Em 4 safras, plantou-se com uma cotação do dólar e colheu-se com outra, bem pior. Na safra agrícola colhida no ano de 2003, os agricultores ganharam dinheiro: os preços estavam bons para a maioria dos produtos anuais (em dólares) e o câmbio era favorável. Os produtores investiram em máquinas, equipamentos e tecnologia, e se endividaram.
Logo depois, já na safra de 2004/2005, o ciclo de bons preços acabou e, adicionalmente, o dólar foi perdendo valor em relação ao real. A renda no campo desmoronou e o juro continuou correndo, sábado, domingo, feriado, Natal, réveillon, carnaval…
Aí vieram as secas de 2004 e 2005 e a quebra da safra foi brutal, especialmente no Sul. E tome juro. E tome dólar barato.
Os números são exuberantes e falam por si: entre janeiro e junho de 2004, a desvalorização cambial foi pequena, de 2,7%; no mesmo período de 2005, foi de 12,2%; em 2006, de 5,2%; e em 2007, de 7,6%. Isto significa que, nas últimas quatro safras, os produtores plantaram com um câmbio e colheram com outro, sempre pior, perdendo quase 30% no período, só no câmbio. E sem vantagens, como têm os setores industriais que importam componentes e depois reexportam produtos montados no Brasil. A agricultura praticamente só importa fertilizantes e, neste caso, o câmbio barato não ajudou, porque os preços dos fertilizantes subiram demais no mundo inteiro, em função da crescente demanda norte-americana para o milho do etanol e a dos países asiáticos, especialmente a China.
Só para falar de 2007, o número já é impressionante. Dados da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) mostram que no Rio Grande do Sul, em janeiro deste ano, eram necessários 17 sacas de 60 quilos de soja para comprar 1 tonelada de fertilizantes. E, em maio, já se precisavam de 26 sacas!
No Paraná, a variação foi de 19,60 sacasonelada para 27,12 sacasonelada. E no Mato Grosso, mais afetado pela tragédia da logística, em janeiro se precisavam de 26,30 sacas e em maio, de 31,26 sacas. Só para o fertilizante! E os outros custos todos: mão-de-obra, máquinas, combustíveis, sementes, transporte, armazenagem? Os preços ao câmbio atual não os cobrem. Uma boa produtividade agrícola, de 55 sacas de soja por hectare, por exemplo, custa quase 60% só em fertilizantes no norte do MT.
Mas não é só na soja, ou só no Mato Grosso.
Dados do Departamento de Economia Rural (Deral) do Estado do Paraná mostram que, para comprar um trator de 75cv de potência, em 2000 eram necessários 3.638 fardos de algodão de 15 quilos cada; em 2007, são necessários 4.914 fardos, cerca de 40% a mais. Para comprar a mesma máquina, em 2000 eram necessárias 1.943 sacas de 60 quilos de soja. Hoje são 2.660 sacas; para trigo, era preciso 2.510, hoje 2.840; para milho, de 3.096 foi para 4.944 sacas; e para arroz foi de 2.306 para 2.647 sacas.
Estamos diante de uma clara transferência de renda rural-urbana. O câmbio vem tirando dos produtores uma chance de recuperarem sua renda perdida entre 2004 e 2006. Os preços hoje estão bons para a maioria das commodities, em dólares. Os agricultores argentinos estão felizes, pagando 3,2 pesos por dólar. E nós aqui, além de não nos beneficiarmos com os bons preços, acabamos criando uma divisão entre os agricultores brasileiros, em dois grupos: os “costeiros”, aqueles localizados em regiões próximas dos portos e dos grandes centros de consumo, que ainda conseguem se equilibrar; e os da fronteira agrícola, do Mato Grosso, do Tocantins, de Rondônia, do Maranhão, estes heróis que deixaram seus estados natais e foram abrir fazendas, gerando empregos, riquezas, impostos e renda para o País; na distância em que estão, a logística come o que o dólar e os juros ainda não tomaram. E a atividade vai ficando inviável, em um momento no qual há até uma inflação mundial dos preços, em dólares, seja porque temos os menores estoques mundiais, em anos, de milho, trigo e arroz, seja pelo crescimento da demanda, já referida. E não falta quem culpe a agricultura brasileira pelo crescimento da inflação interna, o que é pura desinformação.
É por isso que uma política de renda rural é fundamental no País. O seguro vem vindo aí, novos mecanismos de mercado também, especialmente com a popularização da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), mas não dá para esperar. É urgente reduzir os estragos do câmbio, com pelo menos três caminhos além da recorrente muito triste renegociação das dívidas: menos tributos e menos juros; e, sem dúvida, muito investimento em logística e infra-estrutura, conforme projetado no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 3)
(Roberto Rodrigues – Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp, professor de Economia Rural da Unesp (Jaboticabal) e ex-ministro da Agricultura.
Próximo artigo do autor em 26 de outubro)