Em pleno bioma de Mata Atlântica, na porção leste de Minas Gerais, encontra-se uma grande área produtora de cafés de qualidade. Na busca pelo reconhecimento da eficiência, transparência e qualidade da cafeicultura praticada na região surgiu a necessidade
Williams P. M. Ferreira 1, Gabriela Regina Ferreira 2, Thuane K. M. Barbosa
3, Marcelo F. Ribeiro 4, Elpídio I. F. Filho 5, José L. Rufino 6
(Viçosa, 07.04.2016) – Em pleno bioma de Mata Atlântica, na porção leste de
Minas Gerais, encontra-se uma grande área produtora de cafés de qualidade. Na
busca pelo reconhecimento da eficiência, transparência e qualidade da
cafeicultura praticada na região surgiu a necessidade da criação de uma nova
identidade geográfica dessa área, vinculada à qualidade superior do café nela
produzido. Foi entãodelimitada uma região nomeada “Matas de Minas”, à qual é
formada por 63 municípios produtores de café, sendo a maior parte deles
localizada na porção norte da mesorregião geográfica da Zona da Mata mineira e
um menor número de municípios localizados na porção sul da mesorregião do Vale
do Rio Doce.
Dentre os fatores ambientais da região destaca-se o clima favorável à
produção de cafés de qualidade. As características do clima da região são
influenciadas pela localização da região das Matas de Minas, que se encontra na
Zona Intertropical e, por isso, recebe grande quantidade de luz solar durante o
ano, fazendo com que essa zona apresente temperaturas mais elevadas ao longo do
ano do que outras zonas climáticas do planeta.
Considerando que o regime térmico de uma região é influenciado pela
incidência da radiação solar, já que o aquecimento do ar ocorre a partir do
transporte de calor proveniente da superfície terrestre que é aquecida pelos
raios solares, as características do relevo acidentado da região das Matas de
Minas revela-se como um fator topoclimático influente na temperatura reinante na
região. Além da influência do dia do ano e das horas do dia na radiação
incidente, a geometria do terreno com diferentes ângulos de exposição das
encostas das montanhas na região também influencia no total de radiação
incidente na superfície do terreno.
A radiação solar que chega à superfície terrestre proveniente de fluxos
incidentes devido à radiação direta e difusa é estimada a partir da radiação
incidente no topo da atmosfera. Devido ao custo elevado para a manutenção de
equipamentos, como os saldos radiômetros, essa grandeza não é comumente medida
em muitas estações meteorológicas, sendo comum principalmente em áreas extensas,
como a região das Matas de Minas. A estimativa é realizada a partir do uso de
softwares como o ArcGis, que dispõe de uma ferramenta chamada ?Solar Radiation?
e apresenta um algoritmo que realiza esse cálculo em associação ao uso de
Modelos Digitais de Elevação (MDE).
No ano de 2016 o solstício de inverno, que é o dia que marca a o início da
estação de inverno no Hemisfério Sul, ocorrerá em 20 de junho, e o solstício de
verão, que marca o início da estação de verão, ocorrerá em 21 de dezembro. Na
região das Matas de Minas a radiação que incidirá no topo da atmosfera nesses
dois dias pode ser observada na Figura 1.
Figura 1. Radiação solar incidente no dia 20 de junho de 2016, solstício de
inverno (a); e no dia 21 de dezembro de 2016, solstício de verão,
respectivamente.
Pode ser observado que no solstício de inverno (Figura 1a) as áreas que
receberão maiores valores de incidência de radiação solar são mais restritas,
localizadas nas partes mais altas da região, sendo que os maiores valores
deverão variar em torno de 3.300 Wh.m-2 a 4.902 Wh.m-2; enquanto que no verão
(Figura 1b) as áreas que receberão maior incidência de radiação, apesar de
continuarem a ser as de maiores altitudes, serão áreas muito maiores. Nesse caso
os maiores valores deverão variar entre 6.400 Wh.m-2 a 7.847 Wh.m-2, ou seja,
aproximadamente o dobro da radiação disponível na estação de inverno. A análise
da incidência de radiação solar nessas duas datas retratam, de modo aproximado,
o comportamento da radiação solar disponível nas estações de inverno e verão na
região das Matas de Minas.
A localização da região das Matas de Minas na região tropical é bem próxima
ao paralelo limite da Zona Intertropical, onde é comum a ocorrência de ampla
variação entre as temperaturas média máxima e média mínima ao longo do ano.
