Estradas ruins levam a portos esgotados. Pode faltar energia. Na saúde, o quadro é calamitoso
24.07.2007 – 17:37
Antonio Machado
Aqui se escreveu e aqui se alertou antes que o fatídico pouso do Airbus A-320 tornasse macabro o prognóstico da situação da infra-estrutura e da prestação de serviços públicos: depois de atingida a estabilidade econômica, pontificada pelo controle da inflação e a solvência das contas externas, o governo passará a ser avaliado pela qualidade da administração. Neste tópico, há muito pouco para aplaudir, excede o que preocupa e não se vêem saídas imediatas.
Não são nem os juros nem o câmbio as variáveis estratégicas, mas o que o governo faz pelo crescimento sustentado da economia e pelo bem estar da sociedade. Tais questões não costumam compor o quadro de interesses dos agentes dos mercados financeiros, maior fonte de informações instantâneas sobre a economia, de modo que o que sabe é o que se vivencia, vez ou outra corroborada por estudos do Banco Mundial e de setores do próprio governo.
O quadro é assustador em quase todas as áreas, fazendo da palavra “apagão” um competidor direto do simbolismo positivo que o governo imagina revestir o imaginário da sigla PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, que tem sido aplicada a tudo: do conceito original de obras de infra-estrutura ao plano pelo aumento da qualidade da educação, da segurança pública à inovação tecnológica.
O que tais planos não convencem é a capacidade de o governo implementá-los a tempo de atender as necessidades antes que o caos tome conta, como já ocorreu com a aviação e se teme que ocorra com a energia.
Para onde se olhe, os problemas afloram pelos ralos como água sem vazão, e são mais de carência de habilidades gerenciais no serviço público, de projetos e de uma concepção de governo voltada para a gestão de qualidade que de falta de dinheiro. Deu-se aos objetivos políticos a centralidade que tudo paralisa e nada constrói.
As pesquisas de opinião determinam as iniciativas e se trabalha no QG do poder como se o governo devesse ser protegido de inimigos empenhados em querer derrubá-lo, não apenas contestá-lo nos termos da democracia. Fica tudo mediocrizado por esse viés patológico, ao qual se associam como tendências paralisantes a atenção ao apetite dos partidos da base de apoio e ao imediatismo da imagem de Lula.
“Faltam estadistas”
Como disse ao Estado de S. Paulo o engenheiro Eliezer Batista, uma referência nacional do planejamento de longo prazo, obcecado por energia, transportes e a visão do “Brasil Potência”, o país precisa é de “mais estadistas, homens que pensem nas gerações seguintes, não só em política”.
Aos 83 anos, Eliezer foi o grande parteiro da Cia. Vale do Rio Doce, idealizador da exploração da maior província mineral do mundo, Carajás, de portos e ferrovias, e acompanhou de perto a reconstrução da Coréia, Japão, China.
Sua frustração é que “o Brasil dava de 10 a zero” nesses países que se tornaram high tech. Ele sugere reconstruir toda a infra-estrutura nacional. “Esse negócio de muita ideologia não dá em nada”, diz.
Estradas que matam
O apagão do setor aéreo, inclusive as relações conturbadas entre a corporação dos controladores de vôo e as instâncias superiores, é o lado visível de um quadro de deterioração aguda que permeia a administração de tudo o que está a cargo do Estado. Já no início do ano passado parecia que o governo acordava para um dos maiores dramas de uma economia a caminho da normalidade e em crescimento: o sucateamento das rodovias. Estrada mal conservada é custo para a produção e alta probabilidade de morte para quem a usa.
Iniciou-se a tal da “operação tapa-buracos” em 26 mil quilômetros de estradas em 25 estados. Terminou sendo só isso: um tapa-buraco. Morrem nas estradas brasileiras, a cada dia e meio, o equivalente às 154 mortes na queda do Boeing da Gol em 29 de setembro.
Um país assombrado
As estradas mal conservadas levam a portos esgotados e operando precariamente. A taxa média de utilização nos 14 maiores é de 75% quando a ocupação de 50% já torna a operação ineficiente. Essa é uma situação insustentável com o real forte, e a previsão é de um colapso em 2008, como se teme com a energia a partir de 2009.
Na assistência à população o quadro é calamitoso. Pacientes em corredores de hospitais da rede pública em grandes cidades, como Rio e Fortaleza, é o que mais há. No ensino fundamental e médio, faltam 246 mil professores. Esses desafios assombram o país.
Mas assombram também o governo? À luz do que faz e vem fazendo, é questionável. Arrepiam análises como as ouvidas após as paredes dos controladores de vôo, mas antes da tragédia do Airbus da TAM, que o problema estaria circunscrito à fatia da população de renda mais alta, que viaja de avião, não abalando o conceito do governo entre os pobres. Se essa é a percepção, a situação é alarmante.
Que crédito se pode dar para o confronto dos inadiáveis problemas de infra-estrutura, se no gravíssimo caso do suprimento de energia elétrica o Ministério das Minas e Energia está sem ministro há dois meses, completados no último domingo, e a estatal Eletrobrás não tem presidente desde agosto de 2006, nem diretor de finanças?
Se todos estes ministérios setoriais estão ocupados por políticos ou cupinchas de partidos, sob virtual intervenção da Casa Civil ou da Fazenda em termos de recursos? Se no setor aéreo, os supostos responsáveis pela área se declararam não responsáveis pelo caos em aeroportos, como fez o superior da área, o ministro Waldir Pires, um político que rasgou sua biografia pelo apego ao cargo? É ruim.