O aumento da temperatura provocará grandes estragos no Brasil, segundo os especialistas. Uma apreensão que se justifica: o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) José Antonio Marengo, um dos cientistas que participaram do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), estima que até o fim do século a temperatura na Amazônia aumente 8 °C, numa visão pessimista – 3°C a mais que a média mundial. E a região Sudeste registrará aumento de temperatura de 5°C.
A Amazônia virará cerrado. Entre 10% e 30% da floresta serão dizimados pelo calor, mesmo que o desmatamento seja interrompido. Com isso, espécies serão extintas. O semi-árido do Nordeste se transformará em clima árido. No Sudeste, haverá aumento de chuvas, grande circulação de ventos, veranicos e maior propensão a desastres naturais.
Na opinião da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o Brasil não está preparado para enfrentar os efeitos do aquecimento global previsto para os próximos anos: Nenhum país está. O que é dramático é justamente isso.
Regiões costeiras estarão vulneráveis ao aumento do nível do mar, sobretudo Recife, Fortaleza, a Foz do Amazonas e a Ilha de Marajó. Com aquecimento global, não haverá refúgios climáticos. Todos vão sentir.
Cientistas brasileiros que há anos se debruçam sobre o tema preocupam-se com a rapidez com que o processo vem se instalando. Cenários que prevíamos para os próximos 15 anos podem se concretizar em 2, 3, afirma o pesquisador da Embrapa Eduardo Assad, co-autor de um estudo sobre os efeitos do aquecimento na agricultura brasileira. Anteontem, um dia antes da divulgação do relatório, ele e integrantes de uma rede de 30 laboratórios de pesquisa fizeram uma reunião para tornar mais ágeis os estudos e propostas de solução. As providências na agricultura são urgentes. O que pretendíamos fazer com calma agora terá de ser a toque de caixa.
Pelas projeções iniciais do estudo, desenvolvido numa parceria com Universidade Estadual de Campinas e Inpe e com base nos dados de 2001, o aumento da temperatura global atingirá a produção das principais commodities brasileiras: soja e café. Num cenário mais pessimista, o aumento da temperatura levará à redução de 70% da produtividade de soja. O café ficaria restrito a áreas menos quentes.
O arroz, sofrerá queda de produtividade de 30% e o milho, 30%. Em suma: o resultado será prejuízo econômico e fome.
Algumas pistas para enfrentar o aumento do calor já foram dadas. Entre elas, o desenvolvimento de uma segunda geração de sementes transgênicas, mais resistentes ao stress do clima. Grupos já começam a fazer análises de espécies do cerrado, para identificar os genes responsáveis pela maior resistência ao clima.
Outras medidas indispensáveis seriam a adoção de práticas para reduzir a erosão e a inclusão de culturas que auxiliassem o seqüestro do carbono. O plantio, por exemplo, de eucalipto ou milho em áreas contíguas a pastos, dendê com cultura de feijão. Com isso, faríamos a associação de culturas economicamente importantes com outras para evitar o aquecimento.
Todos são unânimes em afirmar também que o combate ao desmatamento é tarefa número um a ser perseguida no País. Conseguimos reduzir em 52% o desmatamento e, com isso, evitamos nos últimos dois anos a emissão de 430 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera, afirmou a ministra Marina, que encomendou sete estudos sobre o problema.
Amazônia na pauta
O lobby dos delegados do governo brasileiro funcionou no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). O País conseguiu diminuir os parâmetros que determinam a influência do desmatamento e das queimadas no total de dióxido de carbono emitido por ação humana. Esta é a principal contribuição do Brasil ao efeito estufa, que o coloca entre os principais emissores do mundo.
A posição do Brasil era: é preciso reduzir os 10% a 20% a importância das queimadas e do desmatamento no aquecimento global. Mas ainda mais prioritário é reduzir a queima de combustíveis, que representa de 80% a 90% do problema. Foi uma posição vista como bastante razoável, disse Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo e integrante do IPCC.
A região amazônica foi o principal tema relativo ao Brasil no painel de Paris. O quadro não é estimulante: a temperatura média no Norte, entre 2090 e 2100 será até 5°C superior ao índice médio histórico. Se concretizada a alteração climática, a Amazônia tal como é conhecida hoje tenderá à extinção, cedendo lugar a uma savana semelhante ao cerrado do Centro-Oeste.
O aumento da temperatura na floresta será de até dois graus superior ao crescimento global médio, de 3°C. A variação não será provocada apenas por desmatamento ou as queimadas, mas pelo consumo de combustíveis fósseis, principal agente da concentração de dióxido de carbono na atmosfera.