Luiz Moricochi 2
Félix Schouchana 3
Em março deste ano já tivemos oportunidade de comentar que o mercado de café
poderia ser influenciado por variáveis que aparentemente nada tinham a ver com
seus fundamentos, pelo menos no curto prazo. A expectativa sinalizada pelo
mercado futuro na época já era (e ainda é) de que em 2007 os preços do café, em
dólares, ficassem acima dos preços de 2006, tendo em vista uma safra menor,
devido ao ciclo bienal do café. Mas aos produtores, o que interessa mesmo são
preços em reais. Vão estar melhores do que em 2006?
Deixando de lado questões de natureza climática, a resposta a essa pergunta
vai depender do comportamento de outra variável com a qual se defrontam os
produtos de exportação, o dólar, também sujeito às leis de mercado. Em 2004, em
dólares, os preços do café aumentaram 70%; em reais, entretanto, o incremento
foi de 20%. Entre julho de 2006 e julho de 2007, o preço do café tipo 6 bebida
duro para melhor variou 26,7% em dólares (de US$100,8/saca para US$127,8/saca) e
9,6% em reais (de R$219,4/saca para R$240,5/saca). Esses dados mostram que não
há correlação entre dólar e café, uma vez que os fatores que determinam o valor
da mercadoria são diferentes dos do dólar. Por outro lado, aumentaram os custos
de produção apesar da busca por aumento de produtividade através do café
adensado.
Taxa de câmbio é um parâmetro tão importante, que tem sido utilizado em
muitos países como instrumento para subsidiar exportações. Países que optaram
pela industrialização para gerar renda e emprego, mas que não dispunham de
mercado interno para produção em escala, foram buscar essa escala no mercado
externo, valendo-se de uma taxa de câmbio artificialmente desvalorizada. São
exemplos Coréia do Sul e China, este ainda persistindo na prática, a despeito de
seu baixíssimo custo para produzir.
No Brasil, o câmbio tem sido motivo de discussões e polêmicas no contexto
macroeconômico. Isso já vem de longe. À época da transição FHC/Lula, por
exemplo, o valor das exportações nem conseguia cobrir nossos compromissos
externos (importações, juros e amortizações de financiamentos) gerando rombo de
alguns bilhões de dólares, conhecido como déficit nas transações correntes
(quase US$ 2,0 bilhões em 2002). Com o aumento das exportações brasileiras
ganhando novos mercados, puxadas pelo crescimento mundial, teve início o
processo de redução de nossa dívida externa, que juntamente com a dívida interna
(esta ainda preocupante) tiravam o sono das autoridades monetárias. Pois foi com
a alta do dólar, em 1999, e durante o período de incertezas políticas (antes e
após a eleição de 2002), que teve início a recuperação das nossas contas
externas. O agronegócio em geral, e o café em particular, foi um dos que mais
contribuiu para a geração de saldos positivos na balança comercial. O valor da
moeda americana chegou a atingir R$ 4,00 em 2002, permanecendo em nível elevado
durante todo ano de 2003 (média acima de R$ 3,00), tornando bastante
competitivos nossos produtos de exportação.
Mas o fator mais importante para o aumento das exportações foi a alta nos
preços das commodities no mercado mundial, no início de 2003, puxada pelo
crescimento dos países emergentes asiáticos, sobretudo da China. A conjunção
desses dois fatores (câmbio e alta das commodities) é que provocou a reversão
nas contas externas do Brasil, transformando o que até então era déficit em
superávit. Conseqüentemente, entre 2003 e 2006, a soma acumulada do superávit
alcançou US$ 43 bilhões e a dívida externa do País foi reduzida de US$ 211
bilhões para US$ 169 bilhões. Não fosse o câmbio, os produtores de café
teriam amargado uma situação mais grave ainda em 2002 e 2003, anos bastante
desfavoráveis à nossa cafeicultura em período recente.
Com essa trajetória, não foi nenhuma surpresa o fato do dólar ter rompido a
barreira de dois reais no dia 15 de maio. Mas como se comportará o câmbio daqui
para frente? Para a cadeia do café esse tipo de preocupação se justifica mais
ainda, porque no mercado internacional sua cotação é dada em dólares.
