Estadão – 29 de março de 2014
Bebida mais popular dos brasileiros também está na lista das culturas agrícolas que podem sofrer impactos com as mudanças climáticas
Giovana Girardi – Enviada especial
YOKOHAMA – Vai sobrar até para o cafezinho. Nas estimativas dos cientistas sobre os impactos de um planeta mais quente, a bebida mais popular dos brasileiros também está na lista das culturas agrícolas que podem sofrer impactos com as mudanças climáticas.
O alerta aparece em pelo menos dois capítulos da segunda parte do quinto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que será divulgado neste domingo, 31. Nesta semana, cientistas e representantes de governos estão reunidos em Yokohama para chancelar o documento e concluir a parte não técnica do trabalho – o “Sumário para Formuladores de Políticas”.
No capítulo sobre áreas rurais, o painel de cientistas destacam estudos publicados nos últimos anos que mostram que aumentos não muito altos de temperatura, a partir de 2 ?C, e mudanças nos padrões de chuva podem afetar a cultura na América do Sul e Central e na África. “No mínimo, as mudanças climáticas vão causar modificaçõs consideráveis na distribuição das plantações, rompendo com o modo de vida de milhões de pequenos produtores”, concluem os autores.
Essa bola está sendo cantada por pesquisadores brasileiros pelo menos desde 2001, e alguns desses trabalhos são citados agora no relatório. É o caso do cálculo dos pesquisadores Hilton Pinto, da Unicamp, e Eduardo Assad, da Embrapa, divulgado em 2007. O trabalho estimou que um aumento médio de 3ºC na temperatura e redução de 15% nas chuvas poderia diminuir a área potencial para a produção de café nos dois principais Estados produtores de café: São Paulo e Minas Gerais.
Um mapeamento feito por eles tinha mostrado que atualmente de 70% a 75% da áreas dos dois Estados é apta para o cultivo do café. Com o aumento da temperatura e queda na chuva, essa área potencial cairia para 20% a 25% das áreas. Essa perda de cerca de 30% poderia resultar em perdas econômicas, só para São Paulo, de cerca de US$ 300 milhões, apontam os autores do IPCC.
Projeções
Os trabalhos citados levaram em conta projeções antigas de mudanças climáticas, contidas no relatório de 2001 do IPCC, mas a dupla afirma que cálculos posteriores, que não chegaram a ser incluídos no compilado atual do painel científico, e observações de campo vêm confirmando a estimativa anterior.
“Infelizmente nossos estudos feitos em 2001 e posteriormente repetidos em 2008 e 2012, parecem confirmar que o café faz parte de uma das culturas mais vulneráveis ao aquecimento global, depois do milho e da soja”, afirma Assad. “E o que estamos vendo no clima de 2013 e início de 2014 estão sendo uma excelente amostra do que podemos esperar para 2030 com relação ao aumento das temperaturas e fenômenos extremos”, complementa Pinto.
Ele se refere ao verão com temperaturas acima da média e reduzido nível de chuvas que o Sudeste vivenciou neste ano. “Tivemos ondas de calor com temperaturas acima dos 32 °C, 33 °C. Por conta disso e da falta de chuva, os grãos de café ficaram menores, com baixa densidade. São Paulo e Minas deverão ter um decréscimo acentuado na produção e o que restar deverá ficar com a qualidade bem baixa. Particularmente, acho que a quebra poderá ser equivalente a uns 20% ou 25%”, afirma o pesquisador.
Terras frias
Os estudos mostram que a cultura pode se deslocar mais para terras mais frias ao sul do País. Outra alternativa estudada é o plantio do café à sombra de outras árvores. “A Embrapa tem trabalhado na busca de novas variedades mais tolerantes as altas temperaturas. Fizemos o primeiro alerta em 2001, já deveríamos ter algum material resistente. Esperamos ter em breve, mas a verdade é que essas coisas levam tempo”, comenta Assad.