A mania dos orgânicos

Os alimentos sem agrotóxicos viram moda ao vender a idéia de que são mais saudáveis

21 de novembro de 2005 | Sem comentários Café Orgânico Produção
Por: Revista Veja por Rosana Zakabi








Modismos
alimentares que prometem mais saúde costumam entrar e sair de moda no ritmo das
estações do ano. A carne vermelha, a margarina e o chocolate são apenas três
exemplos de alimentos que se alternam entre os papéis de herói e de vilão nos
cardápios. O atual fenômeno no campo das dietas saudáveis prega uma idéia
diferente: todos os alimentos fazem bem desde que sejam cultivados sem
agrotóxicos, hormônios de crescimento, conservantes ou fertilizantes químicos.
Se produzidos de acordo com tais preceitos, são chamados de orgânicos. Há menos
de uma década, essa expressão evocava pequenas hortas nas quais se cultivavam
legumes e verduras meio ao estilo hippie. Hoje, os produtos orgânicos atraem
cada vez mais consumidores e já alcançam um peso significativo no setor agrícola
de muitos países. No Brasil, desde 2000 o mercado de alimentos orgânicos cresce
à razão de 50% ao ano. A previsão é que em 2005 fature 300 milhões de dólares,
um naco que representa 0,5% do faturamento da indústria de alimentos no país. Na
maior rede de supermercados brasileira, os orgânicos já representam 8% de todos
os alimentos comercializados.




Embora legumes, verduras e frutas sejam os
alimentos orgânicos mais consumidos, as carnes bovina e de frango, além dos
ovos, hoje também podem fazer parte dessa categoria. Para que a carne seja
considerada orgânica, o gado não recebe medicamentos veterinários, à exceção das
vacinas. Para combater doenças, os animais são tratados com remédios
veterinários homeopáticos. O frango orgânico não pode receber ração com hormônio
de crescimento, prática corrente nas granjas convencionais para que as aves se
desenvolvam mais rapidamente. Outros produtos facilmente encontrados em versão
orgânica são o mel, a soja, o café, o açúcar, o cacau e as castanhas. No
caso do mel, o apiário deve estar localizado numa região em que as abelhas só
consigam recolher néctar e pólen em flores de áreas livres de agrotóxicos ou
lixões. O açúcar não passa pelo refino industrial e, por isso, não contém os
aditivos químicos usados nesse processo. Para ser considerado orgânico, o
produto precisa ganhar um selo de qualidade emitido por alguma das entidades que
monitoram a produção desses alimentos no Brasil, como a Associação de
Agricultura Orgânica e o Instituto Biodinâmico, ambos de São Paulo. Alimentos
transgênicos, como seria de esperar, estão banidos do receituário orgânico.


Mas, afinal, os alimentos orgânicos são mais saudáveis do que os
convencionais? “O valor nutricional é exatamente o mesmo”, informa a
nutricionista Anita Sachs, da Universidade Federal de São Paulo. Quanto aos
agrotóxicos, não há evidência científica de que façam mal para a saúde quando
ingeridos com os alimentos. Apenas trabalhadores rurais expostos continuamente a
herbicidas, fungicidas e inseticidas por meio da pulverização desses produtos
podem sofrer conseqüências como dores de cabeça, náuseas e, segundo alguns
estudos americanos, doenças neurológicas e câncer. “A quantidade de agrotóxicos
consumida diariamente nos alimentos é ínfima, não tem nenhum efeito sobre o
organismo”, diz o médico Ângelo Zanaga Trapé, da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Muitos entusiastas dos alimentos orgânicos garantem que eles
são mais saborosos – mas, evidentemente, gosto não se discute.

O apelo
dos alimentos orgânicos é sobretudo psicológico. Numa associação imaginativa de
causa e efeito, algumas pessoas cultivam a noção de que, por serem livres de
aditivos químicos, esses alimentos deveriam fazer bem à saúde. Segundo uma
pesquisa recente do Instituto Ipsos, 14% dos brasileiros que vivem nas grandes
cidades consomem algum tipo de produto orgânico e o fazem por causa da imagem de
pureza que esses alimentos transmitem. Esses consumidores acreditam que, ao
incluir mais orgânicos nas refeições diárias, diminuirão o risco de doenças como
hipertensão e infarto. Muitas pessoas também estão convencidas de que, ao
consumir orgânicos, praticam uma boa ação. “Para muita gente, essa é uma forma
de contribuir para a preservação da biodiversidade, já que os produtos orgânicos
são produzidos sem agressões ao meio ambiente”, diz Rogério Pereira Dias,
coordenador-geral de desenvolvimento sustentável do Ministério da Agricultura.


Os alimentos orgânicos custam bem mais do que os convencionais. Sem os
fertilizantes sintéticos que estimulam o crescimento acelerado das plantas, o
rendimento da lavoura orgânica é baixo. O preço não chega a intimidar os
consumidores dos alimentos orgânicos. “Nossos clientes estão cada vez mais
preocupados com a saúde e com a longevidade, por isso o consumo de orgânicos,
assim como o de produtos light e diet, não pára de crescer”, diz Sandra Caires
Saboia, gerente de compras da rede de supermercados Pão de Açúcar, na qual a
venda de orgânicos quintuplicou nos últimos quatro anos. Nos Estados Unidos, os
supermercados também abrem cada vez mais espaço para os orgânicos. Na rede
Wal-Mart, a maior do país, eles já representam 10% dos produtos alimentícios
vendidos nas lojas – em 1999, representavam apenas 1%. Até o McDonald’s se
rendeu aos orgânicos. Seus restaurantes nos Estados Unidos há pouco começaram a
vender cafés orgânicos da empresa
Newman’s Own Organics, da filha do ator Paul Newman. Se o produto fizer sucesso,
em breve será oferecido em outras lojas da rede. Isso, é claro, até o próximo
modismo alimentar se espalhar pelo mundo e ninguém mais se lembrar dos produtos
orgânicos.

ORGÂNICOS E CAIPIRAS

Os ovos
representam um caso pontual em que os alimentos orgânicos podem ser mais
saudáveis que os comuns. As galinhas das quais os ovos orgânicos provêm não
recebem antibióticos nem hormônios de crescimento, prática comum nas avícolas
para acelerar o desenvolvimento das aves. Estudos americanos sugerem que os
hormônios podem estar associados à puberdade precoce nas meninas e às disfunções
no ciclo menstrual das mulheres. Não se devem confundir os ovos orgânicos com os
ovos caipiras, gerados por galinhas que podem buscar sua alimentação no solo, à
moda antiga.

O TOMATE É O CAMPEÃO DO AGROTÓXICO. FAZ MAL?


Na mesa do brasileiro, o tomate é o alimento que mais contém
defensivos agrícolas. Pulverizado sobre as plantações, o agrotóxico permanece
concentrado na casca e na polpa do fruto. Isso não significa que comer tomates
represente um risco à saúde. De acordo com o médico toxicologista Ângelo Zanaga
Trapé, da Unicamp, para que os agrotóxicos causassem algum tipo de intoxicação
no organismo, seria necessário ingerir num único dia 1 000 quilos de tomate, o
suficiente para encher a caçamba de uma caminhonete.

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