ARTIGO – Propostas Estratégicas Para o Café – Por Ricardo Strenger da Associação Paranaense de Cafeicultores


Ricardo Strenger da Associação Paranaense de Cafeicultores


 


“Como sabemos a cafeicultura brasileira está atravessando graves dificuldades financeiras, temos cafeicultores de alta estirpe e tradição, desde o pequeno ao grande, que estão sem condições econômicas de sustentar suas lavouras, são verdadeiros empreendedores e sustentadores de grande parte da mão de obra deste país e que não podem ser abandonados. Devemos criar mecanismos econômicos,creditícios e soluções de longo prazo para que possamos voltar a ter uma cafeicultura forte”. Este foi o primeiro parágrafo de meu primeiro artigo sobre café, que escrevi no dia 25 de outubro de 2000. Em fevereiro de 2001 fui eleito presidente da APAC (Associação Paranaense de Cafeicultores).

Hoje após mais de 5 anos afastado, fui novamente eleito presidente da APAC. Aproveito para agradecer a meus companheiros a confiança e a honra de dirigir esta tradicional entidade fundada em 29/11/1950.

Estou estarrecido como a situação da cafeicultura piorou desde aquele meu primeiro parágrafo,que se aplica integralmente ao momento atual.

Não posso deixar de dizer que temos a obrigação, como liderança de classe, de resolver ou tentar resolver, os problemas de cada cafeicultor de nosso país. Não podemos ficar desunidos pelo simples fato de um,alguém ou um grupo estarem equacionados financeiramente. É obrigação de todos lutarem.

A cafeicultura precisa de apoio, não de esmola ou favorecimento.

Atualmente a ênfase é a solução das questões de curto prazo, principalmente as que envolvem o endividamento do setor. Queremos deixar explicitado que somos absolutamente favoráveis a esta proposição, mas isso só não resolve o problema fundamental do presente e do futuro que é a melhoria do preço do café, com estabilidade. Para não ter dívida tem que ter preço, valorizar o café é o objetivo.

Os outros segmentos da “cadeia do café” (se é que isto existe), são extremamente competentes e lutam por seus interesses, o que respeitamos profundamente. Não podem confundir ou ficarem ofendidos quando propomos uma avaliação ou divulgamos novas idéias para melhoria de nossa classe. Algumas pessoas interpretam a avaliação como um aspecto negativo de qualquer ação. Principalmente nas organizações e na sociedade esta é associada à restrição, coerção, delimitação, direção, manipulação.

No entanto, a noção de avaliação pode estar ligada à ação que se destina a verificar se a atividade observada está ou não alcançando os resultados esperados, partindo-se do princípio de que esses resultados foram previstos e são conhecidos.Os resultados da avaliação só são importantes se permitirem que se revejam os planejamentos, as ações, os objetivos.            
Enfrentamos na cafeicultura um grande período de instabilidade com impacto social e econômico, ocasionados por graves dificuldades estruturais e não tem havido condições subjetivas e objetivas para encontrar soluções.  Em situações emergenciais como as de hoje as tábuas de salvação a que em primeiro lugar nos agarramos são as menos aptas a produzir os efeitos desejados.

Através dos anos desde a implantação das primeiras mudas de café no Brasil em 1827, tivemos produção e consumo crescentes. O café foi mola propulsora do país. O governo era o grande controlador e gerenciador da cafeicultura, promovendo atitudes intervencionistas, lembrando que o Brasil chegou a deter quase 80% do mercado mundial de café. O tempo passou, o governo deixou de gerenciar a cafeicultura e esta não conseguiu encontrar mecanismos que levem a cafeicultura brasileira a caminhos seguros para o comércio mundial de café. Perdemos a hegemonia, produzimos 1/3 do total mundial e não podemos mais fazer política isolada para o mundo.

Devido ao prolongamento da crise e ao mau gerenciamento, os recursos se esgotaram, os cafeicultores ficaram endividados ou sem possibilidades para novos investimentos e ainda desestimulados pedem auxílio.

Nunca devemos fazer críticas sem propostas, por isso a APAC elaborou uma série de propostas para valorizar o café, evitar oscilações e especulações.

Naturalmente a primeira reivindicação é de caráter emergencial e se refere à dívida e ao equacionamento econômico e de crédito para podermos estabelecer políticas de médio e longo prazo.Assim, é hora de mudar velhos conceitos de comercialização que até hoje só transferiram renda do produtor. Nunca fixamos preços, os nossos produtos são comprados e não vendidos, para isso ocorrer temos que mudar o rumo da história.

