Roberto Rodrigues: ex-ministro da Agricultura; Rodrigues diz que o Brasil precisa se preparar para uma tendência mundial que ele chama de neoprotecionismo
José Maria Tomazela, SOROCABA
O Brasil vai produzir menos grãos nesta safra agrícola. Isso poderá prejudicar também a produção em 2010, que seria ainda menor, provocando o risco de uma disparada no preço de alimentos e da volta da inflação. Na avaliação do ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, atual presidente do Conselho do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o governo pode interferir nesse cenário com medidas imediatas para garantir preços mínimos e assegurar a oferta de crédito para o produtor. Ele lembra que o Brasil precisa criar instrumentos para proteger a sua produção, como outros países estão fazendo, para não ser “comido pelos outros”, o que chama de neoprotecionismo. Em entrevista ao Estado, ele defende a regulação do sistema financeiro que, em vez de apoiar a produção, transformou-se num “mecanismo de gerar dinheiro”.
O agronegócio brasileiro é altamente dependente de crédito, hoje escasso. Como garantir o financiamento da produção?
Precisa haver uma regulação do sistema financeiro, que perdeu a rédea. Ao invés de ser instrumento de desenvolvimento e emprego e de apoiar a produção, transformou-se em mecanismo de gerar dinheiro. O mundo inteiro quer uma nova regulamentação. Minha hipótese é de que o G 20 (grupo dos principais países em desenvolvimento mais os países ricos) poderia ser o fórum para isso. Tem de ser uma coisa negociada. Não acredito numa regulação do sistema financeiro no curto prazo.
O setor pode tirar alguma lição da crise?
O que a crise gerou no mundo todo foi o que chamamos de neoprotecionismo. Os países estão defendendo seus governos e fazendo proteção clara e ostensiva da sua produção. Essa nova fase tem duas vertentes relevantes: a primeira é que esse movimento vai contra a globalização da economia e fragiliza as grandes instituições mundiais, como a ONU e a OMC. Acredito que a Rodada de Doha (negociações para reduzir as barreiras comerciais) vai para o beleléu. Como fazer uma rodada de liberalização num cenário desses? Outra vertente é que, se todo mundo está se protegendo com todas as armas disponíveis, o país que não se proteger será comido pelos outros. É preciso encontrar os meios para isso.
Com a crise a esta altura já consolidada, os efeitos na agricultura estão mais definidos?
Na agricultura brasileira, estamos vivendo uma situação complicada. Na agricultura de grãos, os custos subiram espetacularmente e o crédito diminuiu em relação à demanda por hectare. Os agricultores reagiram plantando menos e com menor tecnologia. A safra de grãos, por essa razão, será menor este ano. A esse fator determinado e certo, somou-se a seca: estados com grande produção, como Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul, tiveram quebras de até 25%. A safra, além de tudo, será pequena em razão desses fatores: custo elevado, pouco crédito e baixa produção.
Qual a tendência para os preços que remuneram o produtor?
Os preços são uma incógnita. Minha tese é que não deveriam cair mais. Os bons fundamentos continuam presentes, como os baixos estoques mundiais e a demanda aquecida. O problema é que a crise parece crescer em direção aos emergentes. Se isso acontecer, a renda cai e seria um desastre para a agricultura. Mas é só na agricultura, pois vai haver alimento e não haverá inflação.
Fala-se também em queda nas exportações agrícolas este ano.
A previsão de queda de 27% nas exportações é do Ministério da Agricultura. As exportações de derivados da cana-de-açúcar, laranja e carnes também estão sofrendo e, segundo os analistas, devem cair este ano em percentuais que variam de 12% a 28%. Além da falta de crédito para exportação, os ACCs (Adiantamentos de Contratos de Câmbio), os mercados ficaram mais limitados e exigentes. Sem conseguir vender, a indústria – usinas, frigoríficos e fabricantes de suco – repassa o problema para o produtor, que não aguenta. O pecuarista, o produtor de cana e de laranja estão quebrando.
Há risco para a economia do País?
O grande risco para o Brasil não é a queda nas exportações. Elas são importantes, mas não são determinantes para a economia ir bem. O País não vai deixar de crescer por exportar menos. A sociedade não será afetada de forma dramática. O problema é o produtor, ele sim, será afetado. Se o produtor não fizer uma boa safra este ano, vamos ter produção ainda mais baixa em 2010. Aí, a sociedade será afetada. Não vai haver oferta para atender à demanda e os preços podem disparar, trazendo inflação.
Frente a esse quadro, o que pode ser feito?
Considerando essas variáveis, precisamos criar imediatamente medidas de proteção para isso não acontecer. O recálculo dos preços mínimos, em bases reais, deve ser imediato. Está na lei: se o preço do mercado cai abaixo do mínimo, o governo pode agir para garantir a renda do produtor e dar segurança ao sistema de crédito. Com uma safra grande este ano, teríamos muito para exportar no ano que vem, sem inflação e com garantia de saldo comercial espetacular. O governo precisa resgatar os preços mínimos, dar ao produtor crédito à vontade para exportação, através dos ACCs, e assegurar capital de giro para o produtor ter condição de estocar, principalmente as usinas que produzem em oito meses para vender em doze.
Quem é: Roberto Rodrigues
Esteve à frente do Ministério da Agricultura de 2003 a 2006
Foi presidente da Organização Internacional de Cooperativas Agrícolas e vice-presidente da Associação Comercial de SP