[13/11/2009]
Flávia Maria de Mello Bliska
Dra. em Economia Aplicada. Pesquisadora do Centro de Café ‘Alcides Carvalho’, Instituto Agronômico de Campinas
Nas últimas décadas, o governo federal e os governos estaduais apresentam algumas dificuldades em implementar políticas efetivas sobre a produção de café das diferentes regiões produtoras brasileiras. Uma melhor compreensão das relações estruturais entre a produção de café em grão e os demais setores das economias dos principais Estados produtores brasileiros poderá fornecer subsídios para implementação de políticas públicas voltadas ao controle de seus parques cafeeiros e aumento da competitividade setorial.
Estudo recente sobre a geração de emprego e renda para a economia brasileira e as economias estaduais, verificou-se que os setores de produção agrícola e de industrialização do café são muito importantes para as economias dos seis principais Estados produtores de café do Brasil – Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Bahia e Rondônia.
Nesse estudo, a economia de cada um desses estados produtores foi subdividida em 44 setores – desde a produção agrícola dos cafés arábica e robusta, outros produtos agropecuários, setores relacionados à exploração mineral, siderurgia, madeira, papel e celulose, indústrias químicas e de máquinas, indústrias alimentícias, inclusive café, até os setores de prestação de serviços e utilidades públicas. Os resultados das análises sobre capacidade do setor de produção de café em grãos gerar emprego para as economias regionais indicaram que no Estado da Bahia esse setor se destaca de forma singular.
Os resultados obtidos refletem o perfil da cafeicultura do Estado da Bahia, um dos mais díspares da cafeicultura brasileira. Propriedades de grandes dimensões, como nos cerrados da Região Oeste e em parte da Região Sul do Estado, ocupam a área disponível com grandes extensões de lavoura (Oeste) ou com apenas pequenos módulos (Chapada Diamantina). Entretanto, na região de Vitória da Conquista, embora sejam constatadas cafeiculturas de médio e grande porte, há predomínio da produção familiar.
Os grandes produtores do cinturão Oeste do Estado possuem 90% das propriedades e ofertam 98% da produção, com propriedades de dimensões médias de 1.250 ha. Tal perfil não é verificado em quaisquer das demais zonas de produção desse mesmo Estado, em que os pequenos predominam em número de propriedades e por vezes também na produção.
O padrão empresarial utilizado na região Oeste, combinado ao elevado padrão tecnológico adotado (estande superadensado, totalmente mecanizado e 100% irrigado), confere a essa região elevada produtividades média, uma das mais elevadas do Brasil. A produção de robusta (variedade Conilon) desenvolvida no Sul do Estado, se desenvolveu muito, com crescimento significativo do uso de irrigação nas lavouras, ainda que o padrão tecnológico seja caracterizado como baixo, principalmente em função do plantio de Conilon inicialmente por meio de sementes, característica que tem se modificado nos últimos anos. Na região de Vitória da Conquista, com os mais antigos cafezais do Estado, a utilização da irrigação também tem sido significativa.
Tanto a produção de café arábica, principalmente no caso das propriedades familiares, como na produção de café robusta, onde a questão da mecanização da colheita ainda não foi solucionada do ponto de vista tecnológico, a utilização de mão-de-obra na cultura do café é particularmente intensa neste Estado. O predomínio de sistemas de produção intensivos em mão-de-obra e de perfil familiar, aonde a operação de colheita representa 12% dos custos totais de produção por saca na Região Oeste, 22% na Região de Vitória da Conquista e 19% na Região Sul do Estado, torna muito importante a análise do “efeito gerador de emprego” nesse setor em relação ao restante da economia estadual. Esse “efeito gerador de emprego” é um coeficiente que indica a razão entre o número de pessoas empregadas em determinado setor e o valor bruto da produção deste mesmo setor.
De modo sintético, o “efeito gerador de emprego” indica para cada unidade monetária da produção final, o quanto se gera, direta e indiretamente de empregos na economia, além de determinar o volume de emprego gerado em um setor específico e todo o emprego demandado pela economia em análise devido a um aumento de demanda em algum dos seus setores.