Há necessidade de integrarmos todas as entidades de representação da classe, como a CNA, as federações da agricultura, os sindicatos,as associações, e as cooperativas, para que juntos equacionemos o presente e o futuro de maneira independente. Realmente chegou a hora de interferirmos, não podemos esperar soluções mágicas do governo que tem que ser municiado de propostas vindas da base, dos produtores, das lideranças.

Nós da APAC, queremos os debates, as críticas, e as sugestões para aprimorar nossas idéias. Queremos explicitar as nossas propostas, pois temos certeza que integradas irão ordenar a comercialização do café, resultando em estabilidade e preços melhores, tornando a atividade auto sustentável e nos levando à tão decantada sustentabilidade ambiental, social e econômica.

A situação econômica da cafeicultura é gravíssima. Para resolver os problemas a APAC apresenta as seguintes propostas emergenciais e estruturais, para complementar o desenvolvimento de um planejamento estratégico. Propostas:

1. Equacionamento econômico;
2. Agregação de valor;
3. Normatização de qualidade do café grão cru;
4. Rotulação do café;
5. Associação Brasileira do Café Arábica (ABCA);
6. Organização Mundial do Café Arábica (OMCA).


Resumidamente explicamos:


1. Equacionamento econômico (crédito e dívidas)


Hoje assistimos a ampla discussão sobre divida e crédito, através do SOS cafeicultura e outros posicionamentos de várias entidades. Concordamos integralmente com as propostas e aguardamos ansiosamente as soluções.
 A APAC estará sempre ao lado destas reivindicações.



2. Agregação de valores


Quando importantes pensadores da cafeicultura dizem: “para uma inflação acumulada de 254% nos 15 anos do Plano Real o café subiu 45%. Quem leva o dinheiro? As grandes multinacionais do setor compram matéria prima barata e vendem café torrado e moído com bons lucros”,e ainda que “estamos trocando ouro por espelhinho”. Não, absolutamente não podemos de forma alguma admitir estas situações.

 Grandes empresas multinacionais lucram, fazem gestões e planos enganadores para ludibriar nossos cafeicultores. São concursos, pequenos ágios, prêmios, churrascos, se arvoram em professores na arte de produzir café, curvando com estratégias os cafeicultores brasileiros, com a finalidade de levar para além mar nosso produto de alta qualidade, agregando valor e até mesmo reexportando para o Brasil a preços exorbitantes.

 Exemplo recente é o de uma grande multinacional que mostrou em grande rede de televisão, até onde chega a estratégia para se comprar café de alta qualidade a preço vil. Mostram um programa de certificação onde o pequeno produtor colhe manualmente café cereja e tem uma série de obrigações para certificar a propriedade e o seu café.No final o cafeicultor diz que tem um ágio de aproximadamente R$20,00 (vinte reais) por saco de café cereja finíssimo.

 Não concordamos com os concursos de qualidade de empresas multinacionais que usam esta estratégia, naturalmente para identificar os melhores cafés e assim facilmente achá-los e comprá-los a preço de “banana” sem sair da cadeira de seus escritórios europeus. Embora com ágio, será que a média final com o café remanescente é muito alta? O que faz o preço alto é a dificuldade de se achar o produto.

 Não podemos passar por cima da lei da oferta e demanda, mas podemos usar estratégias que nos levarão ao bom preço. Precisamos agregar valor ao nosso produto.

 Como temos um parque industrial ocioso e um desordenamento na comercialização, propomos a proibição, de se exportar 20% da safra de café de cada ano na forma de grão cru, estes 20% somente poderão ser exportados nas formas de cafés torrado e moído ou torrado. Os 80% restantes serão destinados ao mercado interno e externo na forma de grão cru.

 Os 20% de café torrado e moído serão acrescidos de 5% ao ano até atingir 50%.
 Importante observar que o café torrado e moído ou torrado não é commoditie, portanto seu preço será estabelecido pelo mercado e não pela especulativa bolsa de Nova Iorque.

 A quantificação dos 20% + 5% a cada ano, será obtida da quantidade de sacas estipulada pela pesquisa de safra anual de consultoria independente.  Haverá uma taxação sobre o valor obtido na exportação do café torrado e moído e torrado que será revertida para a capitalização do setor.

 Na prática teremos uma reserva de grãos exportáveis na forma de torrado e moído e torrado de aproximadamente 8 milhões de sacas, que devem ter o apoio do governo para serem exportados.

