27/04/2011
Eis uma das alternativas para conter, no bioma, a devastação que ameaça os recursos hídricos. Projetos de irrigação racionalizada e incentivo fiscal a produtores rurais também estão em andamento
Vinicius Sassine | Correio Braziliense
A interrupção do processo de degradação das regiões de nascentes no Cerrado depende da adoção de métodos simples de irrigação, testados e incentivados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Passa pela aplicação de um programa de pagamento por serviços ambientais: se o produtor preserva e garante a produção de água, precisa ser remunerado pelo benefício ambiental gerado. Inclui a cobrança pelo uso dos recursos hídricos na agricultura, o incentivo à recuperação de áreas degradadas, o cadastro ambiental rural — quando se diagnosticam as perdas de vegetação nas propriedades — e a obrigação legal de manter reservas e áreas de preservação permanente (APPs) no Cerrado. Na última reportagem da série sobre a morte das nascentes, o Correio aponta soluções para o problema e mostra iniciativas para reverter as agressões ao bioma que abastece quase todo o território brasileiro.
Ações isoladas de preservação partem de organizações não governamentais. No Distrito Federal, um programa do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), ligado ao governo local, estimula a adoção de nascentes em uma das regiões brasileiras mais ricas em olhos d’água. Já são 200 adotadas. O aposentado Eugênio Giovenardi, 76 anos, adotou três em seu sítio, às margens da BR-060, em Engenho das Lajes. “Elas são importantes para manter o aquífero sempre carregado”, diz. A água corre para o Ribeirão das Lajes, que deságua no Rio Descoberto, decisivo para o reservatório da usina hidrelétrica Corumbá 4. “Costuma-se olhar apenas as grandes represas e esquecer os olhos d’água. Eu faço exatamente o contrário”, afirma Eugênio. Em seu sítio, existem outras cinco nascentes.
Uma técnica simples desenvolvida pela Embrapa Cerrados é um exemplo de como o uso da água pode ser racionalizado. A técnica funciona para o cultivo de café. A irrigação deve ser interrompida por 70 dias, durante o período seco. “Essa técnica começa a ser adotada em algumas áreas de Cerrado, como no oeste baiano”, diz o pesquisador da Embrapa Cerrados Jorge Enoch Furquim. “Às vezes, no campo, o produtor irriga todo dia, por desinformação. Ele acha que todos os problemas do cultivo vão ser resolvidos com a água.”
Três métodos ainda pouco difundidos podem equacionar o uso de água pelos pivôs de irrigação, segundo Jorge Enoch: a avaliação da quantidade de água no solo, a associação de dados climáticos à característica da planta e a análise da água presente na própria planta. No oeste da Bahia, onde estão os municípios líderes em desmatamento do Cerrado e uma grande concentração de pivôs, a Embrapa desenvolveu um programa de economia de água com produtores rurais. Somente no manejo e transporte, economizou-se 50% da água usada na irrigação.
Bônus ambiental
Tornar o uso da água mais racional e adotar medidas que garantam o abastecimento hídrico — como preservar uma mata ciliar, que margeia um rio — são ações que precisam ser remuneradas, como prevê um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados. A proposta que cria o programa federal de pagamento por serviços ambientais foi apresentada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em junho de 2009. Outros dois projetos de lei foram apensados — o conjunto está em análise na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.
Desenvolvido pela Agência Nacional de Águas (ANA), o Programa Produtor de Água segue o princípio do pagamento por serviços ambientais. Se o produtor rural desenvolve projetos que reduzem a erosão e o assoreamento dos rios de sua propriedade, é remunerado por isso. Até agora, o programa está em curso em oito cidades, incluído o Distrito Federal (DF).
Outra iniciativa apontada como exitosa é o cadastro ambiental rural, que faz um diagnóstico — por meio de imagens de satélite — dos passivos ambientais nas propriedades rurais. O cadastro está previsto em lei em Mato Grosso. É adotado também na Bahia, no Paraná e no Pará. Foi esse sistema que permitiu que a cidade de Querência (MT) deixasse a lista dos maiores desmatadores da Amazônia. A região é uma confluência do bioma amazônico com o Cerrado. “No Cerrado, o cadastro ainda é uma realidade nova. Nosso objetivo é estimular esse levantamento das reservas legais e das APPs dos imóveis”, afirma o diretor do Departamento de Políticas de Combate ao Desmatamento do MMA, Mauro Pires.
Em Goiás, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estabeleceu uma negociação direta com os produtores do entorno do Parque Nacional das Emas para recuperar reservas legais e APPs, sem necessidade de punição. Cerca de 60 produtores aderiram ao programa, que recuperou nascentes do Rio Araguaia.
Apenas ações “pontuais”
Iniciativas adotadas pelo governo federal com o propósito de impedir a devastação do Cerrado se mostraram, até agora, inócuas. Em setembro do ano passado, um decreto do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva instituiu o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado (PPCerrado), que passou a ser o instrumento oficial de preservação do bioma. Mas ele ainda não incluiu um levantamento — elaborado pelo próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA) — sobre as áreas de nascentes mais desmatadas e vulneráveis à devastação. Esse desfalque dificulta a adoção de uma política pública de conservação dessas áreas de drenagem.
O diretor do Departamento de Políticas de Combate ao Desmatamento do MMA, Mauro Pires, afirma que o estudo ainda será incluído no PPCerrado. “Esse levantamento é útil para o direcionamento das ações. Ele mostra a gravidade da associação entre desmatamento e perda de recursos hídricos.” Mauro Pires reconhece que as iniciativas adotadas até agora são “pontuais”. Para um ganho de “escala”, segundo ele, é necessária a aprovação de um “marco regulatório”, como o projeto de lei que institui o programa de pagamento por serviços ambientais. O diretor do MMA defende que o novo Código Florestal Brasileiro, prestes a ser votado na Câmara, não torne mais brandas as regras para reservas legais e áreas de preservação permanente (APPs). “Novos desmatamentos e diminuição de APPs no Cerrado vão acarretar aumento da seca dos rios.”
Novos estímulos financeiros à recomposição de áreas degradadas no Cerrado ficaram acertados ontem na reunião do conselho deliberativo do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste, em Campo Grande. Um grupo de trabalho foi criado para elaborar uma linha de financiamento voltada para os produtores rurais. Em audiência pública sobre saneamento básico na Câmara dos Deputados, ontem, Sérgio Antonio Gonçalves, diretor de Ambiente Urbano do MMA, citou a série de reportagens do Correio para enfatizar a importância da preservação dos mananciais no país a partir da construção de redes de esgoto. Segundo ele, diante da situação atual de nascentes poluídas, é urgente que o poder público tome providências definitivas para conter a devastação. “Sabemos que fiscalizar e penalizar somente não adianta. Até porque não há uma estrutura de fiscalização que dê conta de toda a demanda.” Sérgio defende a desapropriação, por parte dos governos estaduais, das áreas de mananciais ocupadas. (VS)