Publicado em: 22/02/2010 09:32:47
Ambulantes matinais adoçam muito o café, mas amargam com fiscais da prefeitura
Quem pode toma brunch com brownie e sucrilhos, ganha cesta da manhã com croissant e frutas, acorda com uma bandejinha na cama com ovos mexidos e mamão com granola, faz seu desjejum de hotel com serviço continental, encara um buffet de padaria cheio de pães e geleias ou passa no Starbucks e pega um caramel macchiato e um cinnamon roll. Quem não pode toma de pé café em copo descartável de plástico acompanhado de bolo massudo na frente de um bueiro, ao som das freadas dos ônibus urbanos, com o adicional que os fiscais da prefeitura podem aparecer e as vendedoras ambulantes dispararem em retirada. Mas em um quesito o café da manhã nas barracas de camelô é imbatível: o preço. O combo de café e bolo vale R$ 1 – pode sair R$ 1,50 se o ponto for na movimentada avenida Paulista. “O pessoal gosta porque é mais rápido e barato. E eles gostam do meu saborzinho”, fala Rita Cruz, que foi babá, faxineira e balconista e que há dois anos monta seu tabuleiro na avenida Brigadeiro Faria Lima, no paulistano bairro de Pinheiros. Apressado no meio da reportagem, experimento seus quitutes. O líquido fervendo e melado bate no primeiro molar e me lembra que tenho de passar no dentista. “Em casa, uso menos açúcar. Mas aqui os clientes pedem bem doce. Tive que colocar açúcar até no chocolate, que já é açucarado. Quem está de dieta não para por aqui”, resume Rita, que serve 50 pessoas todo amanhecer, entre as 5h e 9h para depois voltar para casa e fornear mais bolos para a aurora seguinte.
A mistura de cafeína, amido e muita glicose faz efeito, dando ânimo para o esforço jornalístico matutino. Na próxima barraca, a paraibana Maria Silva recebe todos entusiasmada. “Bom dia, caiu da cama hoje?”, brinca com uma freguesa. Despede os clientes prognosticando “bom trabalho”, “bom prosseguimento” ou “bom final de semana”.
“Antes eu trabalhava na frente do shopping Iguatemi, mas lá os fiscais vinham sempre, tomando tudo. Aqui está mais sossegado”, diz entre os tapumes da futura estação do metrô no Largo de Pinheiros.
Frequentemente, a prefeitura promove uma “operação café da manhã”, com fiscais, escoltados por policiais militares, reprimindo a atividade. O argumento, além da informalidade, é que poucas pessoas dominam os pontos e têm vários funcionários, trabalhando como verdadeiras empresas. Pelo que a reportagem do UOL Notícias acompanhou, isso acontece em alguns locais, mas sempre com uma característica familiar, com mãe e filha ou irmã e irmão ficando em calçadas contrárias para garantir que todo o fluxo passe por seus domínios.
A Subprefeitura de Pinheiros chegou a contar com mais de mil garrafas térmicas em seus depósitos. Por seu lado, os bolos de cenoura, chocolate e laranja vão parar no banco de alimentos da prefeitura. Vão também outros confeitos como broa de milho, queijadinha, rocamboles e bolo de mandioca puba, que vem da Bahia e é feito com uma massa de aipim deixada de molho por uma semana até fermentar.
“Quando estava grávida de oito meses, cheguei a levar banho de café, porque os fiscais chegaram com tudo”, conta a pernambucana Maria José de Arruda. Mesmo assim, gosta da função. “Não tem serviço melhor. O pessoal me ama, e eu tenho muito carinho por meus clientes.”
A fome matinal, o dinheiro curto e a pressa de quem pega ônibus ainda sem sol no horizonte parece mais forte que a determinação governamental de acabar com essas barracas. Prova disso é o tabuleiro comandado por Jadina de Lima, que está há 14 anos no mesmo ponto, resistindo a seis prefeitos diferentes. O marido, Daniel, domina a panela e o fogareiro para fazer a tapioca. Ela se encarrega de entornar o café, o leite e o chocolate. E de distribuir os pedaços de bolo. “Muitos só compram o bolo, porque tem máquina de café na firma. Esses são os mais apressados”, relata Jadina.
Essas vendedoras trabalham em outro fuso: acordam às 1h ou 2h da madrugada para começar a produção em suas cozinhas suburbanas. As que têm carro chegam mais cedo às ruas centrais, entre 4h e 4h30. As outras embarcam no primeiro ônibus e chegam das 5h em diante.
Elas estão em porta de fábrica, entrada de metrô, cruzamento de avenida, calçada de obra, pontos de ônibus. A tapioca e o bolo de mandioca mostram a influência indígena na primeira refeição do dia paulistano, bem de acordo com o clássico livro “História da Alimentação no Brasil”, do folclorista Luiz da Câmara Cascudo.
Já o café da manhã cada vez mais acelerado é efeito do ritmo frenético local. Ao contrário de europeus e dos vizinhos argentinos, que ainda cultuam longos desjejuns em confeitarias, com direito a leitura dos periódicos e bicadas bem intercaladas nas xícaras de louça, o trabalhador brasileiro foi do banco de balcão da padaria e seus pingados e pães na chapa para os botecos e depois para as barracas. Deu adeus à posição sentado, come de pé, quando não andando.
Uma das entidades que pressiona pela repressão aos ambulantes do café é o sindicato patronal dos padeiros. O argumento é há 63 mil padarias, gerando 750 mil empregos no Brasil, e que elas pagam muitos impostos para trabalhar e acabam prejudicadas pela informalidade. Mas as ambulantes matutinas encontram um contra-argumento. “Nós pagamos impostos em cada produto que compramos para cozinhar. Também estamos ajudando a bancar o país”, diz Maria José de Arruda.