 Não se justifica exportarmos grão cru para grandes países que protegem sua indústria, como é o caso da Alemanha, maior re-exportadora de café do mundo, que dificulta a importação de café torrado e moído. Exportamos para pequenos países, até mesmo do Oriente Médio, Ásia, etc., com indústrias incipientes.Isso é uma insanidade e demonstra nossa incapacidade gerencial institucional. Não podemos mais exportar “nosso ouro em troca de espelhinho”.

 Com esta nova estrutura de comercialização fica evidente a agregação de valor. Teremos um ordenamento melhor da safra e ainda a imediata valorização do grão cru, pois o interesse pelo produto aumentará. Hoje a maior participação de produtos básicos, que não passaram por algum processo de beneficiamento, na pauta de exportações do Brasil, pode trazer problemas a longo prazo.O país fica exposto às oscilações do mercado internacional de commodities, além de ser um desestímulo a investimentos em empresas industriais, que geram mais empregos e mais divisas devido à agregação de valor. Vejam que com a estratégia de agregação de valor, repito, o café deixa de ser produto primário, deixa de ser commodities, deixa de ser regulado pela bolsa de Nova Iorque.

 A Argentina com estratégia semelhante fez o mesmo com o seu trigo, commodities internacional, só exportando farinha de trigo, produto acabado, com valor agregado. Resultado, aumento das exportações de farinha de trigo e alta de preços.

 Não podemos mais transferir renda do cafeicultor nacional para o industrial internacional.
 Integrado a esta proposta sugerimos a criação da multinacional Brasil- Café numa parceria publica privada com financiamento governamental, que faria Marketing institucional agressivo com abertura de cafeterias nas grandes cidades mundiais, reforçando e divulgando a qualidade do café brasileiro.Nossas cafeterias devem ser abertas especialmente ao lado das colombianas para mostrar ao mundo a qualidade de nosso produto. Esta proposta a APAC já fez há anos,bem antes da Colômbia assim proceder ,com sucesso.O marketing dos cafés do Brasil vem sendo feito de forma incipiente. Precisamos de novas cabeças,de novas propostas e novos projetos. Vamos mudar, vamos renovar, vamos modernizar.

A Brasil-Café também seria uma torrefadora nacional e internacional, com fábricas segmentadas no Brasil e no Exterior para levar o nosso produto diretamente do produtor, com agregação de valor, ao consumidor. A receita da agregação de valor será revertida diretamente ao produtor. Vejam a sensacional notícia que foi publicada nos jornais de café, do último dia 21 de julho de 2009: – “Uganda é o primeiro país da África a produzir café industrializado para abastecer mercados europeus”. Estas declarações foram feitas pelo diretor da Good African Coffee (sociedade nacional de produção de café de Uganda), Andrez Rugasira, pouco depois da inauguração da torrefação, estimada em um milhão de dólares.

“Estamos demonstrando hoje aos nossos detratores que estamos em condições de produzir um café de qualidade e abastecer o mercado europeu, este é um momento histórico não só para a sociedade, mas também para toda África. É a primeira vez que uma sociedade africana domina a cadeia de valores e exporta para a Europa”, regozijou-se Rugasira.

Por sua vez, o presidente ugandês, Yoweri Museveni indicou que este progresso se inscreve no quadro do processo de libertação econômica em curso na África que, a seu ver, “sofreu da falta de valorização dos seus produtos”.

“Esta evolução anuncia igualmente a libertação do jugo econômico. A nossa incapacidade para dar valor aos nossos produtos colocou-nos numa posição de fraqueza econômica, em que ganhávamos a módica soma de um dólar por um quilo de grãos de café exportados para sociedades européias de torrefação e acondicionamento que revendem o quilo de café por 15 dólares. Podemos finalmente hoje abastecê-los de produtos acabados e vamos recuperar tudo que tínhamos perdido. Francamente, enriquecemos a Europa”. Indignou-se o estadista ugandês.
Indignado também estamos nós, pois já em 2003 fizemos a proposta de formação da Brasil-Café e até hoje, não tivemos sequer a coragem de debater o tema. Continuamos oprimidos pelas multinacionais. Devemos lutar para recuperar tudo o que perdemos, agregando valor ao café.

