Ciça Vallerio – O Estado de S.Paulo
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Com tais resultados, Yara alcançou uma posição que jamais imaginaria tempos atrás. \”Ainda não caiu a ficha\”, confessa a barista, que assumiu a profissão por acaso, há menos de cinco. Depois de abandonar a faculdade de Design Digital e o posto de vendedora de uma loja de skate, Yara aceitou a vaga de atendente na cafeteria Suplicy, especializada em cafés especiais e localizada no bairro dos Jardins.
\”Não tinha a menor noção do que era esse mundo\”, confessa. \”Estava ainda em treinamento quando conheci e me apaixonei pela cafeteira italiana La Mazzorco.\” Sorrateira, começou a observar os outros baristas trabalhando com a máquina, considerada a melhor do mundo, e foi pedindo para tirar o café até acertar de vez o ponto. Um mês depois, já estava operando a La Mazzorco.
Fora do expediente, passou a pesquisar sobre barismo: \”Fiquei encantada com essa profissão, porque é tudo feito à mão, nada é automatizado. Como cada pessoa pede o café de um jeito, é preciso saber regular a máquina para preparar o tipo desejado pelos clientes, numa espécie de customização.\”
O interesse da recém-contratada era tanto que o dono da cafeteria Suplicy, Marco Suplicy, a incentivou a ir mais fundo e contratou duas premiadas especialistas russas para treiná-la, Irina Puzachkova e Polina Vladmirova. Após dominar a técnica, Yara iniciou um trabalho exaustivo para educar seu paladar e, assim como um sommelier, poder degustar e sentir todos os atributos dos grãos especiais.
Acostumada a tomar os tradicionais cafés com açúcar, passou a bebê-lo puro, uma vez que adoçar mascara os sabores. Nas provas, fez muita cara feia por causa do amargor. Quando se habituou aos cafés puros, iniciou seu treino para apurar o paladar e, finalmente, conseguir decifrar as nuances do sabor.
\”Como, geralmente, bebemos café bem açucarado, não percebemos a má qualidade do pó tradicional, vendido nos mercados\”, avisa a expert. \”Ao provar um especial, com 100% de grãos da espécie arábica – considerada a melhor –, é que sentimos a grande diferença.\” Conforme explica, o grão de qualidade inferior é o da espécie robusta, justamente o mais comum, já que é de fácil plantio.
\”Por sermos o último elo da cadeia, que vai do produtor ao torrador, é exigido muito conhecimento técnico e atenção aos detalhes, porque qualquer distração pode levar ao erro\”, ressalta Yara. \”O barista nunca vai melhorar um café ruim, mas pode destruir um bom.\”
SABOR E PERFORMANCE
Nas competições, os concorrentes precisam preparar com perfeição vários tipos da bebida e em pouquíssimo tempo, enquanto explicam para os jurados as qualidades do grão escolhido para a prova. Atuam como se estivessem apresentando um espetáculo, com direito a trilha sonora. No último campeonato internacional, realizado este ano em Atlanta, Yara fez quatro expressos, quatro cappuccinos e quatro drinques à base de café – tudo isso em 15 minutos.
Para enfrentar os adversários e conseguir boas classificações, ela se prepara muito. As cinco horas ininterruptas por dia, que já dedica ao ofício normalmente, chegam a doze ou mais. Mas o esforço vale a pena. Em 2007, quando participou pela primeira vez do Campeonato Brasileiro de Barista, a iniciante levou o terceiro lugar. No ano seguinte, pegou o segundo. E não sossegou até ganhar o troféu, que abocanhou recentemente.
A família de Yara sabe muito bem o que uma competição representa para a filha: estresse. \”Eles percebem o quanto fico louca de tão obcecada para me aperfeiçoar. Acabo me esquecendo até de comer\”, fala. E haja saúde para suportar tanta cafeína. Durante o período em que treina, ela faz um café por minuto para testar sua agilidade e a consistência da bebida. Resultado: chega a perder até quatro quilos.
