A Cafeicultura das Américas e os Rumos da Mecanização
Prof. Dr. Fábio Moreira da Silva Universidade Federal de Lavras- UFLA Pesquisador Dr. Sergio Parreira Pereira Instituto Agronômico – IAC |
Tendo participado da ASIC 2012, Internacional Conference on Coffee Science, ocorrido em San Jose – Costa Rica, além de ter visitado diversas outras instituições comoCatiê – Centro Agronômico Tropical de Investigação e Ensino, ACIC , CICAFE Centro de Investigações do Café, ICAFE Instituto do Café da Costa Rica, Cooperativas de benefício: CoopeVitoria, CoopeDota, Coopronaranjo e lavouras cafeeiras de diversas regiões:Vale; Central; Grécia; Alarruela; Tarrazu; Los Santos, no período de 13 a 21/11/2012, foi possível conhecer e ter uma visão da cafeicultura da Costa Rica e por similaridade da America Central.
Como já era esperado na ASIC 2012 não foram apresentados trabalhos sobre o tema mecanização da lavoura cafeeira, com o qual trabalhamos no Brasil, contudo em conversa com diversos conferencistas, consultores técnicos e cafeicultores da Costa Rica, Guatemala, El Salvador, Panamá, dentre outros, foi colocado a oferta de mão de obra e o custo para a colheita como fatores limitantes ao processo produtivo, sobretudo na Costa Rica. Como o trabalho para as operações de manejo e colheita da lavoura é necessário e indispensável no processo produtivo, dependendo assim da oferta de mão de obra ou da adoção de manejo semimecanizado ou mecanizado, as seguintes limitações podem ser apontadas em relação a cafeicultura da América Central: Topografia, sendo que a maioria das áreas cafeeiras estão implantadas em regiões elevado declive; Adensamento, tratando-se de lavouras com 5 a 6 mil covas/ha, com 1 a 2 plantas/cova; Colheita Seletiva, sendo uma obrigatoriedade por questão de qualidade e Arborização, com sistema agroflorestal de cultivo, que seria impedimento para o trânsito de máquinas.
A exemplo na Costa Rica não há mão de obra disponível ou suficiente para a colheita do café, sendo que 65% da colheita é feita por pessoas de outras nacionalidades, principalmente Nicaraguenses, cenário que nos remete ao Sul de Minas/Brasil em 1996, quando iniciamos os primeiros trabalhos com colheita mecanizada do café. Nesta época o tema mecanização da colheita também não era tratado nos congressos e eventos realizados no Brasil. Os produtores do Sul de Minas, buscavam apanhadores de outras regiões, sobretudo do norte de Minas e Bahia. Neste mesmo ano foi constituído o Consórcio Brasileiro de Pesquisas Cafeeiras, em reunião ocorrida em Varginha/MG, em que o processo de colheita foi colocado como principal gargalo do processo produtivo do Sul de Minas e, por conseguinte da cafeicultura Brasileira. De fato a questão da colheita parece ser um ponto de estrangulamento do processo produtivo em qualquer região ou país produtor de café no mundo.
No caso da Costa Rica e demais países da America Central o nível de mecanização da cafeicultura é mínimo, resumindo-se às operações de tratamento fitossanitário com pulverizadores costais. O manejo do mato é feito com facão em lavouras novas e ou por aplicação de herbicida em lavouras adultas e carreadores, a colheita por sua vez, totalmente manual e a dedos, colhendo somente os frutos maduros (cereja), sinônimo de qualidade.
Na região Central da Costa Rica, em visita a uma das maiores cooperativas de produção e beneficio de café, com mais de 2000 associados, na maioria pequenos produtores com médias de 5 ha, quando colocado que trabalhávamos com mecanização da lavoura cafeeira no Brasil, em especial colheita, o interesse foi grande reafirmando as preocupações com relação a mão de obra e sobretudo com os custos. Mesmo se tratando pequenos produtores, agricultura familiar, se observa que os filhos dos produtores não querem dar continuidade a atividade agrícola dos pais e assim ao questionarmos se havia um plano governamental ou uma estratégia da cooperativa para tratar esta questão, foi colocado que até o momento não.
Segundo o consultor Eng. Agrônomo José Luís Colocho, salvadorenho, pós graduado na Universidade Federal de Lavras/Brasil, que atende a produtores de El Salvador, Guatemala, Sul do México e Panamá, a preocupação com os custos da mão de obra na América Central é geral, estimando a possibilidade de 20 % das lavouras possíveis de serem colhidas mecanicamente, talvez 30%. Isto considerando a utilização de colhedoras automotrizes, pois as tracionadas não se aplicariam devido ao espaçamento de plantio adensado. A possibilidade de se utilizar derriçadoras portáteis dentro do sistema semimecanizado ampliaria esta área significativamente, contudo este sistema esbarra na questão da colheita seletiva, o que é possível, porém requer operadores muito bem treinados.