Com renda revertida diretamente ao cafeicultor brasileiro. Podemos construir dezenas de fábricas, igual à de Uganda, que irá processar três milhões de quilos de café por ano.
Se Uganda pode, por que nós não podemos? Será que queremos continuar escravizados?
 A co-gestão dos recursos obtidos pelo plano, deve criar um modelo de autofinanciamento saindo das amarras do crédito governamental. O Funcafé nos moldes atuais, não atende mais às pretensões do cafeicultor, tendo sido sua função original desvirtuada.

 A conseqüência importante do fato de se basear a porcentagem de café a ser exportado na pesquisa de safra realizada por auditoria independente , será inibir pesquisas de safra aleatórias e infladas, tornando-as inócuas.

 Precisamos que as exportadoras e as industrias se aliem aos produtores, pois não queremos competição, mas sim dividir equitativamente o lucro da cadeia café, que a partir daqui realmente existirá.

 Para executarmos a idéia é preciso que façamos a Normatização da Qualidade do Grão Cru.


3. Normatização da Qualidade do Grão Cru


 Todos sabem que nós produtores ao vendermos o café, os compradores determinam o tipo, ou seja, a tal da cata, 10%, 20%, 30%, sabe-se lá, o que interessa é que esta porcentagem que é catada é o que determina o preço que nos será pago. Notem, a cata não é paga mas é carregada e utilizada pela indústria sem custo da matéria prima.

 Isto é muito importante pois temos pelo menos 4 a 8 milhões de sacas de cata que repito não nos é paga. Então porque não destinar este café, o PVA (preto, verde, ardido), para outros fins mais nobres, que nos trarão renda, que não sejam empurrar para o consumidor um café de péssima qualidade. As medidas acima, propostas pela APAC eliminarão “café” do mercado, regulando a oferta e melhorando os preços, diferentemente dos leilões de opções, pois o mercado sabe que o café eventualmente adquirido pelo governo federal continuará disponível e voltará para o mercado a qualquer momento, deprimindo os preços. Ou vocês acham que o café adquirido vai para onde? Claro que voltará para o mercado.

 Carregar estoques é querer ser sepultado num futuro breve, pois preços não sobem por “decreto”. Perpetuar leilões e aquisições do governo, é perpetuar preços baixos.

  Uma empresa chinesa anunciou um projeto de transformação de resíduos de café em fibras de secagem rápida, e ainda este ano deve apresentar as primeiras peças de roupa feitas com tal tecido, com controle de odores, e proteção contra raios ultravioleta. Ainda temos o espetacular projeto da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) que estuda a utilização do grão de café para produzir biodiesel,sendo a idéia dos pesquisadores, justamente encontrar uma finalidade para os grãos considerados como defeituosos. Os grãos pretos são como frutos podres que secaram e portanto são impróprios para o consumo. Podemos também utilizar estes grãos como adubo.

 No site do importante Café Pilão na seção “Tire suas Dúvidas” encontramos a resposta à seguinte pergunta: “O que faz um café ser mais caro ou mais barato?” a resposta do site Café Pilão é a seguinte: “é o tipo de grão que faz parte da saca de café verde comprada com mais ou menos defeitos de café”. Impressionante que a própria indústria admite implicitamente que não paga pelo defeito, mas utiliza-o para baixar o preço do café torrado e moído, sem qualquer custo.

 Com a retirada do mercado dos grãos impróprios para o consumo, teremos uma redução acentuada de “café” que não é café e assim poderemos valorizar o real produto por redução de oferta.

 Para resolver este problema e valorizar o café pedimos ao governo que aprove o “Regulamento Técnico de Identidade e de Qualidade para a Classificação do Café Beneficiado Grão Cru”, este regulamento foi editado em 11 de junho 2003 (instrução normativa nº 8) pelo Ministério da Agricultura, mas estranhamente abortado alguns dias depois.

 O Regulamento divide o café em duas categorias – Categoria I: Café proveniente da espécie Coffea Arábia e a categoria II: café proveniente da espécie Coffea Canephora(Robusta/Conillon) estabelecendo normas e critérios para os dois cafés.

 O grão cru é classificado em categoria, subcategoria, grupo, subgrupo, classe e tipo e como era de se esperar esta classificação é diferente para os dois cafés (Arábica e Robusta/Conillon).

 O item 7 mostra os cafés “fora de tipo” indicando que o café com mais de 360 defeitos (tipo 8 até 360 defeitos) fica “fora de tipo” e impossibilitado de ser comercializado. Ainda diz que os cafés com mais de 50 grãos pretos, ou mais de 100 grãos ardidos ou mais de 100 grãos preto verde ou mais de 300 defeitos, nas amostras, também são impedidos de serem comercializados.

