ECONOMIA & NEGÓCIOS
03/08/2008
Agricultura brasileira vai bem sem Doha
Alberto Tamer
Doha se foi, mas a agricultura brasileira e mundial vão bem. Não será por causa do fracasso das eternas negociações que a produção mundial deixará de crescer. Este ano, vai bater um novo recorde e os preços das commodities agrícolas começam a entrar em fase de acomodação. Podem voltar a aumentar, sim, mas o grande salto passou. Entre 15 de junho e 22 de julho, houve até um recuo de 6,4%, em dólar, de acordo com o tradicional levantamento feito a cada semana pela revista britanica The Economist. Mas é importante ressaltar que, em 12 meses até julho, a alta dos preços das commodities agrícolas ainda é de 47,9%. Ou seja, aumentaram muito, estabilizaram-se depois e agora mostram tendência de ligeiro recuo.
HÁ FOME, MAS HÁ ALIMENTOS
O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, em palestra em São Paulo, patrocinada pelo Instituto de Engeneharia, deu uma verdadeira aula magna sobre os cenários da agricultura brasileira e mundial. Merece a atenção do governo.
“A grande prejudicada com o fracasso de Doha é a própria OMC (Organização Mundial do Comércio), que perde credibilidade e capacidade de resolver problemas do comércio multilateral. A falta de acordos claros que estabeleçam regras claras é um fator adicional à crise de alimentos”, afirmou ele.
Mesmo assim, o ex-ministro não vê um um cenário mais grave do que o atual. “Não há crise de alimentos, mas sim um forte desequilíbrio entre oferta e demanda.” Ou seja, há alimentos no mundo suficientes para atender as populações menos favorecidas. O que falta são meios de fazer com que cheguem a eles. E é aí que o fracasso de Doha torna tudo mais difícil, pois a liberalização do mercado agrícola, que viria com o acordo, permitiria um expressivo aumento da produção. Ela é o melhor caminho para derrubar fronteiras e permitir melhor fluxo de alimentos no mercado.
É GRANDE O DESAFIO
Apresentando uma série de valiosos quadros e gráficos, com números da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), do Ministério da Agricultura, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no evento do Instituto de Engenharia, Rodrigues mostra que é enorme o desafio para alimentar o mundo nos próximos anos.
“De acordo com estudos da FAO, nos próximos 20 anos, a demanda mundial por alimentos deverá crescer 42%, mas eu acredito que será mais, no mínimo 50%. E a maior parte, pelo menos 2 bilhões de pessoas, na Ásia e na África, onde o consumo era menor e tende a aumentar.” Teremos pelo menos mais 2 bilhões de pessoas se alimentando mais.
Para Rodrigues, “um crescimento do consumo mundial de alimento de 2,5% é um desafio para ser enfrentado desde já”.
VAMOS BEM SEM DOHA
E apesar do fracasso de Doha, o Brasil está preparado? “Nos últimos dez anos, a produção agropecuária brasileira, sem acordos multilaterais, sem Doha, vem crescendo graças à eficiência dos agricultores brasileiros que incorporaram tecnologia da empresas como a Embrapa”, afirma ele. De acordo com os últimos dados do Ministerio da Agricultura, a safra atual de grãos deverá ser novamente recorde: 142,4 milhões de toneladas. Hoje, de novo, mesmo sem Doha, o Brasil é auto-suficiente na produção de alimentos, importando apenas trigo.E também o maior exportador mundial de café, açúcar, suco de laranja, carne bovina e o segundo de soja.
“De qualquer maneira, foi uma pena que o acordo não tivesse saído.”
E a crise atual dos preços, a inflação que pode ultrapassar a meta? Roberto Rodrigues usa um pouco de fina ironia: “Achei ótimo quando o governo federal disse que, agora, o agronegócio, é um problema de governo…” Não era sem tempo.
Atualmente, diz ele, o setor envolve nada menos que 11 ministérios. “Para o da Agricultura, sobram os problemas.”
A conclusão é que, no fundo, o agronegócio não precisou de acordos diplomáticos, inviáveis e ilusórios na OMC para crescer, abastecer o mercado interno e ainda exportar. E, neste momento, após a alta expressiva dos preços das commodities, é ele que está sustentando ainda o frágil equilíbrio da balança comercial.
E o que o sr. recomenda? “Temos de fazer a lição de casa”, diz Rodrigues. E aponta seis pontos básicos que o governo deve atacar com persistência e agressividade: (1) mais ganhos tecnológicos para elevar ainda mais a produtividade agrícola; (2) melhor gestão – há 11 ministérios envolvidos no agronegócio; (3) desenvolver uma infra-estrutura para escoar, transportar até os centros de consumo e embarcar as safras; (4) resolver a questão da rastreabilidade, principalmente sanitária; (5) agregar valores; (6) acordos bilaterais.
Nenhum deles pode ser deixado de lado, pois formam uma estratégia comum de plantio,colheita e comercialização da produção agropecuária.
NÃO VEIO? NÃO FAZ MAL
A coluna sempre considerou que se Doha viesse seria bom, mas se não viesse, não iria fazer nenhuma falta. Continuamos exportando para os mercados mundiais. É o “seria bom”, do ex-ministro.
Em meio a tudo isso, a agricultura brasileira continuou crescendo e conquistando mercados internacionais. Hoje, representa 33% do Produto Interno Bruto brasileiro, 36% das exportações e 24% da força de trabalho. Não só isso, foi bem mais longe. Está sendo pioneira ao oferecer ao mundo uma solução, embora parcial, para enfrentar o terceiro choque do petróleo, o etanol de cana, que não só substitui a gasolina como também gera energia elétrica sem poluir o meio ambiente. Ao contrário, ajuda a despoluir a atmosfera.
Na verdade, agora o Brasil fica até aliviado com o fim do burburinho diplomático e o silêncio de promessas e expectativas que sempre nos frustraram. Acabou-se o sonho de liberalização do comércio agrícola. Agora é aumentar a produção e elevar a produtividade para competir no mercado mundial. E temos tudo para isso: terras amplas e férteis, clima, litoral ameno e, acima de tudo, um empresariado agrícola moderno e eficiente que já mostrou plenamente o que pode fazer.
Cabe apenas ao governo dar força extrema aos que produzem no campo, estimular mais e mais a pequena, média e a agricultura familiar, prestigiar o Ministério da Agricultura, abrir estradas para o escoamento das safras, libertar da burocracia a administração dos portos, privatizá-los tanto quanto for necessário para que os grãos não fiquem retidos no cais, encarecendo o produto. E, como que “de sobra”, oferecer ao mundo um forma de enfrentar a crise do petróleo.
*E-mail: at@attglobal.net