Um bom sinalizador do dólar e do preço do café é o mercado futuro. O café foi
negociado, em 31/7/2007, a US$148,45 a saca para entrega em setembro de 2008, na
BM&F, enquanto o dólar futuro foi negociado a R$1,973 para aquela data, ou
seja, a R$292,90/saca. Esse é o valor que o produtor deve avaliar se cobre seus
custos de produção e sua margem de lucro. Se cobrir, ele deveria fazer o hedge
(seguro de preço) do café e do dólar no mercado futuro, fixando assim o seu
preço em Reais.
Apresentamos à seguir os principais fatores que tem contribuído para
valorização da nossa moeda e possíveis cenários para o médio prazo, com o
objetivo de visualizar as alternativas para o mercado de café.
– Sucesso continuado nas exportações. Esse fator, de longe, é um dos
responsáveis pela apreciação do real. Foi ele que nos permitiu acumular
reservas que já ultrapassam US$ 153,00 bilhões, valor que já supera a nossa
dívida externa de curto e médio prazos. Embora alguns analistas alertem
para o fato de que períodos de bonança e retração estão sempre se alternando
(não acontece só com o café), a expectativa ainda é de otimismo. Acredita-se que
devem permanecer ainda por algum tempo as condições favoráveis para o
crescimento da economia mundial, puxado pelos Estados Unidos, e pelos países
emergentes asiáticos (liderados pela China), assim como pela Europa (Alemanha
principalmente) e Japão.
– Juros reais elevados. A atração exercida pelos juros reais internos sobre
os capitais estrangeiros ainda é forte. Mesmo com a queda dos últimos meses, os
juros reais (descontada a inflação) ficaram próximos de 8%, contra uma média
mundial da ordem de 2,4%. No entanto, mais importante do que o tamanho dos
juros em si, é a diferença entre a taxa praticada no Brasil (taxa Selic) e os
juros do tesouro americano (tomados como referência) acrescidos do risco-país. É
essa diferença que tem explicado a entrada de capital buscando os ganhos de
arbitragens. Alguns atribuem ao fluxo desses capitais maior importância que a
dos superávits comerciais na valorização do real. Em julho de 2007, as entradas
de dólares no Brasil pelo financeiro (investimentos, empréstimos e outras
operações) somaram US$33,779 bilhões e as saídas, US$27,684 bilhões. As
exportações, em julho, somaram US$14,12 bilhões e as importações, US$10,773
bilhões. Os impactos dos juros e do câmbio na economia, como quebra de empresas,
desemprego em alguns setores e inibição da pesquisa científica e tecnológica,
são por demais conhecidos por todos. Por outro lado, entretanto, câmbio
valorizado provoca, também, o barateamento das importações e o
aumento do poder de compra dos salários.
– Redução do risco-país. É inegável que houve melhora nos fundamentos de
nossa economia, com a inflação sob controle, redução da dívida externa, aumento
das reservas etc. A percepção no exterior dessa melhoria leva a uma redução do
risco-país, que já foi no passado de 24 pontos percentuais (ou seja, 24 pontos
percentuais acima dos títulos americanos) e que hoje está em menos de 2 pontos.
Quanto menor o risco-país, maior atração que exerce a entrada de moeda
estrangeira. Deve-se mencionar, entretanto, que embora o Brasil esteja perto de
conseguir o chamado “grau de investimento”, desde o início de 2005 já
havia investidores internacionais dispostos a aceitar taxa de risco de curto
prazo de 1,5% a 2,0% no país.
Crescimento da economia mundial:
Muitos especialistas acreditam que esse crescimento deva continuar por uns dois
anos ainda. Caso seja confirmada (projeção é sempre arriscada), a demanda por
commodities no mundo continuará forte, resultando em mais entrada de divisas. O
crescimento da China não é mais visto com desconfiança, mas como uma política
firme de governo, decidido a reduzir o número de pessoas que ainda lá
vivem em condições muito precárias (cerca de 800 milhões). Entretanto, nunca é
demais ficar atento ao alerta feito por William Rhodes, do Citibank, quanto ao
exacerbado otimismo sobre o futuro da economia mundial: “… em algum lugar no
futuro vai ocorrer um ajuste nos mercados”. É bom frisar que esse tipo de alerta
tem sido repetido com certa freqüência por outros analistas, preocupados
principalmente com as distorções no mercado imobiliário americano com possíveis
repercussões econômicas num mundo globalizado. Ha também com a possibilidade de
ocorrer um arrefecimento da pressão deflacionária das exportações chinesas que
possa comprometer o crescimento do PIB mundial sem inflação.