 Há ainda a exigibilidade de um “Certificado de Classificação”. O café Arábica de baixa qualidade, assim como a grande parte das escolhas de café, será retirado do mercado. O café Robusta/Conillon passaria a obedecer o limite de 360 defeitos e a umidade máxima de 12,5%, com isto melhorando e eliminando uma parcela do produto.

 Aproveitando a necessária re-edição desta medida pedimos a todos que façam uma verdadeira cruzada para que o uso da palha melada e outros produtos sejam banidos do meio cafeeiro.As impurezas devem voltar a ter fiscalização federal e estadual,como já foi no passado,se necessário de forma concorrente,fato legal e constitucional,aceito pelo Supremo Tribunal Federal em defesa do consumidor. As impurezas,tenham certeza,representam “alguns sacos” que substituem nossos sacos de café,prejudicando e muito a cafeicultura.

 O regulamento está pronto, só faltam alguns acertos atuais. Naturalmente há interesses conflitantes na “cadeia produtiva” que são importantes para superarmos dificuldades de encontrar novas modalidades de organização e relacionamento entre governo e o setor privado, que permitam visão clara do agronegócio. Com a adoção deste regulamento o Estado brasileiro se mostrará capacitado a exercer sua moderna função regulatória, constituindo-se como instância de intermediação.

 Esta medida valorizará e muito o café brasileiro, pois o mundo não quer café que tenha perigos embutidos dentro da xícara.

 O Regulamento, descrito acima em linhas gerais, mostra claramente a necessidade de se rotular o café industrializado para que assim possamos, aliado a este, valorizar o café Arábica, e o Robusta/Conillon. É o que veremos o seguir.


4. Rotulação do Café


 “Como sabemos, existem no mundo duas espécies de café: a espécie Arábica e a espécie Canephora, sendo este último o Robusta e o Conillon.

 Os cafés Robusta/Conillon são produzidos a baixo custo por serem árvores rústicas e pouco exigentes, sendo produzidos em determinados tipos de clima e solo, não aptos ao cultivo da espécie Arábica. Estes não possuem aroma, sabor ou paladar, sendo ainda adstringente, contendo altos índices de cafeína e servindo apenas para a mistura de cafés,alem de técnicas para tornar este café mais neutro. O café Arábica é uma espécie muito exigente em clima e solo, com altíssimo custo de produção, possuindo este sim sabor, paladar e aroma acentuados. A APAC elaborou um projeto de análise quantitativa das misturas que podem ocorrer entre as espécies Arábica e Canephora (Robusta/Conillon) nos cafés torrados e moídos que encontramos no mercado”.

Esta foi a introdução do artigo de lançamento da idéia da rotulação publicada no jornal Coffee Business do dia 28/02/2001.

 Após muitas lutas com os outros setores da “cadeia café” o projeto de lei de nº 96/02, de autoria dos deputados estaduais Hermas Brandão e Orlando Pesutti,atual Vice governador do Estado do Paraná , foi aprovado e sancionado virando lei no dia 8 de abril de 2002, sob nº 13519,que diz da obrigatoriedade de informação, conforme especifica, nos rótulos de embalagens de café comercializado no Paraná.

 Mas a indústria não satisfeita com a lei entrou com ação de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal).

 No dia 07 de maio de 2008 a ação foi julgada improcedente dando o STF ganho de causa ao governo do Paraná, que brilhantemente a defendeu.

 Os votos dos ministros foram absolutamente ao encontro de nossas idéias.

 Vejam a importância da lei através da transcrição de dois de seus artigos:

Artigo 4.º o regulamento desta lei estabelecerá entre outros aspectos, os requisitos relativos a características sensoriais, físicas, químicas e microbiológicas, acondicionamento e higiene, os teores máximos de impurezas ou contaminantes admitidos, os planos de amostragem e os métodos de análise a serem observados.

 Artigo 5.º Constará das embalagens de todo o café comercializado no Paraná um selo da qualidade emitido pela produção, através da Associação Paranaense de Cafeicultores APAC com fiscalização da EMATER e aprovação técnica, através de laudo laboratorial a ser fornecido pelo Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR).

 É histórico, o fato de a classe produtora emitir um selo para comprovar a qualidade do produto, e atentem também para o fato de que seremos co-responsáveis pela não presença de impurezas no pacote de café torrado e moído, torrado e solúvel.