Contudo o sentimento que tivemos em especial sobre a cafeicultura da Costa Rica, sendo mais limitante para a mecanização que a topografia, adensamento ou colheita seletiva, trata-se da questão cultural, bastante arraigada e comum do setor produtivo, defendendo um modelo de cafeicultura no sistema agroflorestal, dentro do manejo manual ou quase artesanal, tanto pelos produtores, como consultores e, sobretudo, bem visto pelo mercado comprador.
Em rápidos números podemos sintetizar a cafeicultura da Costa Rica com produção total de 2,5 milhões de sacas/ano. Lavouras na maioria das cultivares Catuaí e Caturra, plantadas no espaçamento de 2,0×1,0 e 1,6×0,8 metros. Neste espaçamento o manejo de mato ocorre somente no primeiro e segundo ano, sendo feito de forma manual com facão, normalmente não usam enxadas, a adubação também é manual e para as pulverizações utilizam equipamentos costais, manuais ou motorizados. As lavouras estão em áreas com declividade que variam de suave ondulado a íngremes, a exemplo na região de Los Santos, que responde por 25% da produção do País, observamos lavouras implantadas no sistema agroflorestal com mais de 100% de declividade, chega a ser um desafio imaginar esta situação,contudo não se observa processo erosivo do solo, pois o plantio e muito denso e consorciado com bananeiras, abacateiros, pessegueiros e outras espécies arbóreas como eritrina e até eucalípto, para o sombreamento da lavoura e proteção do solo.
A produtividade varia entre 25 a 40 sacas/ha, tratando-se de sacas de 46 Kg, (100 lb), o que corresponderia de 19 a 30 sc/ha no Brasil (sacas de 60kg). Em geral as lavouras visitadas apresentavam-se viçosas e produtivas, sendo que 22% das lavouras estão sobre solos derivados de cinzas vulcânicas, bem estruturados e férteis. A maioria são solos antigos e erosionados, com baixa fertilidade e ainda solos geologicamente mais recentes. Nestes solos mais pobres o manejo adequado de adubação é uma tecnologia que tem resultado em maior resposta na produtividade.
Acompanhando o processo de colheita observamos a importância e exigência da seletividade, a colheita inicia na segunda quinzena de novembro, quanto as chuvas diminuem. São feitas de 2 a 3 colheitas por planta, colhendo-se somente os frutos maduros (cereja). Os frutos são colhidos a dedo e colocados em um cesto amarrado na cintura do apanhador. A colheita inicia às 6 horas da manhã e por volta das 15 horas da tarde começam a medir o café colhido. A medida é a “cajuela”, sendo uma medida padrão oficial volumétrica de 20 litros, inspecionada anualmente pelo ICAFE. A medida de 20 “cajuelas” correspondem a 400 litros que equivale a 1 “fanega”, que corresponde a 1 quintal ou seja 1 saca beneficiada de 46 kg.
No momento de se fazer a medida do café colhido, é verificada a porcentagem de frutos verdes, sendo aceito no máximo 1%. Na prática se fala em 20 frutos verdes por “cajuela”, ou seja 1 verde por litro colhido. O desempenho operacional médio dos apanhadores varia de 8 a 10 “cajuelas”/dia, sendo pago na lavoura de US$ 2,00 a 4,00 por medida colhida. Todo café colhido é transportado no fim do dia por tratores com carretas, caminhões ou caminhonetes até as unidades de benefício. Na recepção da unidade de benefício o café é novamente medido, em medidas volumétricas de 200 litros (10 “cajuelas” ou meia “fanega”) e retirada uma amostra que é encaminhada para o ICAFE. Assim termina o trabalho do produtor, que entregando o café na unidade de benefício, recebe de imediato, o custo de colheita e transporte e o restante após a comercialização de seu lote, sendo todo este processo regulamentado e controlado pelo ICAFE, podendo a unidade de beneficiamento, cobrar até 9% sobre o valor da venda.
A colheita do café na Costa Rica se assemelha a colheita do Sudoeste da Bahia no Brasil, região de Vitória da Conquista, aonde a colheita é manual em alguns casos seletiva e a medida coincidentemente é a lata de 20 litros. O desempenho médio dos apanhadores na colheita seletiva é de 10 latas/dia e o preço pago de R$ 2,00 a 3,00/lata ou seja US$ 1,00 a 1,50/lata, abaixo do custo de colheita da Costa Rica. Comparando com a colheita manual do Sul de Minas/Brasil, sendo pago entre R$10,00 a 12,00/medida de 60 litros, com desempenho médio de 5 medidas/homem dia na colheita plena, correspondendo ao custo de R$ 3,30 a 4,00/lata ou seja US$ 1,65 a 2,00/volume de 20 litros, que acrescido dos custos de encargos sociais, transporte, EPI, dentre outros equiparam-se aos mesmos custos de colheita manual na Costa Rica.
