31/03/2011
Kátia Simões | Valor Econômico
Em 2002, quando os irmãos Rafael e Rodrigo Peres, donos da torrefação Café do Centro, receberam a visita de um grupo de empresários japoneses interessados em negociar com uma empresa de tradição no ramo, não imaginavam que quatro anos depois abririam uma cafeteria própria em Tóquio. “A proposta era ensinar o consumidor japonês a tomar café com requinte e qualidade, como já acontecia com o chá”, lembra Rafael, 35 anos.
A comprovação de que a proposta tinha futuro veio com a rápida expansão da rede naquele país. São oito lojas, seis delas franquias. “O próximo passo será disseminar o conceito de marca de café fino vendido no varejo”, adianta o empreendedor. Por aqui, a dupla não opera cafeterias, trabalha apenas com a torrefação, que processa 3 milhões de sacas de café por ano, distribuídas em cerca de 3 mil pontos-de-venda com o selo Café do Centro ou com a marca de terceiros.
A Café do Centro é uma entre as 97 multinacionais brasileiras em atuação no exterior. A maioria das empresas é de médio e grande porte e apenas 19% desse total fatura abaixo de R$ 300 milhões por ano, segundo pesquisa feita pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Em 2006, as chamadas transnacionais não passavam de 46, tendo como principais destinos a América Latina e os Estados Unidos.
“O movimento de internacionalização das pequenas e médias empresas brasileiras tem crescido nos últimos anos mais por uma tendência natural de um mercado globalizado do que por incentivos”, afirma Felipe Borini, professor de mestrado de gestão internacional da ESPM. Segundo ele, uma das principais dificuldades para ganhar espaço lá fora ainda é a falta de entendimento da arte de negociar no exterior. “A maioria dos empreendedores começa exportando seus produtos e, em seguida, desembarca no país sem prospectar bem o mercado, conhecer de perto a cultura e os hábitos de consumo locais”, diz.
Para Betina Moreira, 39 anos, sócia da UHY Moreira Auditores, a maioria das empresas brasileiras sequer está preparada para receber investimentos externos de investidores dispostos a operar no Brasil. “Falta a cultura da transparência da informação, tanto contábil quanto de gestão do negócio”, afirma. A própria Moreira Auditores teve de rever seus processos para atender as empresas brasileiras dispostas a exportar e a se estabelecer no exterior. Com 40 anos de mercado, há três a auditoria, fundada no Rio Grande do Sul, associou-se à internacional UHY, uma rede globalizada. Hoje, conta com cinco escritórios no Brasil, uma subsidiária na Flórida, EUA, e fatura R$ 12 milhões por ano.
Betina assegura que esse é o momento para as pequenas e médias empresas estruturarem seus projetos de expansão fora do país até para se tornarem mais competitivas diante dos estrangeiros que aportam por aqui cada vez em maior número. “O primeiro passo é mesmo exportar seus produtos, depois contar com uma representação e distribuição das linhas, o que ajuda a diluir os riscos; conhecer melhor o comportamento do novo mercado e estruturar a marca”, afirma. “O terceiro passo é se estabelecer com uma planta industrial ou ponto-de-venda”.
Esse foi o caminho percorrido pela fabricante de secadores Taiff, de São Paulo. De uma linha de 40 produtos, apenas 15 deles estão à venda no exterior. Até o início de 2010, a empresa exportava suas linhas para 30 países, a maioria da América Latina, com a ajuda de dois parceiros instalados na Argentina e nos Estados Unidos. Em março do ano passado, a Taiff instalou um escritório próprio em New Jersey, que centraliza a operação de 12 distribuidores regionais americanos. “Para solidificar a marca em um mercado continental como o dos Estados Unidos, era preciso ter o controle da operação, viver o dia a dia”, afirma o diretor comercial César Tisukuda, 36 anos. A empreitada exigirá um investimento de cerca de US$ 500 mil nos dois primeiros anos. Ao cabo do primeiro, a operação própria já chegou a 2.000 salões de beleza. “Os EUA representam 60% das exportações da marca, com um faturamento de US$ 3 milhões, mas a meta é que responda por 20% em cinco anos”., diz o executivo.
Para Gilberto Lima, coordenador de internacionalização da Associação Brasileira de Promoção e Exportação (Apex), as pequenas e médias empresas com maior potencial de internacionalização são as que somam base tecnológica a uma estrutura de gestão global e produção dentro dos moldes internacionais. “Das cerca de 18 mil empresas brasileiras exportadoras, menos de 10% estão internacionalizadas e um número menor tem unidade própria ou planta industrial lá fora”, afirma.
O Brasil, a seu ver, sofre pela falta de conhecimento da cultura comercial externa e de recursos para prospectar as exigências do país onde quer se instalar, além da bi-tributação. Para mudar esse cenário, a Apex, que hoje apoia as exportações de 70 segmentos, criou uma divisão de internacionalização, incrementou o envio de missões comerciais ao exterior e a participação de empresas nacionais em feiras, assim como criou bases da agência fora do país.
São sete centros de negócios instalados nos principais mercados globais (China, Dubai, Estados Unidos, Cuba, Rússia, Angola e Bélgica), que já apoiaram mais de 140 empresas brasileiras. De acordo com Simone Deos, diretora do Centro de Estudos de Relações Econômicas da Unicamp, é preciso que iniciativas como as da Apex sejam multiplicadas. “Nossas empresas precisam ganhar ‘musculatura’ adequada para competir em escala global. Apesar de já termos avançado muito nessa linha, ainda é preciso trabalhar duro para que as transnacionais brasileiras tragam divisas para o país”, afirma a diretora.