Diz o relator da ação Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: “a norma impugnada não usurpou competência da União para legislar sobre direito comercial e comércio interestadual. Isso porque o ato normativo impugnado tão somente visou à proteção ao consumidor, diz ainda que a constituição atribui competência concorrente à União, Estados e ao Distrito Federal para legislar sobre a produção e consumo. … a lei impugnada (pela indústria), tem apenas o escopo de informar o consumidor quanto aos dados do produto por ele adquirido. … a constituição estabelece, como princípio da ordem econômica, precisamente a defesa do consumidor”. 

 Diz o Sr. Ministro Menezes Brito: “Nós sabemos, no Brasil, a quantas anda a questão da informação ao consumidor no tocante aos gêneros que são embalados. Muitas vezes, nós estamos cansados de examinar essa matéria, até pessoalmente, salvo quem não faz supermercado, é claro, que existe uma dificuldade muito grande porque, muitas vezes, o que se contém no rótulo não está contido no produto”.

 Na defesa de suas opiniões o advogado das indústrias alegou que a rotulação do café ofenderia o sigilo das empresas.

 Vejam o que disse a Sra. Ministra Carmem Lúcia em diálogo com o Ministro Menezes Direito: “Foi também enfatizado na tribuna que as empresas deveriam ter o direito ao sigilo quanto àquilo que se contém no café. Pergunto-me: que direito é esse? Eu cidadã que tomo muito café, tenho o direito também de saber o que estou consumindo e em que condições, até porque, às vezes, quem faz café, lembrou o Ministro Menezes Direito, sabe muito bem que ao coá-lo, sente um cheiro nítido de milho e de outros aromas na casa, o que denota nem sempre estar tudo devidamente descrito”.

 Vejam a que ponto chegou a imagem de nosso café, por isso dizemos que a indústria não pode ser autofiscalizada, com a nossa lei isto mudará.

 Continuou a Ministra – “E acredito que a tendência seja a informação. O direito à informação referida no artigo 5º deve ser respeitado efetivamente nos termos da federação brasileira. Entendo que se trata efetivamente do direito de informação do consumidor”.

 O Sr. Ministro Carlos Britto diz: “Entendo que a lei, no seu conjunto, em cada um de seus dispositivos, tem por foco a precisa informação do consumidor: orientar o consumidor, cientificar o consumidor daquilo que está sendo objeto de virtual consumo, com uma virtude, com uma vantagem adicional. Essa lei também protege a saúde, tem mérito suficiente para incorporar a defesa da saúde, que é também matéria de competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal”. Ainda diz que a lei não extrapola o limite da razoabilidade e proporcionalidade que defendem, a um só tempo, tanto o consumidor, no plano da informação, quanto à saúde.

 A certa altura da sessão plenária o ministro Carlos Britto diz que o certificado de qualidade é um plus, porque vai além da defesa do consumidor para alcançar a defesa da saúde.

 A senhora Ministra Ellen Gracie diz que “não há usurpação de competência da União para legislar sobre Direito comercial. Apenas o que se assegure no uso da competência concorrente do Estado para legislar sobre produto e consumo é a adequada informação do adquirente sobre aquele produto que ele irá consumir.

 Veja então o que diz o senhor Ministro Marco Aurélio, dirigindo-se à presidência do STF: “Senhor Presidente, a esta altura, nutro inveja, considerada a segurança dos paranaenses na aquisição e também na tomada de café”.

 O Sr. Ministro Celso de Mello: “… a proteção ao consumidor e a defesa da integridade de seus direitos representam compromissos inderrogáveis que o Estado brasileiro conscientemente assume no plano de nosso ordenamento constitucional”.

 Trecho também importante é aquele no qual o Sr. Ministro Celso de Mello diz: “… a necessidade que se impõe ao Estado de impedir que as empresas e os agentes econômicos em geral, qualquer que seja o domínio em que exerçam as suas atividades, afetem e agravem a situação de vulnerabilidade a que se acham expostos os consumidores”. – “louvo a iniciativa do Estado do Paraná pela edição da Lei nº 13519/2002, pois, ao assim agir, cumpriu, de maneira conseqüente o dever de proteção ao consumidor.

 O Sr. Ministro Gilmar Mendes diz “E aqui está um caso claro em que, a partir da perspectiva do consumidor, é possível deixar ao Estado a possibilidade de fazer aquilo que os americanos chamam de “laboratório legislativo”, a própria experiência constitucional no seu âmbito”.
 Estes foram apenas alguns trechos dos votos dos senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal, cujo veredicto final foi a favor da constitucionalidade da lei, portanto o julgamento é final, não cabe qualquer recurso por parte da indústria e nem sequer qualquer contestação.
 Estamos na fase de regulamentação da lei, sendo esta alvo de contestações truculentas da indústria, mas não vamos nos acomodar, pois estamos no nosso direito constitucional de regulamentar a lei. “A lei é a razão isenta da paixão”.

