O TEMPO
ECONOMIA / 08/09/2007
LUIZ AUVRAY GUEDES
OGoverno Federal está correto em sua decisão recente de decretar o uso da licença compulsória para a fabricação de medicamento relevante para a saúde pública. Por ser o poder concedente de títulos de propriedade industrial, que na verdade constituem desvios ou exceções (monopólios temporários) das regras de livre mercado características do sistema capitalista, lhe é lícito suspender essa concessão quando se tratar de matéria com objetivos de atender ao interesse público. O artigo 5º, XXIX, da Constituição Federal assegura aos inventores privilégio temporário para sua exclusiva utilização, mas condiciona esse direito ao “interesse social e ao desenvolvimento tecnológico do país”.
Por outro lado, vale ressaltar que monopólios são em regra proibidos, sendo que a livre concorrência integra os princípios da ordem econômica, previstos no artigo 170, IV, da Constituição Federal. Portanto, o ordenamento jurídico contempla direitos conflitantes: o direito de exclusividade em face do direito à livre concorrência, ao livre acesso. Especialistas em direito de propriedade intelectual alertam para que não se dê mais alcance ao conteúdo legal dos direitos de patente do que o estritamente imposto para cumprir a função do privilégio e estimular o investimento do titular da patente na industrialização do produto; isto é, que a concessão desses direitos seja restrita à mínima proporção para dar curso à satisfação de tais interesses. Da mesma forma, entendem que não se deve dar à leitura de cada reivindicação maior extensão do que a que resultar do relatório e dos desenhos, enfim, do que é indispensável para proteger – sem excessos – os interesses essenciais do titular da patente, sem ampliações injustificadas.
Aí está o cerne da questão, no tocante ao mercado dos defensivos agrícolas. O segmento representado pelos fabricantes dos produtos genéricos vem acompanhando, na esfera judiciária e na administrativa, pressões de empresas detentoras de patentes, no sentido de estenderem os privilégios originalmente concedidos por esse instituto para prazos que, em alguns casos, já alcançam trinta anos de monopólio. Na esfera judiciária, por meio de vários argumentos extremamente discutíveis, está em discussão a aplicação do parágrafo único do artigo 40 da lei nº 9.279, que preconiza que “o prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção (…)”. Diversos pleitos encontram nos tribunais guarida, após haverem gozado do monopólio durante quinze ou vinte anos. Porém, mais recentemente, visando ampliar o prazo de fruição do mercado na condição de monopólio, empresas detentoras de patentes têm alvejado o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento com uma enxurrada de ações visando bloquear a concessão de registro a produtos genéricos, quando verificada a existência de direito de patente ainda vigente, em favor de outra empresa.
Esse entendimento foi derrubado pela consultoria jurídica daquele Ministério, mediante, entre outros argumentos, o artigo 10-B do decreto nº 4.074, que estabelece que “a observância dos eventuais direitos de propriedade intelectual protegidos no país é de responsabilidade exclusiva do beneficiado, independentemente da concessão do registro pela autoridade competente”. É evidente que a insistência na aplicação dessa manobra sobre o Ministério da Agricultura por empresas detentoras de patente visa apenas a protelação da entrada no mercado de novos produtos que irão estabelecer, pela concorrência, condições mais favoráveis de oferta e que, com certeza, irão produzir importantes benefícios gerais para a economia e, em particular, para os produtores agrícolas. Essa pretensão das detentoras de patente está sustentada na evidência de que a obtenção do registro junto aos órgãos responsáveis por sua análise e expedição – Ibama, Anvisa e Ministério da Agricultura – é um processo moroso, que leva de três a quatro anos, fato esse que confere um prazo adicional à patente, caso o pleito e a emissão de registro sejam efetivados somente após a sua expiração. Essa situação é inaceitável, pois sua essência é a criação de uma forma de barreira à entrada de novos produtos no mercado. A expedição do registro de agroquímicos de produtos protegidos por patente é um ato legal e uma demonstração de que o governo se sujeita às leis nacionais e aos acordos internacionais, mas não às pretensões abusivas de algumas empresas. Cabe ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a simples emissão do registro, pois é impossível fazer confusão entre o poder que tem as patentes, de um lado, e o alcance do registro, de outro, sob pena de tratar privilégio como direito.
Presidente da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina (Abifina)
Publicado em: 08/09/2007