O café está, há 27 anos, no sangue deste norueguês de 61 anos. Alf Kramer tem um currículo de fazer inveja a qualquer profissional da área. Foi o criador do Campeonato Mundial de Baristas, que teve sua primeira edição em 2000, em Montecarlo; é um dos diretores do Cup Of Excellence (concurso que avalia a qualidade dos cafés especiais no mundo); fundou a Associação Européia de Cafés Especiais e é consultor do produto para governos como Rússia, Timor Leste, Grécia e empresas de grande porte. Sua presença no Brasil está garantida este ano, onde será jurado uma das etapas do Cup of Excellence, que acontece de 11 a 15 de setembro. Veja a entrevista que concedeu ao Basilico.
Basilico — Qual é o significado da profissão de barista no mundo? Alf Kramer — Nos Estados Unidos, o barista era apenas um operador de máquina de espresso. Na Itália, é aquele que, entre outras coisas, prepara um espresso. Nos EUA, 98% das bebidas servidas em bares, por exemplo, são à base de espresso. O restante do mundo seguiu a tendência norte-americana. No Brasil, a profissão de barista é um meio termo entre as escolas americana e a italiana. Atualmente, a tendência é formar esses profissionais nos moldes italianos. Na Noruega, o maior consumidor mundial de café, somente 1% do produto é espresso (o restante, 99%, é coado). Já na Itália, 100% do café servido é espresso. Os baristas do Japão, onde o café em lata responde por 30% do consumo de café, seguem o padrão americano.
Basilico — Quais as qualidades que um barista deve ter? Kramer – São várias. O barista tem que entender o comportamento, a preferência do seu consumidor: deve olhar para ele, conversar com ele e prestar atenção em sua linguagem corporal. E lembrar, também, que seu próprio comportamento vai influenciar na decisão do cliente. Outra característica do profissional é ter a habilidade de distinguir o bom paladar do ruim, perceber o amargor e a acidez, até mesmo para julgar seu próprio espresso. Sem entender estas características da bebida, como estabelecer uma conversa com quem vende a máquina ou o café? O barista deve dominar, também, o conhecimento básico e fundamental do café, que vai além do grão preto torrado — como, por exemplo, saber a diferença entre um café fresco e outro já passado e velho, entender sobre plantio e processamento etc. —, e tirar o melhor daquele grão. O conhecimento da máquina também é fundamental, pois há uma diferença muito grande entre apertar botões e saber porque o está fazendo. Uma máquina de fazer espresso não tem uma tecnologia de ponta, é relativamente simples: ela deve ter a pressão correta, porque o tempo de contato do pó com a água é extremamente importante, e o barista deve saber regulá-la. Agora, técnica se aprende, mas é preciso, ainda, habilidade.
Basilico — Qual é o conceito italiano de uma cafeteria? Kramer — Em uma cafeteria, você não vende café, mas prazer, do mesmo modo que numa livraria não se vendem apenas livros, mas conhecimento, diversão. E este universo de 15 minutos, que é o de um cliente em uma cafeteria, deve, necessariamente, ser diferente do mundo lá fora. As pessoas estão ali para recarregar as baterias, para esquecer um pouco dos problemas, para ver e ser vistas. O barista deve entender essas sutilezas. É muito importante que ele perceba as mudanças que estão acontecendo. Saem na frente aqueles que percebem o que se vai vender amanhã: quais serão os drinques da moda e as últimas tendências em xícaras, por exemplo. Muitos no Brasil ainda têm idéias antigas como, por exemplo, a de que a cafeteria é um lugar apenas para tomar café.
Basilico — Porque os italianos destacaram-se nesta arte? Kramer —- A Itália é uma “coleção de reinos” e isso se verifica, entre outras coisas, na variedade de cafés. Os produtores do país só conseguem concordar em um ponto: o espresso italiano é o melhor. Não há só um conceito de espresso, mas imensas variações regionais. Em Milão, a torra do café é mais leve e, às vezes, mais do que a nossa. Já em Nápole, eles quase “fritam” o café.
Basilico — Como é o mercado de cafés? Kramer —- Basicamente, 4 grandes companhias compram 2/3 do café produzido no mundo todo e, fundamentalmente, todas compram um produto ruim. A idéia, portanto, é produzir café o mais barato possível, dentro de um nível mínimo de qualidade. É assim que as empresas saem ganhando. O Brasil tem que entender os diferentes aspectos do mercado mundial de café: há o mercado ruim, o razoável e o dos cafés top, de excelência. Os produtores brasileiros acreditam que há um mercado consumidor de cafés de alta qualidade muito maior do que ele realmente é.
O espresso no mundo |
Noruega – 99% do café consumido é coado Itália – 100 % do café servido é espresso Inglaterra –- 85% do café servido é solúvel Alemanha – 5% do produto degustado é espresso, 8% é filtrado e 10-15%, solúvel. Japão –- 30% é café em lata (quente ou frio) |
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