Benedicto Fonseca Moreira*
Superada a inadequada imposição de licença prévia na importação, seria recomendável o governo iniciar discussão sobre a reorganização do comércio exterior, tendo em vista: a importância do setor para a sustentação do desenvolvimento econômico e geração de emprego e como instrumento coadjuvante no combate à inflação, a adaptação à realidade do comércio mundial e a competição em ambiente de protecionismo não-tarifário em contexto de crise.
O governo está despreparado para levar o País a operar competitivamente. O imbróglio da licença prévia é exemplo. Com base em diagnóstico de tendência de possibilidades, aplicaram remédio em dose excessiva.
Licença prévia é mecanismo para racionar importação em situação de desequilíbrio grave do balanço de pagamentos. Foi aplicado no passado por ser compatível com a crise brasileira e a fraca estrutura da exportação, além de usual na economia mundial, ainda saindo do bilateralismo. O governo dispunha de mecanismos, justificativas, objetivos e equipe treinada e não havia riscos de pressão política. A medida é forte e perigosa por ficar no arbítrio de pessoas, com riscos de efeitos colaterais de natureza ética, uso político e perturbações no processo produtivo.
O déficit comercial em janeiro, primeiro mês do ano, de US$ 518 milhões, não dá consistência para romper compromissos externos e tumultuar a estrutura da produção, ainda mais que o País conta com US$ 200 bilhões em reservas cambiais, crédito e ainda força para atrair poupança externa.
Faz parte do jogo o País ser “atacado” por vendedores internacionais, até porque nesses países o comércio exterior é instrumento estratégico e a exportação é medida anticrise. É ingênuo pensar que licença prévia é barragem às importações, apenas tumultua a produção, cria pressões externas e retaliações, fomenta lobby interno e descaminho.
Em 2009 a balança comercial tenderá ao equilíbrio relativo. Deverá, porém, ser dada atenção à conta serviços e rendas. A ausência de superávits comerciais que compensem o crescente déficit da conta resultará em elevado déficit em transações correntes. Há anos, a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) vem salientando a tendência a déficit estrutural, por falta de políticas de produção e de exportação de mercadorias e serviços.
Licença prévia não é a solução para desajustes estruturais. Se há preocupação com a tendência das contas externas, o governo deveria discutir programa para: 1) Reorganizar o sistema de comércio exterior, tendo como referenciais forte sistema colegiado de decisões, evitando conflito de autoridades; criar ministério do comércio exterior, serviços e transportes aquaviários; implementar administração aduaneira profissional e sistema de proteção comercial eficaz; e desburocratizar; 2) suspender, temporariamente, importação financiada de bens de consumo e limitar prazo de pagamento para insumos não estratégicos; 3) capacitar para a aplicação efetiva da valoração aduaneira; 4) revisar as normas antidumping e antissubsídios; e 5) revisar a confidencialidade das estatísticas comerciais. O governo dispõe dos dados para analisar preços de importação, mas, se quiser ser mais eficiente, tem de dar acesso aos setores produtivos.
Nos últimos 20 anos, o governo brasileiro pôs o comércio exterior como mero acessório. Os demais países fizeram reservas protecionistas. Não fizemos nenhuma e promovemos reduções tarifárias unilaterais.
O País quer estar presente e ser ouvido nos fóruns mundiais, mas não se preparou nem adquiriu consistência e musculatura. Acompanhou a evolução da abertura econômica, mas não fez a lição de casa. Não deu atenção à educação e ao treinamento, vitais à competitividade; não modernizou a estrutura do poder público nem fez a reforma político-institucional. Isto é, não se adequou à abertura e inserção internacional, que exige modernização competitiva dos instrumentos de apoio à produção e exportação. O episódio da licença prévia deixa claro que o caminho há de ser a mobilização empresarial para convencer o governo de que o País tem de ser competitivo, condição para sustentar a crescente exportação de bens e serviços e barrar pressões por importação.
O Brasil tem tendência à vulnerabilidade externa, que não será corrigida com licença prévia de importação, mas adequada e permanente política de produção e modernização da política de comércio exterior, reconhecendo seu papel na sustentação do desenvolvimento econômico e social.
*Benedicto Fonseca Moreira é presidente da AEB