Trimestre negativo
Gabriela Valente
Clarice Spitz
Com desempenho ruim dos investimentos e baixa confiança do empresariado, a economia brasileira encolheu 0,12% no terceiro trimestre pelas contas do Banco Central (BC). Segundo o Índice de Atividade Econômica da autarquia (IBC-Br), divulgado ontem, nem mesmo o crescimento contínuo das vendas do comércio foi suficiente para fazer o país crescer de julho a setembro. A previsão de analistas era de estabilidade, ou seja, crescimento zero nesse período.
Se o chamado “PIB do BC” for confirmado pelo IBGE (responsável pela medição do PIB oficial do país), será o primeiro resultado negativo desde o terceiro trimestre de 2011, quando a taxa ficou em -0,1%. Os economistas apostam numa clássica melhora de fim do ano, mas o otimismo não avança para 2014. Os motivos são vários : alta dos juros, indústria instável, acomodação do emprego e da renda, perda de confiança de consumidores e empresários e inadimplência alta.
Também frustrou expectativas o desempenho da atividade econômica no mês de setembro, com retração de 0,01% — mais leve que o recuo trimestral, mas ainda no terreno negativo, apesar do bom resultado no comércio. Os analistas esperavam que o indicador mensal ficasse no terreno positivo, mesmo que em um patamar baixo.
Segundo o economista Rafael Bacciotti, da consultoria Tendências, o PIB do terceiro trimestre deverá ser marcado pelo baixo desempenho de investimentos, pelo lado da demanda; e por uma indústria e agropecuária mais fracas, pela ótica da oferta. Bacciotti prevê queda de 0,3% em relação ao segundo trimestre. E um recuo de 1,3% na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, que indica o volume de investimentos), o que, se confirmado, interromperá uma sequência de três altas consecutivas. A indústria deverá ter uma retração de 1,2%.
O PIB deste ano, projeta Bacciotti, deverá ficar em 2,4%.— O comportamento da indústria vai ser a principal contribuição negativa para o terceiro trimestre, principalmente a de transformação. Mesmo os dados de serviços, impulsionados pelas vendas do varejo, não serão suficientes para evitar o terreno negativo da economia. O que está por trás disso é a manutenção de uma confiança do empresariado muito baixa em relação à economia e um câmbio mais desvalorizado, que reduziu a importação de bens de capital — afirma Bacciotti.
MAIS PESO PARA SERVIÇOS
O desempenho do setor de serviços deve ser um dos destaques positivos do terceiro trimestre. Anteontem, o IBGE divulgou que as vendas do comércio cresceram 0,5% em setembro na comparação com agosto. Embora abaixo das expectativas do mercado, foi o sétimo mês seguido de alta. Para Bacciotti, as vendas do varejo têm sido impulsionadas pelo Minha Casa Melhor, programa de aquisição de móveis e eletrodomésticos pela população de baixa renda, e por uma inflação mais bem comportada.o economista Eduardo Velho, da INVX Global Partners, considera que o indicador do BC é “moderadamente negativo”.
Ele calcula que o PIB no terceiro trimestre tenha ligeira queda, de 0,03%. E prevê o setor de serviços com viés de alta. Isso se deve, segundo ele, à incorporação pelas Contas Nacionais dos dados da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS). O setor, que corresponde a mais de 60% do PIB, é considerado subdimensionado por grande parte dos economistas.
Além da PMS, passam a atualizar os dados a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 2012, a Produção Agrícola Municipal (PAM) e informações consolidadas da Pesquisa Industrial Mensal (PIM).— Há uma mudança estrutural na economia e, por isso, o IBGE está aperfeiçoando a pesquisa. Como o setor de serviços é o mais dinâmico, ele tende a puxar a economia para cima — afirma Velho.
Além disso, Velho considera que o mercado de trabalho pujante em setembro serviu para mostrar que a demanda continua aquecida. Segundo ele, as altas seguidas das vendas do varejo funcionaram como amortecedor. Se o comércio varejista tivesse ficado estável no terceiro trimestre, o recuo do IBC-BR chegaria a 1%, diz.— Apesar do resultado negativo do IBC-BR em setembro, os dados do terceiro trimestre foram bem menos piores do que se esperava, e o carry over ( carregamento estatístico) para o quarto trimestre ratifica uma previsão de PIB de 2,6% (no ano).
A situação macroeconômica está muito ruim, mas, a curtíssimo prazo, os empresários já ajustaram os estoques e estão produzindo em ritmo melhor. Os dados do BC foram dessazonalizados pelos técnicos, ou seja, já foram descontados fatores típicos de cada época do ano. O IBC-Br foi criado pela autarquia para balizar a política de controle de inflação no Brasil.
Como o dado oficial de crescimento do PIB é defasado, o BC divulga o seu número como referência do comportamento da atividade econômica. Nos últimos 12 meses, a economia acumula um crescimento de 2,48%.
‘SAI DE CENA EFEITO SOJA’
Para o economista Aurélio Bicalho, do Itaú Unibanco, o PIB terá retração de 0,3% no terceiro trimestre e encerra o ano com alta de 2,4%. A agropecuária, desta vez , não ajudará, com uma retração de até 4% estimada frente ao trimestre anterior.
— Depois de contribuições importantes nos primeiros dois trimestres, agora sai de cena o efeito da soja e entram outras culturas, como o café e a laranja, que tiveram desempenhos mais fracos — afirma. — Esse resultado do IBC-BR está compatível com o cenário de queda de 0,3% do PIB no terceiro trimestre.