A peleja da economia contra a ecologia

Ninguém devasta por maldade mas por ignorância e impunidade. Estudos mostram como ganhar dinheiro com a floresta sem destruí-la

26 de dezembro de 2005 | Sem comentários Produção Sustentabilidade
Por: Revista Veja Leonardo Coutinho










 
O principal vilão do desmatamento da Amazônia é o homem. Desde que começou a ocupação intensiva da região, nos anos 70, cerca de 67 milhões de hectares de mata já foram destruídos, uma área igual a três vezes a do estado do Paraná. Parte da exploração econômica da Floresta Amazônica se dá de forma ilegal – é o caso da extração de madeira, já que apenas 20% do setor age de acordo com as normas estabelecidas pelo governo. Outra parte é fonte de divisas para o país. Uma parcela considerável do agronegócio que garante os superávits comerciais brasileiros está na Amazônia. O maior rebanho do país se encontra na região, concentrado nos estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia; 33% das cabeças de gado no Brasil estão na Amazônia, que tem também o rebanho que mais cresce no país – 6,9% ao ano, muito acima da média nacional, de 0,67%, de acordo com um levantamento recente feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). A expansão de fazendas de gado abre espaço para a soja. Foi sobre as pastagens abandonadas que floresceram as áreas de plantação do cereal, na Amazônia mato-grossense e paraense. Ambas – agricultura e pecuária – são as responsáveis por 80% do desmatamento da região, ocupando uma área equivalente à de dois países do tamanho da Itália. As próprias reservas extrativistas do Acre, símbolo da propaganda ambientalista do governo e bandeira das várias ONGs em atuação na região, acabaram se revelando danosas para a floresta. Os seringueiros vêem nos bois um negócio melhor do que o extrativismo e desmatam suas pequenas propriedades para criar gado. “A verdade é que ninguém corta árvores por maldade. A destruição da Amazônia está associada diretamente às atividades econômicas e à sobrevivência”, avalia Virgílio Viana, secretário de Meio Ambiente do Amazonas, um engenheiro florestal com pós-doutorado na universidade americana Harvard.

O que fazer, então? Preservar a floresta em detrimento da economia? As novas tecnologias sinalizam que hoje em dia é perfeitamente possível conciliar as duas coisas. “Pesquisas recentes atestam que se pode combinar a conservação do ecossistema com o uso intensivo e inteligente das áreas já alteradas”, diz José Maria Cardoso da Silva, vice-presidente da ONG Conservação Internacional. Existem várias iniciativas nesse sentido, ainda isoladas. No Acre, estado onde mais cresce o rebanho bovino, a Embrapa desenvolve programas de melhoria das pastagens que já dobraram a densidade de cabeças por hectare. Em Mato Grosso, a ONG Aliança da Terra, presidida pelo pecuarista americano John Carter, elabora, com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, uma série de normas ambientalmente corretas. O objetivo é criar um “selo verde” para a carne produzida dentro de técnicas ecologicamente sustentáveis, o que facilitaria a comercialização fora do país. Gigantes do agronegócio em operação na região, como a Bunge, a Cargill e o grupo André Maggi, aliaram-se a organizações ambientais para desenvolver técnicas produtivas racionais.

Umas das chaves para corrigir o modelo de desenvolvimento que se implantou na região está no reaproveitamento das áreas desmatadas. Os cientistas que defendem essa tese afirmam que o espaço já alterado seria suficiente não só para suprir as demandas dos setores em atividade na Amazônia, mas também para ampliar a capacidade produtiva local. Uma das contas que servem de base para o argumento é a do agrônomo paraense Alfredo Homma, do Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Úmido, da Embrapa. Segundo sua tese, a Amazônia já tem terra suficiente para dobrar a área agrícola do país sem que uma única nova árvore seja jogada no chão. “Uma boa política agrícola para a Amazônia é mais importante para resolver os problemas ambientais do que a própria política ambiental”, desafia Homma.

Existem, com certeza, maneiras ecologicamente corretas de explorar a agricultura, a pecuária e a extração de madeira nas florestas. Quando se examinam os principais casos de preservação do mundo, no entanto, chega-se a uma conclusão que parece óbvia: os países que melhor conservaram suas matas são aqueles que não precisaram delas economicamente. O exemplo mais citado é o da Costa Rica, país com 4 milhões de habitantes e área pouco maior que a do Espírito Santo. Em 1980, a Costa Rica já havia desmatado 60% de sua floresta tropical. Depois disso, a revolução educacional implementada duas décadas antes começou a dar frutos. O país se tornou atrativo para empresas de alta tecnologia que tinham interesse em mão-de-obra qualificada e barata e não queriam perder o contato com o mercado americano. A primeira a se estabelecer lá foi a Intel, em 1997. “O impacto da chegada dessa companhia à Costa Rica só se compara ao advento do café, no século XVIII”, diz a economista costa-riquenha Monica Araya, diretora do projeto Américas Sustentáveis, da Universidade Yale, nos Estados Unidos. “Com a Intel, aprimoraram-se as boas práticas ambientais e foram gerados empregos em torno de um cluster de tecnologia.” O país, que já vinha parando de desmatar graças a um inédito sistema de compensação financeira voltado para quem preservasse a floresta ou bancasse programas de reflorestamento, teve novo impulso para ganhar dinheiro com a mata em pé. Com os recursos gerados pela alta tecnologia, o ecoturismo se profissionalizou, tornando-se a segunda fonte de receita do país – superando a agricultura, a pecuária e a extração de madeira.

É possível repetir o caso costa-riquenho no Brasil? A resposta é: em termos. Um dado a favor dessa tese é que o estado brasileiro que abriga a maior porcentagem de floresta é o Amazonas, onde se situa o Pólo Industrial de Manaus (PIM). Cerca de 36% da mata amazônica está lá. Alguns especialistas acreditam que haja uma relação direta entre as duas coisas. “O PIM não apenas salvou a economia como também a floresta dessa parte do Brasil”, diz o economista Rodemarck Castelo Branco, professor da Universidade Federal do Amazonas. A teoria se baseia no fato de que, por concentrar o grosso da atividade econômica na capital, o PIM tirou a floresta do foco e também passou a gerar receita para que o estado bancasse projetos de desenvolvimento sustentado no interior. A indústria é a principal atividade econômica da Região Norte, respondendo por 23% de seu produto interno bruto, contra 13% da agricultura e apenas 3% da pecuária. Para manter o Pólo Industrial de Manaus, o contribuinte brasileiro arca com 4,5 bilhões de reais por ano em subsídios, mas esse dinheiro acaba voltando em forma de impostos. Para cada real investido no PIM, 1,33 retorna como arrecadação. Quanto à questão do ecoturismo, há dúvida sobre se ele poderia se tornar uma atividade rentável na Amazônia, pelo menos na mesma proporção da Costa Rica. O perfil dos que visitam a região com a finalidade de conhecer a floresta é de estrangeiros de classe média alta. É difícil massificar esse contingente porque a distância do Hemisfério Norte é grande, o que implica um custo de transporte aéreo muito alto – ao passo que a Costa Rica está próxima do maior mercado do mundo, os Estados Unidos. Estimativas dão conta de que, mesmo com investimento na estrutura dos parques e na rede de transportes da Amazônia, o ecoturismo teria potencial para ocupar um nicho de no máximo 2% da economia da região.
 

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