Preços do setor sofrem com a combinação de juros altos e câmbio valorizado
Da mesma forma, ou de modo muito semelhante ao início do Plano Real e a todo o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, a agricultura brasileira está sendo refém de uma equivocada política macroeconômica. Ainda que agora tenhamos a positiva novidade do regime de câmbio flutuante (a grande novidade que o mercado impôs ao governo anterior logo no início do segundo mandato), os juros reais continuam tão elevados que já estamos, novamente, com o câmbio fortemente valorizado. Juros reais elevados e sua conseqüência de câmbio valorizado fazem a pior combinação possível para o setor agrícola na formação de seus preços. E o ministro Palocci, com sua habitual simpatia, ainda disse o seguinte: “o diabo da política de câmbio flutuante é que ela flutua”. Como se a política monetária, via juros reais elevados, não contribuísse para a apreciação da taxa de câmbio! Esta apreciação tem sido um dos principais instrumentos para a redução de nossa taxa de inflação, para pouco mais de 5,5% em 2005. Um excelente resultado, mas a que custo? A economia não deverá crescer muito mais que 2,5%! E o emprego?
A safra brasileira de grãos 2005/06 teve seu plantio realizado em condições econômicas bastante desfavoráveis. Vários fatores contribuíram para isso. Vejamos alguns deles: a) a política monetária de elevação de juros, cujo início coincidiu com o plantio da safra 2004/05: de 16% ao ano para a taxa Selic em setembro de 2004, para 19,75% ao ano em agosto de 2005 (passando pelo período de comercialização em 2005). Apenas em setembro de 2005 ela começou a ser reduzida e, agora, em meados de janeiro de 2006, encontra-se em 18%; b) a apreciação nominal e real de nossa taxa de câmbio em parte, pelo menos, decorrente dessa elevação de juros: em agosto de 2004, tínhamos uma taxa média de R$ 3/US$; em outubro de 2005 essa taxa foi de R$ 2,26/US$; c) a queda das cotações internacionais de grãos, principalmente da soja, causada pela previsível recuperação da safra americana; d) a quebra da safra brasileira de grãos em 2005, em cerca de 15 milhões de toneladas; e) e finalmente, por razões de ajuda aos produtores, a safra 2005/06 foi plantada com menos recursos de crédito e a uma taxa média de juros mais elevada.
A conjugação dos quatro primeiros fatores provocou uma queda de R$ 21 bilhões (- 11,2%) no valor bruto da produção agropecuária brasileira em 2005, de acordo com os dados da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), redução essa quase toda concentrada no setor agricultura. O PIB agropecuário, por sua vez, apresentava até agosto um declínio de 7,19%. É certo que os anos de 2003 e 2004 foram extremamente favoráveis à agropecuária, mais do que compensando essa perda. Faltou um pouco mais de prudência financeira a muitos produtores, dada a volatilidade da atividade (clima, produção e preços).
Entretanto, mesmo tendo ocorrido alguma imprudência financeira por parte dos produtores, isso não invalida a existência de uma grave crise agrícola em 2005, provavelmente nublando o horizonte para 2006. Uma boa parte dessa crise pode ser creditada à ocorrência da segunda “âncora” cambial (e sua conseqüente “âncora” verde) em dez anos, como mostrado no gráfico. Esse gráfico mostra, a despeito de outras variáveis relevantes, uma razoável correlação entre o Índice de Preços Recebidos (11 produtos, vegetais e animais, comercializáveis e não-comercializáveis internacionalmente) e o Índice de Câmbio Real (R$/US$), este sendo o mais adequado para a formação dos preços agrícolas internos, cotados nas bolsas internacionais em dólares. O valor médio desse índice de câmbio médio em 2005 já estava ligeiramente abaixo da média do período 1995/98. Uma certa compensação veio com a expressiva recuperação dos preços internacionais do café, suco de laranja e açúcar, assim como do feijão e batata, produtos de mercado interno. Os anos 90 tiveram um desfavorável comportamento do Índice de Quantidade Produzida per capita (20 produtos vegetais) pela primeira “âncora” cambial. O grande aumento da produção veio apenas após a mudança do regime cambial em 1999, ajudado por preços internacionais favoráveis em 2002/04. Apenas a partir de 1999 é que esse índice superou o valor de 1989! Felizmente, o comportamento da pecuária foi bem melhor.
E 2006? Como dissemos, o plantio foi feito sob condições bastante adversas. A área plantada com grãos deverá apresentar uma redução de 4,5%, redução essa concentrada nos produtos comercializáveis internacionalmente (algodão, arroz, soja e trigo). Apenas feijão e milho terão aumentos. Além disso, houve uma acentuada redução na venda de insumos e de máquinas agrícolas. Isso, junto com a ocorrência de uma certa irregularidade climática, coloca em risco a produtividade das culturas. Portanto, o ajuste agrícola à “âncora” cambial já começou. A primeira (gráfico) durou cinco anos. E esta?
Em uma economia aberta, câmbio e preços internacionais são fundamentais para os preços agrícolas. Quanto aos internacionais, felizmente, as previsões são favoráveis. Os preços médios, em dólares, do suco de laranja, açúcar, algodão, soja, trigo e milho deverão ser maiores em 2006. O do café, por sua vez, um pouco menor, mas ainda em um nível bastante favorável. Essa, portanto, é uma boa notícia para a agricultura. O mercado interno não ajudará muito com o crescimento do PIB previsto em apenas 3,5%. Com um mercado internacional um pouco melhor, um mercado interno ainda fraco, os preços agrícolas em muito dependerão do comportamento da taxa de câmbio. O perigo é a continuidade de seu uso para baixar a inflação à meta de 4,5%. Nesse contexto, o Relatório de Mercado do Banco Central não traz notícias muito alentadoras para a agricultura. Apesar da taxa de câmbio prevista para dezembro de 2006 ser um pouco maior que a de dezembro de 2005, a taxa de câmbio média, mais relevante, está prevista como menor. Esse é o perigo, pois poderá anular os ganhos do mercado internacional e atrasar a recuperação agrícola.
Fernando Homem de Melo é professor Titular do Departamento de Economia da FEA-USP e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – Fipe. (E-mail: fbhm@usp.br).