As feras do expresso | |||||||||||||||||||||
Inclusão em: 11/02/2004 | Pageviews: 826 | ||||||||||||||||||||
Uma saborosa revolução está modificando um dos hábitos mais populares dos paulistanos. Como aconteceu com o vinho a partir dos anos 90, o café conquista aos poucos o status de bebida sofisticada. “Não faz muito tempo, em todos os lugares, era normal o garçom servir um cafezinho bem meia-boca no fim do jantar”, lembra o crítico gastronômico Saul Galvão. “Existiam alguns que até colocavam raspas de limão para tapear o gosto ruim.” Felizmente, a situação melhorou muito. Casas como D.O.M., Fasano, Josephine e Café Antiqüe preparam, além da ótima comida, um café excelente. Ele é bom também no Alimentari, Spot, Capim Santo e outros restaurantes de preços mais acessíveis. Cafeterias finas, onde só entram grãos especiais, cultivados cuidadosamente em fazendas nobres, são cada vez mais comuns. Para não ficar para trás, redes populares como Fran’s Café também investem em qualidade. “O consumo dos chamados grãos especiais cresce na capital entre 15% e 20% ao ano, enquanto o tradicional aumenta apenas 1,5%”, afirma Eliana Relvas de Almeida, do Sindicato da Indústria de Café do Estado de São Paulo.
Na ponta dessa nova tendência que se espalha com força impressionante numa São Paulo acostumada a beber 460 milhões de xícaras por mês (21 milhões só de expresso), as grandes estrelas são os chamados baristas, experts que entendem tudo do assunto. Eles já são cerca de 100 na cidade e, à primeira vista, parecem exercer uma função simples – a de só tirar bem um cafezinho. Basta, no entanto, comparar a infusão que eles oferecem com a que se toma na padaria da esquina para perceber a diferença. E que diferença. O sabor, o corpo, o aroma e muitas vezes até a temperatura são incomparáveis. Para ser um especialista de verdade, é preciso fazer cursos e saber na ponta da língua noções da história e do cultivo da planta, a diferença entre os grãos, os melhores equipamentos, como preparar uma cremosa espuma de leite… “Diferentemente de um sommelier, o barista pode estragar ou melhorar o produto final”, diz o crítico gastronômico Arnaldo Lorençato. “De nada adianta ter um ótimo pó se ele não faz um cappuccino no capricho. Por isso, exige-se do profissional um profundo conhecimento técnico.” A atividade de barista existe há décadas na Europa, mas chegou à cidade há pouco mais de dois anos. Antes disso, o que tínhamos eram, no máximo, apenas alguns bons tiradores de café. Em 2001, a Brazil Specialty Coffee Association (BSCA), associação brasileira de produtores de cafés especiais, decidiu agitar o mercado criando um concurso de baristas. E aí a moda pegou. A vencedora da primeira versão foi Isabela Raposeiras, uma paulistana de 29 anos que se tornou o principal nome da área. Formada em psicologia, começou num cargo administrativo em uma produtora de café. Em pouco tempo, virou fera do meio e agora presta consultoria a agricultores, restaurantes e empresas tão distintas quanto Rei do Mate e Dunkin’Donuts. Pelo menos uma vez por ano vai ao exterior fazer cursos e vive dando palestras e organizando degustações. “Exportamos um dos melhores grãos do mundo”, diz ela. “Estava mais do que na hora de aprendermos a fazer café direito.”
