O Brasil se prepara para acionar novamente a Organização Mundial do Comércio (OMC) contra Estados Unidos e a União Européia nas disputas do algodão e do café solúvel, respectivamente. A volta deverá acontecer após a conferência ministerial de Hong Kong, em dezembro.
No começo de 2006, Brasília deverá pedir a abertura de um novo painel (comitê de arbitragem) na briga do algodão. No caso, seria o chamado “painel de revisão”, quando os juízes da OMC poderão dizer se as mudanças nos subsídios à exportação feitas por Washington são suficientes para atender à recomendação do próprio órgão.
No confronto do café solúvel, o setor privado pediu para o Itamaraty acionar a OMC contra a perda da cota de 12 mil toneladas livres de tarifas na UE, alegando discriminação. Pelo novo Sistema Geral de Preferências (SGP) europeu, a partir de janeiro o produto brasileiro voltará a pagar alíquota de 9%, enquanto concorrentes como a Colômbia continuarão exportando livres de taxa.
A pressão sobre os EUA na briga do algodão está aumentando com a aproximação da conferência de Hong Kong. Ontem (dia 1º), um ministro do Benin esteve na OMC para pedir, em nome dos países africanos, um compromisso americano pela eliminação das subvenções à exportação do produto já no fim deste ano, e um corte de 80% da ajuda interna em 2006.
O Brasil indica que não quer misturar a Rodada Doha com seu caso contra os EUA. O que quer é que seus direitos sejam respeitados. Assim, com a demanda do “painel de revisão”, os juízes terão 90 dias para examinar o que os EUA já fizeram desde que foram condenados na briga com o Brasil: redução das garantias de exportação de longo prazo de até dez anos, fim do teto de 1% no pagamento de juros e reajuste de outros custos para exportadores em decorrência do risco da operação.
Além disso, os EUA prometem acabar em agosto de 2006 com o programa “Step 2”, pelo qual compensam exportadores e indústrias que compram o algodão americano mais caro. A questão é se tudo isso removeu os subsídios à exportação, proibidos pela OMC. Concluído o painel de revisão, o Brasil deverá reativar as demandas para retaliar os EUA em US$ 3 bilhões por causa de subsídios à exportação e em US$ 1 bilhão pela manutenção de subsídios domésticos que afetam o Brasil.
Quanto ao café solúvel, o Brasil quer manter a cota com isenção tarifária que foi negociada com a UE para compensar o tratamento discriminatório sofrido em relação a concorrentes como Colômbia, Equador e outros países da América Central, há quatro anos. O Brasil solicitou manutenção e aumento da cota para os próximos anos, em razão da entrada de dez novos países na UE desde maio. Alguns deles tiveram de elevar as alíquotas para 9%, porque a cota européia atual não os inclui.
Ocorre que Bruxelas negou sistematicamente as demandas brasileiras. Alegou que não tem obrigação de manter a cota e que só a concedeu em 2002 porque o Brasil aceitara não abrir um painel na OMC contra o seu chamado “regime drogas”.
Desde então, outro país, a Índia, denunciou esse mecanismo pelo qual Bruxelas isenta de alíquotas as importações procedentes da Indonésia e de outros 11 países latino-americanos que combatem a produção ilícita de drogas. A UE elaborou um novo “SGP+”, com base em critérios mais transparentes. Mas a discriminação contra o Brasil continuou.
Na negociação UE-Mercosul, os europeus propuseram oralmente um acordo “zero por zero”, pelo qual as partes eliminariam ao mesmo tempo a tarifa de importação sobre o produto. Mas a UE voltou atrás e só quer zerar a alíquota em dez anos. A Europa tem pouco interesse em permitir acesso para o solúvel brasileiro. A Alemanha, sem plantar café, tornou-se um dos maiores produtores e exportadores globais de solúvel graças às tarifas européias: compra o grão de café livre de taxa, processa e embolsa o valor agregado, que pode chegar a 75% do preço total.