem, redes brasileiras com muito mais appeal do que a Starbucks. O “especial” mereceu chamada de capa (!).
O foco em cima da empresa foi amplo, com várias notas na Vejinha e outras revistas, culminando com essa proposta inacreditável de criar o “índice Starbucks” – tentando dar mais foco a uma nota irrelevante que saiu em uma das seções daquela edição da revista. Sem contar a pérola estilística: “um potencial de crescimento que se assoma como um prisioneiro pelas pequenas frestas que se abrem para ele”.
Vale esse alerta da Exame: “O pecado de vender a alma”.