 Alguns comentários são pertinentes neste momento de dificuldade da cafeicultura.
 Como vimos no artigo 5.º da lei 13519/2002 a APAC disponibilizará um selo de qualidade, onde serão analisadas as quantidades de café Arábica e Robusta/Conillon cujas porcentagens de cada café deverão constar na embalagem e ainda em especial entre outras coisas deveremos exercer rígido controle das impurezas.

 Hoje existe um selo de pureza que é inócuo na punição dos infratores, pois não tem poder de lei, e é auto aplicado. Como diz o Ministro Menezes Direito, a indústria não pode ser auto fiscalizada.

 Hoje o consumidor do produtor é a indústria, portanto devemos ter estratégias para melhor vendermos nossos produtos. Os produtores de café Arábica são os mais prejudicados, felizmente os produtores de café Robusta/Conillon estão relativamente bem, pois souberam conduzir de forma competente as políticas para o seu setor.

 Nós produtores de café Arábica temos que nos unir para executar políticas específicas para o setor. A rotulação integrada às outras propostas certamente é o primeiro e importante passo para a implementação de ações subseqüentes que darão sustentabilidade duradoura à cafeicultura. Esta será a primeira batalha que venceremos. A rotulação ordenará, valorizará e aumentará o consumo mundial de café e teremos adesão do consumidor à causa do produtor. É dever da indústria se modernizar.

 Deixaremos de repetir os aspectos técnicos que já foram colocados no passado, mas voltaremos ao tema em momento oportuno, mas reafirmamos que o café Arábica já se tornou aromatizante de Robusta.

 Para melhor implementar as propostas acima se faz necessário nos unir em volta de uma entidade que lute pelos interesses dos cafeicultores de café Arábica, para isso sugerimos a revitalização da Associação Brasileira de Café Arábica – ABCA

5. Associação Brasileira de Café Arábica – ABCA


A evolução da crise cafeeira mundial tem nítida correlação com a generalização de que tudo é café, empurrando ao consumidor um produto que nem sempre é de boa qualidade.
 O atrelamento do café Arábica ao café Robusta/Conillon faz com que os preços do café Arábica desabem, pois a indústria sempre opta pelo café disponível e mais barato, não se importando com a espécie de café (Arábica ou Robusta/Conillon).

 Não queremos absolutamente discriminar qualquer café, mas sim defender o nosso produto. Como dizemos o melhor café do mundo é aquele que você gosta. As exportações brasileiras de café Arábica estão em alta, a maior em sete anos, e a dos países da América Central e Colômbia estão em baixa. Grande parte do motivo deste fato ocorrer, é o baixo preço do nosso café, o que só prejudica os cafeicultores brasileiros e os de outros países produtores de café Arábica.

 Chegou o momento de nos posicionarmos com clareza, e para isso estamos propondo a revitalização da ABCA (Associação Brasileira de Café Arábica) que foi fundada em 24 de novembro de 2003.

 Esta associação é da mais absoluta necessidade para os produtores de café Arábica, pois será o instrumento de defesa do cafeicultor de Arábica, que é o mais prejudicado nos dias de hoje, devido aos altos custos de produção e os baixos preços praticados no mercado.

 Os críticos dizem que tudo é café, e que o setor será enfraquecido. Isto absolutamente não é verdade, pois os cafés são totalmente diferentes. Com a segmentação do produto, o setor será fortalecido com políticas diferentes para cada café, o que fortalecerá tanto o café Arábica, como o café Robusta/Conillon brasileiro que é superior ao da Ásia. Aproveitamos para sugerir a criação de uma associação de café Robusta/Conillon e nos associando para valorizar e fazer políticas para o produto final.

 A melhor comparação é com o setor carne, onde se tem várias associações de diferentes raças bovinas, cada uma defende a qualidade da sua e no final tudo é carne, o mesmo ocorrerá com o café.