Bem articulada e bonita como Isabela, a paulista Sílvia Magalhães segue em trilha semelhante. Natural de Araçatuba, é filha de cafeicultores e cresceu vendo de perto todo o processo de cultivo. “Quando eu era pequena, adorava comer a frutinha fresca na fazenda de meus pais”, recorda. Em 1998, decidiu passar uma temporada em Londres, onde arranjou um emprego numa cafeteria. “O dono era italiano e me ensinou muita coisa.” De volta a São Paulo, formou-se em comércio exterior e arranjou uma função sem graça num banco. Até que alguns amigos abriram o Café Zim, um charmoso endereço na Vila Olímpia. Ela resolveu investir na área e, logo depois, conquistou o primeiro lugar na 2ª e na 3ª edição do Concurso Brasileiro de Baristas. Atualmente trabalha por conta própria tocando uma promissora carreira que inclui palestras e consultorias. No próximo mês, deverá abrir sua própria cafeteria, na Avenida Faria Lima. Sílvia tem como ponto forte a elaboração de receitas inventivas, como as vencedoras dos dois concursos, batizadas de paixão tropical (com suco de maçã e maracujá, leite condensado e creme de leite) e café com amor (à base de geléia de rosas, sorvete de leite e suco de limão). “Não conheço nenhuma bebida que renda misturas tão deslumbrantes.” Pelo menos cinco cafeterias descoladas foram inauguradas em São Paulo no último ano. Em comum, trazem decoração transada, parecida ora com a da rede americana Starbucks, ora com a de elegantes endereços parisienses. São lugares ideais para se sentar tranqüilamente e ler uma revista ou o jornal do dia ao lado de uma xícara fumegante. O Suplicy Cafés Especiais, na Alameda Lorena, está entre os melhores. Com arquitetura contemporânea, vende grãos de grife e traz em suas paredes placas que explicam a origem e as principais características de cada tipo, como numa adega. Ao fundo, uma belíssima máquina de torra completa o ambiente. Ali e em seus concorrentes, pode-se comprar café moído na hora – no Suplicy, uma xícara pequena de expresso custa 2 reais e a embalagem de 500 gramas de pó sai por 17 reais. Em revezamento de turnos, trabalham na casa treze baristas, em sua maioria estudantes que começaram há pouco na profissão. “Antes de entrar aqui, não sabia nada e confesso que nem de café gostava muito”, admite Raquel de Oliveira, funcionária há seis meses e aluna do curso de publicidade da PUC. “Hoje dou dicas até para a minha mãe, que volta e meia jogava água fervente no coador, um verdadeiro crime.”
Inaugurado em setembro do ano passado, o Santo Grão, na Rua Oscar Freire, dispõe de diferentes blends, misturas feitas a partir de vários grãos e técnicas de torra. Para elaborá-los, Fernando Dourado, de 23 anos, um dos maiores e mais jovens entendedores do assunto, passou três meses provando cerca de setenta tipos de café, vindos de diversas regiões do Brasil. “Pelas minhas contas, tomei nesse período mais de 300 doses. Muitas vezes, no fim do dia, sentia minhas mãos tremer e tive dificuldades para dormir”, conta ele, que, antes de ir para o Santo Grão, trabalhou no Museu do Café de Santos. Da mesma idade, Moisés Schini é outro destaque surgido recentemente. Barista do Café Zim, ele pilota as aulas de degustação ministradas numa ala especial da casa e adora preparar drinques mirabolantes, como o feito com paçoca e doce de leite, inspirado na culinária mineira. “Começo mostrando as variedades de aromas e sabores que muitos clientes nem sonhavam existir.”
Na aconchegante nova filial do Cafeera, no Itaim Bibi, o nome do barista de plantão é escrito em uma lousa bem à vista de todos. “É um toque de charme, para mostrar que temos gente que entende do que faz”, afirma o proprietário, Alexandre Adoglio. Para ajudar na formação, cada um dos baristas da loja passa um tempo aprendendo o processo de cultivo na fazenda do fornecedor, em Minas Gerais. “Isso me ajudou a entender por que é preciso ter tanto cuidado com essa frutinha”, diz Bruno Crespi. “Sempre que posso, transmito aos freqüentadores o que descobri. Eles adoram!” Tão empolgada quanto Crespi, a simpática Maria Thereza Carvalhaes, do Il Barista, na Chácara Santo Antônio, volta e meia tem de se desdobrar para tirar dúvidas de bebedores curiosos. “As pessoas já sacaram que uma simples xicrinha de café tem aromas e sabores tão complexos quanto o vinho”, observa. “E perceberam que, mais do que uma tiradora de expresso, eu estou aqui para ajudá-los a desvendar essa bebida fantástica.” A Ferraris dos expressos
Dicas valiosas na hora do cafezinho
por Erika Sallum | |||||||||||||||||||||
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