Desvalorização do dólar no mundo. Esse processo decorrente da alta
liquidez internacional em dólares e do elevado déficit nas contas externas dos
Estados Unidos tem sido decisivo na valorização do real. A solução do
déficit americano passa inexoravelmente pela desvalorização de sua moeda
frente as principais moedas como o euro, franco e ien. Em relação ao euro,
por exemplo, o dólar teve uma desvalorização superior a 7% quando comparado com
a paridade de um ano atrás; já o real só neste ano teve uma valorização de cerca
de 10%. Na América do Sul esse processo vem se observando também na Colômbia,
Chile e Peru.
Diante do exposto, o que pode ser feito para mitigar os efeitos do câmbio e
juros? Quando se olha para o cenário externo, vê-se que a situação está fora do
controle de qualquer nação em desenvolvimento. Como contornar, por exemplo, o
excesso de liquidez existente no mundo? Seria possível uma outra alternativa
para a política americana, em sua meta de redução dos déficits em transações
correntes, que não a desvalorização do dólar? E o problema da bolha imobiliária,
uma ameaça constante não só para a economia americana, mas também para o
equilíbrio econômico de outros países? E quanto à China, seria possível o
governo reduzir seu crescimento, hoje de 12% anuais, a fim de diminuir sua
demanda por commodities? (lembrar que no caso do café, as expectativas são de
triplicação do consumo nos próximos 10 anos. Isso é má notícia?!).
Tendo em vista que as importações começam a crescer mais rapidamente que as
exportações, a perspectiva para 2008 é de um menor superávit comercial e com
isso pode ocorrer uma desvalorização cambial, com o dólar voltando aos níveis
próximos de R$ 2,00, como já está precificado no mercado futuro. Mas câmbio
valorizado põe em relevo também os demais problemas da economia brasileira,
conhecidos como “custo Brasil”: elevados custos tributários que incidem
sobre toda cadeia, bem como dos custos logísticos (transporte e
portuários) e burocráticos que continuam dificultando a vida de quem se propõe
produzir bens e serviços. Receia-se que não sejam contornados a tempo os
gargalos que estão ocorrendo em vários setores da nossa economia, como é o caso
de nossa logística. Assim sendo, levando em conta esses cenários, o que pode ser
feito para melhorar a sustentabilidade econômica da cafeicultura?
Além de produtos diferenciados (como os cafés especiais) e a redução de
custos, os produtores estão buscando melhorar a gestão da comercialização e do
risco de preço, utilizando mais os instrumentos de futuros e opções de café e
dólar.
Do lado da indústria, o Instituto de Economia Agrícola (IEA), órgão de
pesquisas econômicas, ligado à Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio
(APTA) da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, fez uma pesquisa
abrangendo a indústria de café torrado e moído no Brasil. O estudo mostrou
que temos uma indústria dinâmica, bem sintonizada com as novas tecnologias
desenvolvidas no exterior, mas que precisa fazer ajustes para o atendimento do
consumidor em termos de produto de qualidade e, assim, contribuir mais
efetivamente para o fortalecimento da cadeia produtiva do café.
Vale lembrar que o melhor antídoto contra uma taxa de câmbio valorizada é o
uso da tecnologia. Como fonte de inspiração para produtores e industriais do
agronegócio café, podemos citar a Alemanha e Japão, cujos anos mais agressivos
de suas exportações ocorreram na década de 70, apesar da valorização de suas
moedas. Esse crescimento é atribuído ao desenvolvimento tecnológico desses dois
países. Claro que medidas institucionais devem ser implementadas pelo governo
para que a maturidade tecnológica possa se tornar uma realidade em todos os elos
da cadeia.
1 – Esclarecimento da redação: este artigo foi encaminhado para Revista
do Café antes do estouro recente da bolha imobiliária americana.
2 –
Consultor e Ex Pesquisador Científico da APTA/IEA- Agência Paulista de
Tecnologia do Agronegócios/Instituto de Economia Agrícola.
3 – Diretor da
BM&F- Bolsa de Mercadorias &Futuros