Devido ao seu relevo acidentado, essa região também apresenta ampla variação da
temperatura do ar ao longo do dia, principalmente na estação do inverno, devido
à passagem das massas de ar polares sobre a região. Essas massas contribuem para
a caracterização do clima local que, baseado na classificação climáticas de
Köppen, destaca-se predominantemente como Cwa definindo o clima regional como
?clima temperado quente?. Assim, a temperatura média do mês mais quente é
superior a 22ºC e a temperatura média do mês mais frio, inferior a 18 ºC, sendo
que, nesse caso, a época mais seca do ano coincide com o inverno do Hemisfério
Sul. Por se tratar de um clima mesotérmico as estações do verão são marcadas por
grande volume de chuvas, sendo também o verão a estação do ano em que a
nebulosidade é máxima.
Por se tratar de região cuja característica principal do relevo são as
montanhas, a altitude nas Matas de Minas varia desde 174 até 2.829m, sendo que
78% das áreas da região estão compreendidas entre a altitude de 400 e 1.000m.
Abaixo de 400m encontra-se 13% da área e as maiores altitudes, acima de 1.000m –
encontradas principalmente nas serras do Brigadeiro e do Caparaó – representam
9% da área total. Tal característica faz com que a altitude média da região seja
de 697 metros (Figura 2).
As regiões mais altas nas serras do Caparaó e Brigadeiro atuam como barreiras
das correntes dos ventos úmidos que ocorrem nos níveis mais baixos da atmosfera
que, ao se elevarem próximo às montanhas, condensam dando origem a formação de
nuvens orográficas.
Essas nuvens colaboram para o aumento do albedo da região e para a retenção
de umidade suficiente nas encostas escarpadas das montanhas, contribuindo para a
redução da temperatura do ar e a formação de áreas com microclimas classificados
como Cwb, segundo a classificação climática de Köppen, ou seja: clima temperado
úmido com inverno seco e verão ameno no qual a temperatura média do mês mais
quente é inferior a 22ºC e durante pelo menos quatro meses é superior a
10oC.
Figura 2. Relevo da região das Matas de Minas elaborado a partir do SRTM
reamostrado para 30 metros no projeto TOPODATA realizado pelo Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais do Brasil (INPE).
Nestas regiões são produzidas, dentre outras culturas, o café, destacando-se
a espécie coffea arábica.
O café arábica é oriundo de regiões de clima tropical úmido com temperaturas
amenas sendo que temperaturas do ar elevadas influenciam no crescimento, nos
processos fisiológicos e na produtividade do cafeeiro. Temperaturas elevadas
encurtam o ciclo da planta, provocando maturação precoce e comprometendo a
qualidade dos grãos. O processo de colheita e a pós-colheita também é antecipada
terminando por ocorrer em estação ainda muito quente e úmida.
Temperaturas do ar elevadas nos meses de janeiro e fevereiro (Figura 3), na
fase de enchimento dos grãos, é prejudicial, pois as temperaturas elevadas quase
sempre estão associadas à baixa reserva de água no solo. Temperaturas elevadas
podem causar escaldadura nas folhas e comprometer a fotossíntese reduzindo assim
a produção de fotoassimilados, o que prejudica o processo de formação de frutos
provocando, consequentemente, quebra na produção.
Figura 3. Valores de temperatura do ar nos meses de dezembro, janeiro e
fevereiro na região das Matas de Minas. (WorldClim, 2016).
Com base na Figura 3 é possível observar que a distribuição da temperatura
média do ar no meses de janeiro e fevereiro ocorre sempre com os maiores valores
nos municípios de Muriaé, no sul da região das Matas de Minas, Mutum, na porção
nordeste e em Caratinga e Raul Soares, respectivamente ao norte e noroeste da
região das Matas de Minas. Os menores valores são alcançados na região
montanhosa localizada nas serras do Caparaó, do Brigadeiro, e de São João – essa
última localizada em Luisburgo.
O clima no período mais frio do ano torna-se mais tipicamente serrano
principalmente durante o período noturno, devido à queda de temperatura que
deixa o ar mais denso, favorecendo assim a formação de correntes de ventos que
se deslocam nas montanhas na direção morro abaixo e, por isso, podem ser
classificados como correntes de ventos catabáticos ou “brisa de montanha”. Essas
características térmicas das regiões montanhosas das Matas de Minas cooperam
para que a base das nuvens stratus, formadas próximas às montanhas, cheguem a
tocar o solo das montanhas, passando então a serem chamadas de névoa, neblina
ou, popularmente, de serração.
À medida em que se intensifica a redução noturna da temperatura do ar nos
vales entre as montanhas, cujas altitudes médias também são elevadas, aumenta
consequentemente a condensação do vapor d´água da massa de ar junto ao solo,
favorecendo também a formação da serração nessas áreas de vales entre as
montanhas.
