O Estado de São Paulo – Editorial 1
A rica safra dos subsídios
Algumas das maiores economias do mundo continuam subsidiando amplamente sua agricultura, com grave prejuízo para países pobres e emergentes, e novos subsídios deverão ser pagos nos próximos anos para sustentar os programas de produção e consumo de biocombustíveis. Este é o cenário descrito no relatório divulgado terça-feira pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), formada por 30 nações industrializadas. As velhas subvenções poderão até diminuir – esta é uma condição para o sucesso da Rodada Doha -, mas os fazendeiros do mundo rico e seus porta-vozes políticos ainda farão o possível para evitar, por muito tempo, uma efetiva competição nos mercados do agronegócio.
No ano passado, os países da OCDE pagaram em subsídios US$ 268 bilhões, equivalentes a 27% do total da receita obtida pelo setor rural. Foi uma queda insignificante em relação ao ano anterior, quando o montante pago havia correspondido a 29% do valor faturado pelos beneficiários da ajuda. Essa minúscula variação não indica uma alteração de tendência. A pequena redução do subsídio como porcentagem da receita pode ser explicada, provavelmente, pelo aumento das cotações de mercado. Mas a elevação dos preços, como de costume, pouco afetou o desembolso. Na Europa, principalmente, os produtores subvencionados continuam recebendo gordas porções de dinheiro público mesmo quando os preços aumentam de forma substancial.
Os subsídios europeus continuam sendo os mais generosos. Na União Européia, equivaleram a 32% da receita do setor rural. Na Noruega e na Islândia, a 60%. Nos Estados Unidos, corresponderam a 11% do total recebido pelos agricultores e outros beneficiários. Na Europa, esses “outros” incluem a rainha Elizabeth II, da Inglaterra, e o príncipe Alberto I, de Mônaco.
A maior parte dos subsídios à produção e à exportação contribui para estimular o excesso de oferta e para rebaixar os preços de mercado. O prejuízo vai para os produtores dos países pobres e em desenvolvimento, em geral desprovidos de subvenções. O Brasil está entre os países onde há menor grau de intervenção oficial na formação de preços. Os subsídios brasileiros, segundo a OCDE, cobrem somente 6% da produção.
Apesar disso a produção brasileira ocupa fatias importantes do mercado mundial de soja, carnes, açúcar e álcool – sem contar que o País continua a ser o maior produtor e exportador de café. Mas a presença brasileira no comércio de produtos agrícolas poderia ser maior, se as condições de concorrência fossem eqüitativas. A criação dessas condições deveria ser um dos objetivos centrais da Rodada Doha de negociações comerciais, se não o objetivo principal.
Mas as concessões oferecidas até agora pelos governos do mundo rico foram limitadas, e mesmo essas foram obtidas lentamente e com muito trabalho pelos negociadores do Brasil e de outros exportadores agrícolas. Nem os compromissos de liberalização assumidos na Rodada Uruguai, concluída em 1994, foram integralmente cumpridos. Os processos abertos pelo Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a política americana de subsídios foram motivados pelo descumprimento das obrigações definidas naquele acordo.
Mas não só os subsídios distorcem a formação de preços e as condições de operação dos mercados. Além dos subsídios, as economias do mundo rico protegem seus produtores rurais com elevadas barreiras tarifárias e não tarifárias contra o ingresso de produtos que o Brasil e outros países podem fornecer a preços mais competitivos. A campanha contra a carne brasileira na Europa, iniciada pelos pecuaristas da Irlanda, é um exemplo até cômico de como funcionam os lobbies protecionistas. A última novidade é a tese de que o zebu não é um boi, mas uma mistura de boi com búfalo.
Menos engraçada, mas não menos grave, é a preparação de europeus e americanos para resistir à competição brasileira no mercado de etanol, que deverá crescer consideravelmente nos próximos anos, como parte das políticas de combate à poluição do ar. O Brasil, segundo a OCDE, é o único país em condições de produzir álcool combustível sem pesados subsídios. Os produtores europeus e americanos sabem disso, assim como seus protetores políticos. Enfrentar essa resistência será mais um desafio importante para o setor privado e para a diplomacia comercial do Brasil.