Ausência de regras reprime orgânicos

Fernando Lopes De São Paulo

30 de janeiro de 2006 | Sem comentários Café Orgânico Produção
Por: Valor








Aprovada pelo
Congresso e sancionada pelo presidente Lula em dezembro de 2003, a Lei 10.831,
que estabelece parâmetros para o mercado brasileiro de orgânicos, deverá ser
regulamentada este ano. Segundo a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da
Agricultura Orgânica – vinculada ao Ministério da Agricultura e composta por
representantes de órgãos públicos, produtores, empresas e organizações
não-governamentais -, o decreto que regulará a lei entrará em consulta pública
em fevereiro, por um prazo de 60 dias.

Depois disso, as regras entrarão
em vigor, e os agentes do mercado, de agricultores a companhias certificadoras,
terão dois anos para regularizar suas atuações. Se tudo correr como o governo
espera, em 2008 estará tudo certo para que a produção e as vendas disparem.
Fontes ligadas a produtores, empresas, certificadoras e varejo, porém, querem
ver para crer. Para esses elos da cadeia, a lei veio tarde e sua regulamentação
está muito atrasada, apesar de ainda haver divergências. De qualquer forma,
todos afirmam que, sem regras claras, o mercado seguirá
incipiente.

Estima-se que a produção de orgânicos movimente US$ 40
bilhões por ano no mundo, e que o Brasil represente apenas uma pequena fração
disso. Não há dados consolidados e consensuais sobre a área no país, mas
cálculos de fontes ligadas a ela sinalizam para uma movimentação entre US$ 150
milhões e US$ 300 milhões, incluindo mercado interno e exportações. Segundo a
câmara setorial, a produção brasileira de orgânicos vem crescendo, envolve
12.801 produtores e ocupa 6,588 milhões de hectares. Como comparação, a área
total plantada com grãos convencionais e transgênicos chegou a cerca de 47
milhões de hectares nesta safra 2005/06, segundo a Conab.

No entanto,
ainda conforme a câmara, mais de 5 milhões de hectares de orgânicos são ocupados
pelo extrativismo sustentável de cultivos como castanha-do-Pará e palmito. O
restante serve à produção de hortaliças, frutas, açúcar, café, soja e guaraná, principalmente.
Segundo produtores e empresas, não há consenso sobre a inclusão do extrativismo
sustentável na estatística, por este apresentar um perfil totalmente distinto
das demais culturas citadas.

Mesmo sem o extrativismo, para muitos a área
plantada de orgânicos está inflada. “Sem o extrativismo, a área cultivada
alcança, em um cálculo otimista, 500 mil hectares”, diz Alexandre Harkaly,
vice-presidente executivo do Instituto Biodinâmico (IBD), empresa brasileira sem
fins lucrativos que iniciou seus trabalhos de certificação em 1990. No Brasil há
duas dezenas de certificadoras com presença significativa, e o IBD é uma das
maiores. “Sem a regulamentação, o Brasil continuará patinando, como acontece há
cinco anos. Nos EUA e na União Européia, quando as regras foram definidas as
áreas plantadas dispararam. Na Europa, cresceu dez vezes de 1992 a 2002”. Para
ele, as exportações de orgânicos – sobretudo açúcar, café e soja – somam de US$ 100 milhões a
US$ 110 milhões por ano, e o mercado total movimenta até US$ 150
milhões.

Com uma carteira de clientes composta por cerca de 500
indústrias, 50 das quais de grande porte, a Native, braço do grupo paulista
Balbo (dono da Usina São Francisco) responde por quase 40% das exportações
mundiais de açúcar orgânico, segundo seu diretor comercial, Leontino Balbo Jr.,
e deverá embarcar 35 mil toneladas do produto em 2006, a um preço que varia de
US$ 450 a US$ 500 por tonelada. Apesar de avançar progressivamente desde que foi
criada, em 1997, a empresa também acusa atraso na definição das regras para os
orgânicos. Conforme Balbo Jr., há regulamentações em outros países que poderiam
ser adaptadas à realidade brasileira, e as certificadoras com as quais a Native
trabalha “até superam as exigências que serão determinadas”, diz
ele.

Entre os pontos em discussão para a regulamentação da lei, o
executivo critica a “certificação participativa”, uma espécie de
“auto-certificação” proposta para agricultores familiares que não têm como arcar
com os custos de uma certificação. Para ele, a medida esbarra na falta de
critérios unificados e pode motivar fraudes. Mesmo com as incertezas, a empresa
se prepara para potencializar as vendas no país para clientes de maior poder
aquisitivo, em ações corpo-a-corpo nos supermercados. Hoje, a Native exporta 90%
do que produz (açúcar, café e suco de
laranja). Em virtude dos custos de produção mais elevados, os orgânicos chegam a
custar nas gôndolas o dobro do preço de seu par convencional.

Pão de
Açúcar e Carrefour, as maiores redes varejistas do país, acompanham as
discussões sobre a regulamentação da lei mas também já elevaram a aposta nesse
mercado. Em 2005, investiram em áreas especiais para a categoria em suas lojas e
garantem que a demanda é crescente. “Ainda temos dificuldades em ampliar a
oferta porque faltam regras. O mercado tem de ser organizar”, afirma Leonardo
Miyao, diretor de Frutas, Verduras e Legumes (FLV) da Companhia Brasileira de
Distribuição (CBD), dona das bandeiras Pão de Açúcar, Extra e CompreBem. Ele é
favorável à criação de “fichas técnicas” para os orgânicos, de princípios de
padronização – combatidos pelos produtores – e de um selo para os produtos,
previsto na lei. Hoje, nas lojas da rede em São Paulo, os consumidores têm à
disposição cerca de 100 itens orgânicos, incluindo açúcar, café, suco, folhagens e frutas.

“A
regulamentação da lei vai moralizar esse mercado. Hoje, não há limite. Já vi
biscoito sendo vendido como orgânico apenas porque tinha açúcar orgânico em sua
formulação. E o resto?”, questiona André Bussab, da Tradeland, empresa que
exporta mel orgânico da marca Bee Brazil. Em 2005, afirma ele, os embarques
brasileiros de mel (85% orgânico), renderam US$ 21,5
milhões.

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