O autor é o Prof.Dr. Darcy Lima, coordenador do científico do projeto Café e Saúde, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e membro do Grupo Coordenador do Projeto Café e Coração, realizado em convênio entre o Instituto do Coração (Incor)
Prof. Dr. Darcy Roberto Lima, PhD ( Londres)
Professor da UFRJ
Um artigo recente publicado on line pela revista americana “American Journal of Obstetrics and Gynecology coordenado pelo médico De-Kun Li, ginecologista da Divisão de Pesquisa da Kaiser Permanente, em Oakland, Califórnia (Estados Unidos) informa que tomar CAFEÍNA em qualquer bebida desde o café, refrigerantes, chá e chocolate durante a gravidez dobra o risco de aborto. Por razões desconhecidas a culpa maior ficou com o café.
Segundo a pesquisa, o consumo de cafeína em bebidas naturais ou artificiais, inclusive de forma moderada, aumenta o risco de aborto, principalmente nos primeiros meses de gestação. O autor afirma que a ingestão de 200 miligramas de cafeína – duas xícaras de café – pode dobrar o risco de aborto nas primeiras semanas de gravidez. Ele afirma que as mulheres grávidas deveriam não tomar café pelo menos nos três ou quatro primeiros meses de gravidez.
O estudo de Li, realizado com mais de mil gestantes que estavam, em média, na décima semana de gravidez, consistia em perguntar às participantes a quantidade de cafeína que elas ingeriam diariamente. Segundo o especialista, 12,5% das mulheres que não consumiam cafeína sofreram aborto espontâneo, enquanto que entre as grávidas que ingeriram 200 miligramas por dia as interrupções de gravidez chegaram a 24,5%.Li afirma que os resultados da pesquisa devem ser avaliados com cuidado, mesmo que para ele seja evidente o risco de uma grávida ingerir cafeína em excesso.
O estudo de Li não foi aceito sem críticas mesmo nos Estados Unidos e não deixa de ser controverso e mesmo contraria outros estudos mais bem feitos tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra.
O Prof. Dr Alan Leviton, da Universidade de Harvard, revisou o estudo e disse que: “Dentre as mulheres que participaram do estudo, 59 por cento eram classificadas como já tendo apresentado um aborto antes do início do estudo”. O Dr. Leviton criticou o estudo, dizendo não ser um estudo prospectivo correto”, uma afirmativa que pode ser lida no site http://www.foodnavigator-usa.com/news/printNewsBis.asp?id=82674
A Food and Drug Administration do governo americano já classificou a cafeína como uma substância reconhecidamente segura – Generally Recognized as Safe (GRAS) – para gestantes e não a inclui na lista de substâncias não recomendadas para uso ou consumo por gestantes, conforme pode ser visto nas Tabelas 2,3 e 4 no site http://www.cafeesaude.com.br/cafeesaude/gestacao_completo.htm.
A Organização Internacional de Especialistas em Teratologia (Organization of Teratology Information Specialists, OTIS) informa no seu website http://www.otispregnancy.org/pdf/caffeine.pdf que ainda não foi confirmado que a cafeína cause aborto em quantidades pequenas ou moderadas de até 300 mg diários. O aborto é um problema comum e alguns estudos sugerem um maior risco quando a gestante consumir mais de 300 mg diários de cafeína, sendo o risco maior em combinação com tabaco e álcool, algo comum entre muitas gestantes. O risco é maior com um consumo muito elevado de cafeína de 800 mg diários.
A cafeína é a substância química mais estudada em toda a história da Medicina, desde sua descoberta em 1820. Nenhuma outra substância possui tantos artigos científicos como a cafeína, sendo a grande maioria considerando-a uma vilã, particularmente (e equivocadamente) a cafeína presente no café. Um litro de refrigerante tipo Cola possui o mesmo teor de cafeína de 3 a 4 xícaras grandes de café. Centenas de trabalhos foram publicados atribuindo à cafeína efeitos como teratogênicos, indutor de parto prematuro, recém-nascido de baixo peso e aborto. A relação entre a cafeína (de várias bebidas incluindo o café, segundo os artigos) e o risco de anomalias reprodutivas sobre o ser humano tem sido periodicamente publicadas e revisadas. Alguns estudos avaliam o consumo de café outros de cafeína. Mas poucos citam o teor final da cafeína no café ou isolada, nem os outros compostos presentes no café, como os antioxidantes ácidos clorogênicos e seus derivados que até protegem dos efeitos da cafeína.