O plantio das lavouras cafeeiras na Costa Rica, dentro do sistema agroflorestal, chama a atenção pelo vigor observado das plantas, pela produtividade estável, pela qualidade do café produzido e pelo conceito da sustentabilidade. Neste aspecto a cafeicultura de Campos Altos/Brasil se assemelha utilizando o plantio de grevilha em linha, como quebra vento. Outro ponto interessante é o sistema de poda da lavoura, prática comum entre os produtores da Costa Rica, feita a 60 cm de altura, que inicia no quarto ano após a terceira safra, podando anualmente 1 em cada 3, 4 ou 5ruas de cafeeiros. Manejo que mantém a lavoura renovada, arejada e com porte baixo e ainda estabiliza a produtividade. Se observarmos que neste sistema de poda, apenas 2/3, 3/4 ou 4/5 das plantas/ha de lavoura adulta estão em produção, a produtividade média é de 3 a 5 litros/planta no sistema adensado. Outro ponto muito interessante e positivo é que não existe café de chão, pelo fato da colheita seletiva.
Assim quais seriam as reais limitações técnicas para a mecanização da colheita na Costa Rica e, por conseguinte na América Central, a topografia quanto ao uso de colhedoras automotrizes. Neste caso o desenvolvimento de máquinas mais baixas, mais estreitas, mais leves e com depósito, porém mantendo o centro de gravidade baixo, permitindo operar dentro do espaçamento adensado e em declividades de até 35%, seria a recomendação. Quanto à seletividade “no ai limite”, pois com o atual nível tecnológico da mecanização da colheita desenvolvido no Brasil, é possível colher seletivamente com 4% de verdes, que seriam separados no descascamento. Neste caso a arborização precisaria ser feita sempre na linha de plantio e esta linha demandaria colheita manual, consorciando mão de obra e máquina. Porém seria criando um problema secundário que seria o café de chão, de 7 a 14% de perdas sobre o volume colhido, considerando os atuais sistemas de recolhimento das colhedoras. Perdas que também seriam recolhidas manualmente. Na colheita mecanizada e seletiva o desempenho operacional pode varia de 1200 a 1800 litros/hora, requerendo 2 a 3 colheitas.
Cafeeiro com maturação desuniforme, frutos verdes e maduros. |
Colheita manual e plena de todos os frutos. |
Colhedora em processo de colheita seletiva. |
Colheita mecanizada e seletiva do Brasil |
Colheita manual e seletiva da Costa Rica |
Para o sistema semimecanizado, utilizando derriçadores portáteis as limitações ficam por conta da colheita seletiva, neste caso mais difícil de ser feita, exigindo maior treinamento e habilidade do operador. Poderia ser utilizado os derriçadores já comercializados no Brasil, simplesmente com haste mais curta de 1 metro, mais fáceis de serem manejadas em lavouras adensadas. O desempenho operacional médio, homem/derriçador na colheita seletiva, varia em torno de 450 litros/dia, tratando-se de colheita sobre panos, sendo operacionalmente viável para declividades de até 50%, lembrando que o mesmo derriçador pode receber o Kit de poda e de roçada. Segundo o Dr. Jorge Ramirez Rojas, gerente técnico do ICAFE, ensaios com derriçadores portáteis de diferentes modelos foram realizados em lavouras da Costa Rica e os resultados foram confirmados por menor qualidade de colheita pela presença de verdes. A possibilidade de semimecanização é um tema muito importante para a Costa Rica, porém pelas limitações tecnológicas postas, ainda não se tem uma alternativa tecnicamente viável. Este fato destaca a necessidade de mais pesquisa e desenvolvimento tecnológico, sobretudo com máquinas portáteis, mais efetivas na colheita seletiva.
Outro sistema que poderia ser introduzido nas áreas de renovação seria o terraceamento, trata-se de uma prática mais intrusiva, contudo já utilizada pelos Incas em outras culturas. No caso o espaçamento recomendado entre linhas seria de 2,5 a 3,5 metros, dependendo da declividade, com plantio nos taludes, ficando os terraços para o transito de tratores super estreitos, com potência entre 40 a 50 cv e implementos para as operações de adubação, pulverização, poda e escoamento da produção, ficando a colheita facilitada com derriçadores portáteis. Este sistema tem sido empregado com sucesso no Brasil, para declividades de até 60%.
Plantio em sistema de terraços |
Lavoura terraceada no Sul de Minas/Brasil, 40% de declividade. |
O custo do serviço manual na safra de 2011/2012 na região Sul de Minas/Brasil foi de US$ 50,00, sem contar encargos sociais, com custo parcial de US$ 2,30 a 3,30/medida de 20 litros. Em lavoura terraceada e com colheita semimecanizada o custo caiu para US$ 0,80 a 2,50/medida colhida. Aumento da eficiência da mão de obra de 35 a 65% e redução média de custo de 50%.
Em contra ponto se a cafeicultura Brasileira adotar o plantio adensado no sistema agroflorestal, buscando maior produtividade, qualidade e agregando as vantagens deste sistema, as limitações ficam exclusivamente por conta da mão de obra, já bastante escassa e onerosa. Sendo que a solução passa pela mecanização da lavoura, com o aprimoramento das colhedoras de menor porte, sobretudo com menores índices de perdas de colheita e multifuncionalidade para atenderem as operações de tratamento fitossanitário, adubação e poda. Talvez seja este no próximo desafia da inovação tecnológica em mecanização, para uma cafeicultura mais tecnificada e sem limitações.
Colhedoras para lavouras de porte baixo e adensadas em desenvolvimento no Brasil. |