A inflação de alimentos vai cair por Nelson Blecher

17 de janeiro de 2012 | Sem comentários Análise de Mercado Mercado
Por: Globo Rural

17/01/2012 
 
Nelson Barrizzelli, economista, consultor de varejo e pequeno produtor de café
 
por Nelson Blecher
Para o economista Nelson Barrizzelli, o patamar da inflação, no que depender da agricultura, irá baixar. “É verdade que a inflação hoje está sendo puxada pelos alimentos”, afirma. “O aumento exponencial do consumo provocado pela entrada em cena das classes C e D foi maior e ocorreu mais velozmente do que a demanda projetada, mas os preços irão se normalizar com o aumento da produção.” Na dupla condição de professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e produtor de café, Barrizzelli, especializado em varejo, diz não acreditar que a tendência de concentração do setor de supermercados tenha influência no aumento de preços: “A competição corre solta no setor, e são as grandes lojas que fazem as melhores ofertas para atrair os clientes”.


Globo Rural > Até que ponto o desempenho agrícola é fiador de índices de inflação baixos?
Nelson Barrizzelli > O agronegócio sempre foi tratado pelo Estado brasileiro como uma atividade de menor importância. Foi tão abandonado e sujeito a uma série de usos indevidos até chegar ao ponto em que os recursos públicos secaram. Nesses últimos 15 anos, enquanto os produtores aportavam tecnologia e se profissionalizavam, aquelas grandes vantagens dos anos 1960, 70 e 80 simplesmente desapareceram. O crescimento obtido nesse período deveu-se aos esforços dos produtores. O Brasil poderia oferecer maiores volumes, capazes de reduzir a possibilidade da volta da inflação. Não me refiro àqueles níveis do passado. A questão é que deveríamos ter um índice mais próximo dos mercados desenvolvidos. Uma inflação de 6,5% ao ano é exageradamente elevada. O ideal seria um patamar abaixo de 4,5%.


GR > Mas então o que aconteceu?
Barrizzelli > Sucede que entraram em cena no mercado, de uma forma inesperada, novos e numerosos contingentes das classes C e D. Os alimentos subiram de preço porque não se conseguiu aumentar a produção na mesma velocidade. Com isso, têm puxado a inflação. O caso da carne é o mais emblemático. Mas, gradativamente, acredito que isso irá se normalizar. À medida que há uma forte demanda, segue-se a tendência de um forte aumento da produção.


GR > Quer dizer que a demanda real de consumo superou a projetada?
Barrizzelli > Sim, se olharmos para quatro ou cinco anos atrás. Isso ocorre devido a uma certa distorção na análise dos números. A maneira mais adequada de enxergar o futuro é olhar para os indicadores antecedentes. Ocorre que vínhamos de uma demanda muito fraca. Em qualquer projeção futura, ninguém iria imaginar um crescimento tão rápido. Em 2002, o PIB brasileiro era de US$ 500 bilhões. No ano passado, alcançou US$ 2 trilhões. Mesmo descontando o efeito do câmbio, o PIB cresceu muito mais velozmente do que entre 1996 e 2002. A renda per capita saltou de US$ 3.500, em 1980, para atuais US$ 11 mil. Esse conjunto de fatores acelerou o crescimento de tal modo que a reação em toda a estrutura produtiva brasileira, principalmente no agronegócio – que depende de safra, clima e investimentos –, não foi suficiente para suportar o aumento de demanda. Os produtos importáveis complementaram a demanda interna, mas o Brasil não importa alimentos – e, mesmo que quisesse, isso não é fácil.


GR > Os preços também sobem devido ao sistema de distribuição?
Barrizzelli > Há um problema seriíssimo no mercado interno de circulação de mercadorias. Há estradas de péssima qualidade. Há também a questão logística. Um caminhão a dez quilômetros de São Paulo gasta mais tempo para entrar na cidade do que levou para rodar 300 quilômetros. O trânsito é caótico, o frete é elevado. Evidentemente que esse desajuste tem um custo enorme, que pesa no preço dos alimentos. Além disso, não existe nenhuma política efetiva para estoques de reserva. O Ministério da Agricultura, que deveria ser o órgão que faz a regulação de estoques, está desestruturado. Acabamos de assistir agora ao escândalo de corrupção na Companhia Nacional de Abastecimento. Vejo o agricultor brasileiro como um grande herói, que luta contra tudo e contra todos. Ele raramente consegue fazer um contrato de preço predeterminado antes da safra. Geralmente, o que consegue com cooperativas ou grandes empresas que fornecem insumos é consignar parte da safra in natura para pagar no futuro. Ninguém garante preço. Há o mercado futuro, altamente especulativo, mas, se o produtor tentar entrar, vai quebrar a cara.


GR > A crescente concentração do varejo também não gera pressão?
Barrizzelli > De jeito nenhum. A competição corre solta, principalmente em relação aos alimentos. Dos R$ 240 bilhões movimentados por alimentos no ano passado, as grandes lojas responderam por 32%. O restante ficou com pequenas e médias lojas e com as tradicionais mercearias e os sacolões. O que os grandes fazem é puxar o preço para baixo. Os alimentos in natura e industrializados representam 40% das vendas de supermercados. As grandes lojas parametrizam os preços e os demais acompanham.


GR > Existe risco real de desaparecimento do pequeno varejo no Brasil?
Barrizzelli > O impacto da obrigatoriedade da nota fiscal eletrônica será muito forte, dentro de três a quatro anos, para os pequenos e médios varejistas que não se profissionalizarem. O Brasil ainda vive uma informalidade, tendo em vista seu PIB potencial, de 30% a 40%. Vamos descer para o nível dos países desenvolvidos, de 10% a 15%. Os pequenos e médios varejistas terão de aumentar seu grau de eficiência ou então obter proteção semelhante à das microempresas.


GR > E quanto ao desempenho do mercado externo?
Barrizzelli > Não estamos sabendo aproveitar seu potencial. O importador tem preferência por produtos in natura porque prefere agregar valor e gerar empregos internamente. O país exporta grãos para depois importar soja industrializada, caso da proteína de soja. Poderíamos fazer isso no Brasil. O caso do café é o mais dramático. O maior exportador de café do mundo é a Alemanha, que não tem um pé de café nem em seu horto florestal. Países desenvolvidos como a Alemanha importam café em grão de emergentes, processam e passam a trabalhar suas marcas. O Brasil nunca se preocupou com isso. Café, no mundo inteiro, é café da Colômbia, que produz volumes menores que o Brasil. Como primeiro produtor de café do mundo, estamos importando da Europa café com alto valor agregado por conta de atividades de marketing no país de origem, caso do Nespresso, da Nestlé.


GR > Mas há um ativo segmento de café gourmet, e o senhor ingressou nele…
Barrizzelli > Estou tentando com a marca Rochella, mas é quase impossível. Meu conselho a pequenos e médios produtores é: não tente entrar em canais de varejo diretamente. O café de alta qualidade tem de ser vendido a R$ 40 o quilo, enfrentando concorrentes que custam R$ 11 ou até R$ 5. Como o consumidor brasileiro não tem conhecimento das diferenças, acaba comprando pelo preço. É por isso que produtores como Suplicy e Octavio buscam os consumidores com redes de cafeterias, o que vai ajudar a educar o consumidor. Há uma rede de oito cafeterias carioca que oferece blends personalizados. Iniciativas como essa farão com que o brasileiro passe a distinguir o café pela qualidade. Quem tiver paciência e dinheiro para investir, daqui a dez anos, terá muito sucesso. O futuro na área do café é por aí. 

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