99% das amostras estavam livres de resíduos que representam risco agudo para a saúde dos consumidores.
Em 25 de novembro de 2016 a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) do Ministério da Saúde, divulgou relatório, com 246 páginas, do PARA (Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos) com os resultados da análise de resíduos em 12.051 amostras coletadas em 2013, 2014 e 2015 em 27 estados e DF, de 25 alimentos de amplo consumo.
99% das amostras estavam livres de resíduos que representam risco agudo para a saúde dos consumidores. Isto significa que as pessoas podem consumir frutas e hortaliças sem se preocupar com resíduos de produtos fitossanitários, ou seja, a qualidade dos alimentos produzidos no Brasil é aceitável quanto as contaminações químicas. Esta informação deve ser amplamente divulgada para que contribua com o aumento do consumo de alimentos de origem vegetal, importante para saúde da população. O consumo regular de frutas/legumes e verduras está associado a um menor risco de contrair certos tipos de câncer e outras doenças crônicas. Alimentos in natura, de origem vegetal, devem ser a base de uma nutrição equilibrada. Recomenda-se que, antes do consumo, os vegetais sejam higienizados e que se dê preferência para produtos rotulados ou certificados, com identificação do produtor.
Em edições anteriores, a Anvisa realizava a comunicação dos resultados de maneira inadequada, com base em metodologia que desestimulava o consumo de frutas e hortaliças, além de prejudicar os pequenos produtores que não conseguiam comercializar a produção ou obtinham preços menores devido a redução da demanda. O PARA foi iniciado em 2001, baseado em coletas de amostras de alimentos no mercado varejista e encaminhamento a laboratórios públicos e privados credenciados para detecção de resíduos de produtos fitossanitários. As quantidades presentes eram comparadas com os LMRs (Limites Máximos de Resíduos), estabelecidos com bases agronômicas. Neste período de 15 anos foram analisadas mais de 30.000 amostras de 25 alimentos. Os resultados eram divulgados destacando a presença de qualquer quantidade de produtos fitossanitários em culturas não autorizadas, além dos casos em que os LMRs eram superiores aos estabelecidos na legislação nacional. A maior parte das irregularidades era devida aos resíduos de produtos não autorizados para a cultura considerada, independente da quantidade. Desta forma, as notícias que eram divulgadas pela mídia, com grande destaque, davam a impressão que nossos alimentos eram inadequados para o consumo, principalmente morango, pimentão etc. Se a interpretação dos resultados nos anos anteriores fosse realizada da maneira atual, os resultados indicariam uma segurança alimentar (alimentos seguros) aceitável em termos de resíduos de fitossanitários.
A nova metodologia adotada pela Anvisa é baseada na avaliação e comunicação do risco dietético em conformidade com padrões internacionais. Os resultados obtidos são comparados com a DRfA (Dose de Referência Aguda), que é a quantidade estimada do resíduo de produto fitossanitário presente nos alimentos que pode ser ingerido durante um período de até 24 horas, sem causar efeito(s) adverso(s) à saúde; este valor é expresso em mg do produto por kg de peso corpóreo do consumidor. De acordo com esta metodologia, 99% das amostras não apresentaram risco de causar intoxicações que podem ocorrer dentro de um período de 24 horas após o consumo. Este procedimento vem sendo adotado na Europa, EUA, Canadá etc. Foram avaliadas hortaliças (abobrinha, alface, batata, beterraba, cebola, cenoura, couve, pepino, pimentão, repolho e tomate), frutas (abacaxi, banana, goiaba, laranja, maçã, mamão, manga, morango e uva) e cereais / leguminosas / raízes (arroz, feijão, mandioca, milho e trigo).
Foram pesquisados 232 ingredientes ativos de fitossanitários e detectados 134. Os produtos mais frequentes foram acefato, carbendazim e cloropirifós; destes, acefato foi submetido a reavaliação e a decisão tomada em 2013 foi pela sua manutenção, com restrições. Se fosse feita a comunicação baseado em irregularidades, como no passado, 80,3 % das amostras estavam em conformidade (42,0% sem resíduos e 38,3% com resíduos abaixo do LMR). Das 19,7% das amostras com inconformidades, 16,7% seriam as que apresentaram resíduos abaixo do LMR, mas que não eram autorizados para a cultura. Apenas 3,01% das amostras estavam insatisfatórias, de acordo com o LMR (1,33% com produtos autorizados, porém acima do LMR, e 1,68% de amostras com produtos não autorizados e acima do LMR). Este era o quadro aproximado das avaliações anteriores do PARA. Ou seja, nunca houve motivo para alarme! Nos últimos cinco anos as CSFIs (Culturas com Suporte Fitossanitário Insuficiente ou minor crops) tiveram 900 novos LMRs de ingredientes ativos de relativa baixa toxicidade estabelecidos, regularizando a utilização de diversos produtos fitossanitários. Entretanto, ainda há muito trabalho a ser realizado nesta área.
As contaminações que mais preocuparam foram na laranja, com carbofuran (11% das amostras), e no abacaxi, com carbendazim (5% das amostras). Entretanto, deve-se ressaltar que as análises são realizadas com o alimento inteiro, incluindo a casca, que não é comestível. Interessante que as análises sejam realizadas após a eliminação da casca, o que deve reduzir a possibilidade de contaminação. Para minimizar problemas como estes, há necessidade do setor público (regulador) intensificar ações de educação sanitária, principalmente assistência técnica e extensão rural, e de fiscalização. O Programa de Produção Integrada do Mapa deve ser retomado com o mesmo vigor que já exibiu. Outro ponto importante é a implantação de mais programas de monitoramento de resíduos.
Deve-se destacar que o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) desenvolve o PNCRC (Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes), Vegetal e Animal. Trata-se de programa semelhante ao PARA, porém com rastreabilidade, e que avalia não apenas resíduos de produtos fitossanitários, mas também as quantidades de micotoxinas (aflatoxinas, ocratoxinas, desoxinivalenol, fumonisinas, zearelona) e contaminações microbianas, como Salmonella.
O setor privado (regulado) também pode contribuir para aprimorar, ainda mais, a qualidade dos alimentos produzidos no Brasil. Ações de educação sanitária, em especial referente a treinamentos quanto ao uso correto e seguro de produtos fitossanitários (uso racional/ boas práticas agrícolas) devem ser intensificados. Também deve haver maior empenho das indústrias no registro de produtos fitossanitários para culturas de baixo valor econômico (minor crops) e ampliação da rastreabilidade e certificação de produtores rurais.
O fato de apenas 1% das amostras apresentarem risco de intoxicação aguda merece ser comemorado e amplamente divulgado. Devemos parabenizar os agricultores brasileiros que produzem alimentos saudáveis para a mesa da população brasileira e de outros países que importam nossos alimentos. Mas temos que continuar investindo em educação, pesquisa, desenvolvimento e inovação e assistência técnica e extensão rural.
*Diretor Financeiro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Vice-Presidente da Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior (ABEAS), Eng. Agrônomo, Mestre e Doutor em Agronomia, Pós-Doutorados em Manejo de Pragas e Biotecnologia, Professor Associado da ESALQ/USP.
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