A mais completa revisão sobre o assunto foi feita pelos médicos Alan Leviton, da Universidade de Harvard, e L. Cowan, da Universidade de Oklahoma, e chega à conclusão que não existem evidências convincentes até o presente que mostrem que o consumo de cafeína aumente o risco de qualquer anormalidade reprodutiva no ser humano (teratogenia, parto prematuro, aborto, etc). Depois de uma detalhada revisão da literatura, os autores chegaram a diversas conclusões:
1. Uma associação entre o consumo de cafeína e efeitos indesejáveis durante gestação geralmente são observados em pesquisas de baixa qualidade, sendo os mais comuns aqueles que concluem que a cafeína causa baixo peso e anomalias congênitas.
2. A associação entre consumo de cafeína e aborto espontâneo pode na verdade refletir o epifenômeno de Stein-Susser onde mulheres com muita náusea na gestação devido a uma grande quantidade de estrógeno produzida pela placenta faz com que a gestante naturalmente diminua o consumo de café enquanto que mulheres com níveis baixos de estrógeno e maior risco natural de aborto não o fazem, ficando assim uma associação baixo nível de estrógeno/ maior risco de aborto/pouca náusea/ maior consumo de cafeína, onde a cafeína e erroneamente rotulada como vilão.
3. A acusação de que o consumo de cafeína por mulheres atrasa a concepção não tem fundamento cientifico.
4. Muitos efeitos sobre a gestante e o feto são devido à associações como o tabaco e o álcool, os quais não são avaliados nas pesquisas que incriminam a cafeína, pois muitas gestantes informa que toma café mas omitem a informação de que fumam ( escondido) e bebem ( escondido)..
5. Os autores dizem ser possível afirmar que não existem evidências convincentes de que o consumo diário e moderado de cafeína possa trazer qualquer tipo de risco para a gestante.
Um estudo feito na Dinamarca em colaboração com a Universidade da Califórnia pelos médicos Bodil Hammer Bech e Jørn Olsen, na mesma época do estudo do Dr. Li e publicado no British Medical Journal na Inglaterra, estudou 1207 gestantes que tomavam 3 xícaras de café por dia e observou que a diminuição do consumo não interferia na gestação ou no feto, não sendo necessário que gestantes diminuam o consumo diário e moderado de café. Os autores informam também que gestantes que consome acima de 300 mg diários de cafeína podem ter filhos com peso menor (100 a 200g) comparados com mulheres que tomam menos de 300 mg diários de cafeína, mas que outras pesquisas não confirmaram esta associação.
Os estudos que sugerem uma correlação entre a cafeína e risco na reprodução humana são observados em estudos de baixa qualidade em comparação com pesquisas consideradas como que quase ideais. Isto é importante nas pesquisas que sugerem crianças de baixo peso, parto prematuro, aborto espontâneo e anormalidades congênitas. Variáveis associadas quase sempre ao consumo de café são o tabagismo e o consumo de álcool, algo que nunca é especificado nas pesquisas que culpam a cafeína e infelizmente o café, quando muitas vezes o consumo é de refrigerantes com cafeína.
Logo não existem dados definitivos e convincentes que relacionem o consumo diário e moderado de café com cafeína na dose de até 300 mg diários e feto de baixo peso, parto prematuro e anormalidades congênitas. Por isto na atualidade, após tantos artigos negativos, mas incorretos, é possível afirmar a cafeína é completamente inocente, sem risco e segura se consumida por gestantes, desde que em doses moderadas de até 300 mg (2 a 3 xícaras diárias principalmente misturada com leite).
Referências:
Santos, R.M & Lima,D.R. : Coffee, The Revolutionary Drink for Pleasure and healkth, XLibris, USA, 2007.
Lima, D. R. Cafeína e saúde. Rio de janeiro: Record, 1989. 130 p.
Lima, D. R. Cuidado!!! O popular café e a poderosa mulher… Podem fazer bem à saúde. Petrópolis: Medikka ed. Científica, 2001. 111 p.
Lima, D. R. História da medicina. Rio de janeiro: Medsi ed. Científica, 2003. 324 p.
James, j.e. – Caffeine and health, Academic press, GB, 1991
Debry, g. – Coffee and health, John Libbey Eurotext, paris, 1994.
Lima, D. R. Manual de farmacologia clínica, terapêutica e toxicologia. Rio de janeiro: Medsi ed. Científica, 2003. 3 volumes, 3.456 p.
Lima, d. R. Manual de farmacologia clínica, terapêutica e toxicologia. Rio de janeiro: Medsi ed. Científica, 2004. 1 volume, 2.200 p.
Leviton,A.; Cowan,L.:(2002) A review of the literature relating caffeine consumption by women to their risk of reproductive hazards. Food and Chemical Toxicology, 40 :1271-1310.
Knight CA, Knight I, Mitchell DC, Zepp JE. Beverage caffeine intake in US consumers and subpopulations of interest: estimates from the Share of Intake Panel survey. Food Chem Toxicol 2004;42(12):1923-30.
Aldridge A, Bailey J, Neims AH. The disposition of caffeine during and after pregnancy. Semin Perinatol 1981;5:310-4.