Tanta dedicação já lhe rendeu vários frutos – mas não financeiramente falando, pelo menos por enquanto, já que ganha pouco mais do que a média salarial de um barista, que é de R$ 600,00. Por outro lado, Yara está tendo a chance de interagir com professores de peso. Sua preparação para o campeonato mundial, por exemplo, contou com os préstimos do campeão de 2008, o irlandês Stephen Morrissey, e do premiado brasileiro Richard Orlando Kumagai. Por causa da competição, ela conseguiu realizar um de seus grandes sonhos, que era viajar para o exterior.
CONVITES INTERNACIONAIS
Em função da boa classificação, outras portas se abriram. Este ano, Yara passou 12 dias na Nicarágua com alguns dos melhores baristas do mundo, conhecendo a vida dos coletores de café e todo o processo que envolve o plantio. Na sequência, foi para Milão, onde fez o lançamento de uma máquina cafeteira, ao lado do atual campeão mundial, o inglês Gwilym Davies. \”Agora fui convidada para trabalhar durante seis meses, a partir do começo do ano, na cafeteria Estate Coffee, em Copenhague, que é tradicional e conhecida pela qualidade da torra dos grãos.\”
Durante esse período de trabalho na Dinamarca, Yara fará uma breve pausa para voltar temporariamente ao Brasil. Quer se concentrar em seus treinos, para participar do campeonato nacional de 2010, de olho novamente no primeiro lugar. A barista já sabe até a trilha sonora que vai embalar a sua apresentação. \”Mas ainda é segredo\”, avisa. Apresentou-se no campeonato mundial ao som eletrônico da dupla francesa Justice, do indie-pop-rock do grupo galês Super Furry Animals e da dance music \”cool\” dos norte-americanos que integram o Hercules and Love Affair.
Música, aliás, é sua outra paixão: tem uma queda especial pelo rock. Samba não entra na sua playlist. E namorado não tem vez: está tão focada na profissão que só admite \”aventurinhas para distrair a cabeça\”. Além dos prêmios e convites, a barista atribui ao café uma importante transformação pessoal: conseguiu vencer sua timidez, graças ao exercício de atender clientes. Mas a prova de fogo mesmo foi se apresentar nas competições para juízes e público. \”Fui obrigada a mudar e valeu muito para a minha vida.\”
Agora só precisa encontrar um jeito de terminar a faculdade de Direito, que trancou no último ano para treinar para o campeonato mundial. \”Provavelmente não vou trabalhar com isso, mas quero o diploma para não desapontar minha mãe.\”
UM BOM CAFÉ
Esqueça o velho hábito de preparar o tradicional cafezinho em casa. Para conseguir melhor resultado, existem segredos simples. O primeiro – e óbvio – é escolher um bom grão. Os grãos de melhor qualidade são da espécie arábica, bastante superiores aos da robusta.
O café tradicionalmente vendido nos supermercados é composto por grãos da espécie arábica, em maior quantidade, podendo conter até 30% de grãos robusta e defeitos PVA (pretos, verdes e ardidos). Já os do tipo gourmet e especiais devem ser 100% arábica, com uma diferença: o segundo tem origem controlada e pontuação de qualidade acima de 80, considerando-se que a escala é de 0 a 100.
Na hora de fazer o café, a barista Yara Castanho explica que a água precisa ser mineral ou filtrada, e jamais fervida. Desligue o fogo pouco antes do ponto de fervura. Prepare o momento da pré-infusão: coloque o pó no filtro e molhe um pouco para que ele absorva a água e libere aromas e sabores. Depois, jogue o restante da água como um fio, e em movimentos circulares.
1 | CE LATTE
Bem simples e de rápido preparo, esta receita faz sucesso durante o verão, por ser refrescante. Basta acrescentar gelo ao leite e café expresso. Se o café for coado, bata tudo no liquidificador. Acrescente açúcar a gosto.
2 | ICE MOCHA CHOCOLATE
Num copo, coloque leite, gelo, o café expresso, calda de chocolate (pode ser uma para sorvete, comprada pronta), açúcar – tudo a gosto – e finalize com chantilly por cima. Também pode ser feito com café coado.