 No dia 10 de outubro de 2003, o saudoso Dr. Isaac Ribeiro Ferreira Leite, então presidente de honra da Cooxupé, disse a respeito da criação da ABCA: “O consumidor deve ter a liberdade de escolher a bebida que mais agrade a seu paladar e não ficar preso a uma bebida feita exclusivamente para atender ao maior lucro que o fabricante alcançar. É um desafio que merece estudo”. Na ocasião muito nos orgulhou a posição da brilhante mente do Dr. Isaac, mas o apoio da cooperativa não se realizou.

 Nos dias de hoje, onde a crise é enorme temos que modernizar as relações comerciais, aproximando o produtor do consumidor, respeitando os interesses da indústria.
 A ABCA não tem a mínima pretensão de ser a verdade absoluta ou o ambiente de todos os cafeicultores, mas será o instrumento para que novos cominhos sejam encontrados e perseguidos para a valorização do café Arábica brasileiro e mundial.

 Como todos sabem a globalização nos leva a percorrer estes caminhos, pois hoje os lucros ficam com o “negócio” e o prejuízo com o “agro”. Os agricultores são meros instrumentos dos lucros das multinacionais. Precisamos inverter ou ao menos equilibrar este processo perverso de comercialização de produtos primários. Os compradores de café se profissionalizaram e agregaram incríveis valores, através de instrumentos de venda e marketing brilhantes. Nós produtores nos encontramos num estágio primitivo de comercialização e marketing.

 Precisamos profissionalizar nossas entidades buscando modelos eficazes como o dos colombianos, que em vários aspectos estão muito a nossa frente.

 Ficou absolutamente claro que o objetivo da ABCA não é de desagregação ou de confrontação com qualquer setor ou entidade. Os objetivos traçados são no sentido de caminharmos juntos no agronegócio, com valorização do setor primário.

 Os principais objetivos da ABCA serão:

1. Equacionamento econômico;
2. União dos cafeicultores de café Arábica;
3. Esclarecer o consumidor sobre a qualidade do café Arábica;
4. Agregação de valor (exportação de café torrado e moído e torrado);
5. Normatização da qualidade do grão cru;
6. Rotulação do café;
7. Selo da qualidade da ABCA e OMCA;
8. Multinacional Brasil Café;
9. Marketing para o café Arábico;
10. Criação da Organização Mundial de Café Arábica (OMCA);
11. Políticas específicas para o café Arábica;
12. Dignificar a cafeicultura.


Na ocasião da fundação da ABCA, recebemos vários e-mails de países da América Central, o que nos levou a propor a criação da “Organização Mundial de Café Arábica (OMCA)”.

6. Organização Mundial de Café Arábica (OMCA)


 Há anos após bem engendrado plano houve a extinção da APPC (Associação dos Países Produtores de Café) que era o âmbito da produção, fazendo e propondo políticas de forma independente. Em várias ocasiões a entidade enfrentou situações difíceis, mas sempre defendendo a cafeicultura mundial. Isto fortalecia o setor produtivo.

 Com a extinção da APPC, os países produtores de café se associaram à OIC, que era o palco dos comerciantes e industriais. Hoje a produção se curva aos interesses dos negócios, num ambiente hostil e predador.

 O Brasil assiste, e paga caro, a tudo o que acontece, sem qualquer interferência. Somos o maior produtor mundial e perpetuamos um presidente da OIC que está mais propenso a defender os negócios, vide as últimas manifestações sobre a próxima safra brasileira.

 Desde quando a OIC se tornou a única entidade mundial de representação da cafeicultura, coincidência ou não o setor produtivo foi desarticulado, aprofundando-se a crise. Temos que nos retirar da OIC e criar a OMCA, assim como a organização mundial de café Robusta/Conillon para que juntos voltemos a executar políticas consistentes para defender os cafeicultores mundiais. A OMCA também será responsável por um selo da qualidade mundial de cafés Arábica.

 A APAC quer o debate, não podemos mais ficar imóveis ou omissos, temos que participar, pois vivemos um momento de farsa onde somos conduzidos como ovelhas por pastores sem rumos.
 Temos certeza que estas propostas nos levarão a novos rumos, porque a estratégia é a arte de explorar condições favoráveis com o fim de alcançar objetivos específicos.

 Na Roma antiga, Sêneca advertia: “a razão quer decidir o que é justo, a cólera quer que se ache justo o que ela já decidiu”.


 



Ricardo Gonçalves Strenger.
Presidente da Associação Paranaense de Cafeicultores (APAC)
E-mail: ricardostrenger@yahoo.com.br
Londrina, 30 de julho de 2009.


 


 


Baixe aqui o artigo Propostas Estratégicas Para o Café

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