Após o nascer do sol ocorre o aquecimento da superfície das montanhas nas
partes mais elevadas onde a radiação solar direta incide primeiro. O aquecimento
das partes mais altas das montanhas contribuem para o aumento da temperatura
tornando o ar menos denso e favorecendo assim a formação de correntes de ventos
que se deslocam nas montanhas na direção morro acima e, por isso, podem ser
classificados como correntes de ventos anabáticos ou ?brisa de vale?, que
caracterizam o movimento do ar nas regiões montanhosas durante o período diurno.
Esses ventos, quando úmidos, contribuem para a ocorrência das chuvas orográficas
mais comuns nas montanhas mais altas, contribuindo para que as áreas com maiores
altitudes da região apresentem maior volume de chuvas durante o ano.
Para a região das Matas de Minas nos meses de fevereiro e março ocorre
respectivamente a granação e a maturação dos grãos de café, sendo fundamental um
bom volume de chuvas nesses meses para o sucesso da safra. Pode ser observado na
Figura 4a que para o mês de fevereiro os maiores volumes de chuva ocorrem na
região do município de Caparaó e na porção mais ao sul da região das Matas de
Minas, seguindo pela parte mais alta da Serra do Brigadeiro até a altura dos
limites municipais entre Araponga, Sericita e Pedra Bonita. Os menores volumes
de chuva são alcançados mais ao nordeste e noroeste da região respectivamente
nos municípios de Mutum e Raul Soares. No mês de março (Figura 4b) pode ser
observado que os maiores volumes de chuva concentram-se exatamente nas partes
mais elevadas na região montanhosa localizada no limite entre os municípios de
Simonésia e Manhuaçu, nas serras do Caparaó, do Brigadeiro, e de São João.
Na região das Matas de Minas o volume médio anual das chuvas varia entre
1.110mm a 1.819mm, sendo que as áreas mais ao norte e a oeste da região
apresentam os menores volumes de chuva. Já os maiores volumes são registrados
tanto nas regiões mais elevadas quanto nos municípios localizados mais ao sul da
região das Matas de Minas (Figura 5).
Figura 4. Volume de chuva na região das Matas de Minas (WorldClim, 2016).
Figura 5. Volume médio de chuva que ocorre durante o ano na região das Matas
de Minas (WorldClim, 2016).
Por se tratar de clima predominantemente Cwa, o maior volume de chuvas ocorre
no verão quando é mais comum a presença das massas de ar tropical atlântica
sobre a região das Matas de Minas, associadas aos anticiclones que se formam
sobre o oceano Atlântico Sul e, por isso, esses sistemas climáticos deslocam
para o continente grandes volumes de ar úmido proveniente do oceano.
É nessa estação do ano que também é comum a formação da Zona de Convergência
do Atlântico Sul (ZCAS) que apresenta localização média nos subtrópicos e está
associada a escoamento de ventos da baixa troposfera. Essa extensa faixa de
nebulosidade se estende por milhares de quilômetros, com orientação NO/SE, desde
a parte Sul da Amazônia, passando sobre a região das Matas de Minas e chegando
até alcançar a parte central do Atlântico Sul.
A região das Matas de Minas, devido às características de relevo montanhoso,
com altitude média de 697 metros e, principalmente, pela localização na porção
leste de Minas Gerais, apresenta clima temperado, com temperaturas amenas em
grande parte de sua área; maior incidência de radiação solar nas áreas de
maiores altitudes e período bem definido das estações chuvosa e seca, sendo
todas essas características climáticas da região favoráveis à prática da
cafeicultura para obtenção de cafés de qualidade superior.
1 Pesquisador da Embrapa Café/EPAMIG UREZM na área de Agrometeorologia e
Climatologia, atua principalmente em pesquisas voltadas para o tema Mudanças
Climáticas Globais. -williams.ferreira@embrapa.br ou
williams.ferreira@epamig.br
2 Bacharel em Geografia cursando Licenciatura em Geografia na Universidade
Federal de Viçosa ? Bolsista FAPEMIG/EPAMIG SUDESTE. gabriela.regina@ufv.br
3 Graduanda em Eng. Agrícola e Ambiental na Universidade Federal de Viçosa ?
Bolsista FAPEMIG/EPAMIG SUDESTE.thuane.barbosa@yahoo.com.br
4 Pesquisador da EPAMIG na área de Fitotecnia, atua em pesquisas com a
cultura do café. – mribeiro@epamig.br
5 Professor associado no departamento de Solos da Universidade Federal de
Viçosa, área de atuação: Geoprocessamentoelpidio@ufv.br
6 Engenheiro agrônomo, consultor do Sebrae (MG), que também já atuou como
pesquisador na Embrapa Café. jlsrufino@vicosa.ufv.br