Bernardino Furtado – Enviado especial Muriaé – Na Zona da Mata de Minas, a marcha das retroescavadeiras na segunda maior reserva brasileira de bauxita, o minério de alumínio, entra, depois de 20 anos, no seu território mais delicado: a Serra do Brigadeiro. Nesse braço da Serra da Mantiqueira, com picos de quase 2 mil metros de altitude, está a última razão de ser do nome da região, depois de décadas de desmatamento para alimentar de carvão os alto-fornos da indústria siderúrgica. Em 1996, foram transformados em parque estadual cerca de 15 mil hectares, que abrigam uma das últimas áreas de tamanho expressivo de mata atlântica, bioma que está reduzido a 8% da superfície original no Brasil. Num raio de 10 quilômetros dos limites do parque, estão 42 áreas concedidas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) à Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), do grupo Votorantim, e à Mineração Rio Pomba Cataguases. São 200 milhões de toneladas de minério de alumínio, equivalentes a aproximadamente metade das reservas do Centro-Sul do país. Estima-se que no Parque Estadual da Serra do Brigadeiro vivam cerca de 500 macacos muriquis, conhecidos também como monocarvoeiros. É a população mais numerosa já encontrada no país do muriqui, o maior primata da América Latina. Os macacos, ameaçados de extinção, costumam também ser avistados em fragmentos de mata existentes na zona de amortecimento do parque. Nessa porção da serra há também gente. São estimadas 1,9 mil famílias, ou 14 mil pessoas, que vivem em minifúndios de 30 hectares, em média. Nos últimos 20 anos, especializaram-se na cafeicultura. Graças à altitude média de mil metros, a variedade arábica tem produzido grãos de alta qualidade. Responsáveis em parte pelo desmatamento da serra, muitos desses produtores rurais vêm sendo convertidos à agricultura ecológica, com plantio de árvores entre as fileiras dos cafezais, sem agrotóxicos, o chamado café Sate, e até à agricultura orgânica, que não admite sequer a adubação química. Quando certificados internacionalmente, esses cafés alcançam preços até cinco vezes mais altos do que os dos grãos tradicionais. Nas fraldas do parque, agricultores de Araponga, por exemplo, conseguiram classificar 14 amostras na edição de 2006 do concurso que a italiana Illycafé, uma das maiores torrefadoras do mundo, promove no Brasil. O resultado rivalizou com as duas mais tradicionais regiões produtoras de cafés especiais de Minas, o cerrado, com 13 amostras classificadas, e o Sul, com 15. No julgamento final, Araponga incluiu três amostras entre as dez melhores. Na cidade, ainda não há registro de reservas relevantes de bauxita. Mas a experiência com os cafés especiais já transbordou para a vertente oriental da serra, onde estão as 42 jazidas de minério de alumínio. Rubens de Oliveira Valentim, de 50 anos, trabalha há sete na lavoura de café orgânico na propriedade de 24 hectares, em Fervedouro. Os 4 mil pés em produção, depois de várias tentativas e erros, são banhados com misturas de esterco bovino, palha de café, restos de leite, folhas apodrecidas. A terra em torno dos cafeeiros é é apenas roçada, para que o solo não sofra erosão e absorva lentamente a vegetação ceifada. Valentim reconhece que, quando comprou a propriedade, há 25 anos, desmatou a área da principal nascente de água, que secou. Hoje, as linhas de café são entremeadas com filas de cedro australiano, plantadas há um ano. É uma madeira exótica, mas é um fator de proteção da mata atlântica que resta. Em 12 anos, haverá cedro para vender e para consumo próprio. O agricultor participa de um projeto do Promata – Proteção da Mata Atlântica, um fundo administrado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), custeado em parte pela agência de cooperação alemã KFW. Valentim plantou no ano passado 1,3 mil árvores nativas na propriedade e receberá R$ 1,4 mil do Promata num prazo de três anos. “Se depender de mim, não haverá mineração de bauxita aqui. Como vou viver com minha família numa propriedade cheia de buracos. Se tiver que mudar daqui, vou ficar doente”, diz. Essa mesma parceria com a KFW permitiu ao governo de Minas investir no ano passado cerca de R$ 1,3 milhão em obras no parque. |