Os geradores de emprego são divididos em:
Efeito direto: determina quantos empregos são gerados em um setor produtivo quando a produção desse mesmo setor é aumentada;
Efeito indireto: determina quantos empregos são gerados em todos os outros setores quando a produção de um determinado setor é aumentada;
Efeito induzido: determina quantos empregos são gerados devido ao aumento do consumo das famílias, influenciado pelo aumento da renda da população, dado o aumento da quantidade de emprego direto, indireto e induzido.
Os resultados indicaram que a produção de café Robusta é o terceiro setor a gerar maior número de empregos (totais) por 1milhão de reais na economia do Estado da Bahia, enquanto a produção de café Arábica é o sexto maior gerador de empregos (totais) por 1 milhão de reais, dentre os 44 setores em que foi subdividida a economia estadual. Os resultados obtidos para este Estado constam no quadro1 e indicam que a produção de café arábica neste Estado gera o maior número de empregos diretos (232), indiretos (40), induzidos (131) e totais (404), dentre os principais estados produtores de café arábica no Brasil. Isto pode ser exemplificado da seguinte forma:
Supondo o aumento da produção agrícola de café arábica, da ordem de um milhão de reais de 2002 (em função, por exemplo do aumento no consumo de café ocasionado pela inclusão do café arábica torrado e moído na merenda escolar) haverá a geração de 232 postos de trabalho diretos, mas este setor necessita de insumos para a sua produção, por isso são gerados de forma indireta 40 empregos. Contudo, as 232 pessoas admitidas de forma direta aumentam seus rendimentos, efetivando compras de outros produtos que aumentam a produção de outros setores gerando 131 novos postos de trabalho na economia. Isto é caracterizado pelo efeito gerador de emprego induzido pelo aumento da renda. O efeito total do advento de um milhão de reais de 2002 destinados à produção de café arábica, gera, portanto, o aumento de 404 postos de trabalho.
A esse efeito somam-se ainda os efeitos no aumento no número de empregos gerados em função do aumento da produção do setor referente à industrialização do café, que no modelo utilizado neste estudo inclui tanto a indústria de torrefação e moagem quanto a de solubilização. Analisando-se individualmente o segmento industrial, para um aumento da ordem de um milhão de reais de 2002 nesse setor, os resultados indicam a criação de 7 empregos diretos, 90 indiretos e 99 indiretos, num total de 197 empregos totais.
No entanto, ressalta-se que não se deve simplesmente somar o total de empregos gerados no setor agrícola de produção de café arábica do Estado da Bahia ao número de empregos gerado no setor de industrialização de café deste mesmo Estado. Primeiro porque os efeitos sobre os empregos indiretos e induzidos criados nos dois setores provavelmente estarão, ao menos em parte, sobrepostos. Em segundo lugar, em função das importações e exportações de insumos entre os diferentes estados brasileiros e mesmo do exterior, tanto para produção agrícola de café quanto à indústria de processamento. Além disso, também podem ocorrer exportações e importações entre estados e com o exterior, do produto em sua forma final, por exemplo, café torrado e moído, industrializado e derivados de café utilizados pela indústria farmacêutica, cosmética e de alimentos.
Quadro 1. Estado da Bahia: efeitos geradores de empregos, por milhões de reais, na produção de cafés arábica e robusta e industrialização de café1.
1. Sistema inter-regional construído com base em matrizes de insumo-produto do IBGE, de 2002, atualizadas pelo novo Sistema de Contas Nacionais – IBGE, 2007.
Fonte: dados de projeto realizado no Centro de Café ‘Alcides Carvalho’.
Em geral, os principais fatores capazes de influenciar a demanda por emprego na produção setorial e podem ser sintetizados em:
De forma sintética, conclui-se que os setores produtores tanto de café Robusta quanto de café Arábica estão, em geral, entre os setores que geram maior número de empregos para o Brasil e especialmente para o Estado da Bahia, por unidade monetária produzida de produto final.
Portanto, políticas públicas que estimulem a produção dos setores relacionados à produção de café deverão contribuir para o aumento, ou ao menos para a manutenção de postos de trabalho neste Estado, especialmente as políticas que possam: afetar a tecnologia de produção capital intensiva e alterar o poder aquisitivo da classe trabalhadora; aumentar ou reduzir o montante de importações destinadas a abastecer o consumo intermediário e das famílias; aumentar ou reduzir as relações de um setor com os demais setores da economia; ou levar a uma reestruturação produtiva do setor ou da economia estadual de forma geral.