Aldridge A, Aranda JV, Neims AH. Caffeine metabolism in the newborn. Clin Pharmacol Ther 1979;25:447-53.
Kirkinen P, Jouppila P, Koivula A, Vuori J, Puukka M. The effect of caffeine on placental and fetal blood flow in human pregnancy. Am J Obstet Gynecol 1983;147(8):939-42.
Weathersbee PS, Lodge JR. Caffeine: its direct and indirect influence on reproduction. J ReprodMed 1977;19:55-63.
Martin TR, Bracken MB. The association between low birth weight and caffeine consumption during pregnancy. Am J Epidemiol 1987;126(5):813-21.
Beaulac Baillargeon L, Desrosiers C. Caffeine-cigarette interaction on fetal growth. Am J Obstet Gynecol 1987;157(5):1236-40.
Vlajinac HD, Petrovic RR,Marinkovic JM, Sipetic SB, Adanja BJ. Effect of caffeine intake during pregnancy on birth weight. Am J Epidemiol 1997;145:335-8.
Clausson B, Granath F, Ekbom A, Lundgren S, Nordmark A,Signorello LB, et al. Effect of caffeine exposure during pregnancy on birth weight and gestational age. Am J Epidemiol 2002;155:429-36.
Shu XO, Hatch MC, Mills J, Clemens J, Susser M. Maternal smoking, alcohol drinking, caffeine consumption, and fetal growth: results from a prospective study. Epidemiology 1995;6:115-20.
Fortier I,Marcoux S, BeaulacBaillargeon L. Relation of caffeine intake during pregnancy to intrauterine growth retardation and preterm birth. Am J Epidemiol 1993;137:931-40.
Olsen J, Overvad K, Frische G. Coffee consumption, birthweight, and reproductive failures. Epidemiology 1991;2:370-4.
Fenster L, EskenaziB,WindhamGC,SwanSH.Caffeine consumption during pregnancy and fetal growth. AmJ Public Health 1991;81:458-61.
Vik T, Bakketeig LS, Trygg KU, Lund-Larsen K, Jacobsen G. High caffeine consumption in the third trimester of pregnancy: genderspecific effects on fetal growth. Paediatr Perinat Epidemiol 2003;17:324-31.
Linn S, Schoenbaum SC, Monson RR, Rosner B, Stubblefield PG, Ryan KJ. No association between coffee consumption and adverse outcomes of pregnancy.NEngl J Med 1982;306:141-5.
Grosso LM, Rosenberg KD, Belanger K, Saftlas AF, Leaderer AB,Bracken MB. Maternal caffeine intake and intrauterine growth retardation. Epidemiology 2001;11:447-55.
Bracken MB, Triche EW, Belanger K, Hellenbrand K, Leaderer BP. Association of maternal caffeine consumption with decrements in fetal growth. Am J Epidemiol 2003;157:456-66.
Nawrot P, Jordan S, Eastwood J, Rotstein J, Hugenholtz A, Feeley M. Effects of caffeine on human health. Food Addit Contam 2003;20:1-30.
Bech BH, Nohr EA, Vaeth M, Henriksen TB, Olsen J. Coffee and fetal death: a cohort study with prospective data. Am J Epidemiol 2005;162:983-90.
Cnattingius S, Signorello LB, Anneren G, Clausson B, Ekbom A, Ljunger E, et al. Caffeine intake and the risk of first-trimester spontaneous abortion.N Engl J Med 2000;343:1839-45.
Mills JL, Holmes LB, Aarons JH, Simpson JL, Brown ZA,Jovanovic-Peterson LG, et al. Moderate caffeine use and the risk of spontaneous abortion and intrauterine growth retardation. JAMA 1993;269:593-7.
Fenster L, Hubbard AE, Swan SH, Windham GC, Waller K, Hiatt RA, et al. Caffeinated beverages, decaffeinated coffee, and spontaneous abortion. Epidemiology 1997;8:515-23.
Olsen J,MelbyeM,Olsen SF, Sorensen TI, Aaby P, Andersen AM, et al. The Danish National Birth Cohort–its background, structure and aim. Scand J Public Health 2001;29:300-7.
Marsal K, Persson PH, Larsen T, Lilja H, Selbing A, Sultan B.Intrauterine growth curves based on ultrasonically estimated foetal weights. Acta Paediatrica 1996;85:843-8.
Barone JJ, Roberts HR. Caffeine consumption. Food Chem Toxicol 1996;34:119-29.
Juliano LM, Griffiths RR. A critical review of caffeine withdrawal: empirical validation of symptoms and signs, incidence, severity, and associated features. Psychopharmacology (Berl) 2004;176:1-29.
Klebanoff MA, Levine RJ, Clemens JD, Wilkins DG. Maternal serum caffeine metabolites and small-for-gestational age birth. Am J Epidemiol 2002;155:32-7.