A geada que mudou a economia agrícola do Paraná
Karla Matida | Folha de Londrina
Ao completar 35 anos, a grande geada de 1975 que dizimou milhares de cafezais funcionou como um \’\’divisor de águas\’\’ na história da agricultura paranaense – Páginas da Folha do dia 19 de julho de 1975 trouxeram declarações dramáticas do então governador Jaime Canet: ‘‘Não sobrou um único pé de café no Paraná’’
\’\’Aquilo é para lembrar chorando\’\’, avisa logo o produtor rural Wilson Baggio, de Cornélio Procópio. Às vésperas de completar 30 anos, a grande geada de 1975 faz parte da memória dos paranaenses. O dia 18 de julho ficou marcado como um \’\’divisor de águas\’\’ na história do Estado. O café, até então estrela maior da agricultura norte-paranaense, foi arrasado pelo fenômeno. \’\’Foi o golpe de misericórdia para o café plantado daquele jeito\’\’, explica o jornalista Jota Oliveira, que na época era um dos editores da Folha e foi um dos primeiros a percorrer a região atrás de notícias.
Quem viu os cafezais dizimados pelo frio até hoje não esquece a imagem desoladora. \’\’A gente sentia o cheiro forte de folha queimada\’\’, lembra o corretor de café Marcos Bacceti, que também visitou as plantações logo nas primeiras horas da manhã após a geada. Nas páginas da Folha do dia 19 de julho, a repercussão passou pelas declarações dramáticas tanto do então governador Jaime Canet quanto do presidente da Sociedade Rural do Paraná [SRP], Manoel Garcia Cid.
\’\’Não sobrou um único pé de café no Paraná. A lavoura de trigo foi dizimada. As demais culturas não existem mais\’\’, disse o governador em seu relato ao presidente Ernesto Geisel. Para Garcia Cid, o tom foi ainda mais severo: \’\’Está decretado o fim da cafeicultura no Paraná. A cafeicultura está de luto. Nunca houve uma geada tão forte. O café está totalmente destruído\’\’, declarou o presidente da SRP.
No mesmo dia 19, Londrina recebeu a visita do ministro da Indústria e Comércio Severo Gomes e o presidente do Instituto Brasileiro do Café [IBC], Camilo Calazans de Magalhães. A situação era de muita apreensão e, é claro, ultrapassou as fronteiras do Paraná, que então era responsável por 25% de toda a produção mundial de café. O Estado chegou a produzir 21 milhões de sacas quando a safra do planeta batia nos quase 90 milhões de sacas. \’\’Foi o maior contingente de café que já existiu no mundo\’\’, conta Baggio, lembrando que até 1975 cerca de 1 milhão e 600 mil hectares paranaenses eram dedicados ao plantio de café.
Se a visão dos cafezais queimados pelo frio foi aterrorizante desde o princípio, os números foram assustando com o passar dos dias. \’\’O choque foi tamanho que não se pensou no futuro\’\’, lembra Bacceti. Os preços subiram e o mercado mundial, segundo o corretor, foi sentir o efeito em 1976 e 1977. Naquela época, a saca beneficiada chegou a ser vendida entre US$ 360 a US$ 500. Atualmente, numa semana de bons preços, o valor da safra novíssima, de acordo com Bacceti, atinge a marca a US$ 116.
Depois da geada e da reorganização da agricultura paranaense que viu a chegada da soja e outras culturas , o Estado produz cerca de 1 milhão e 500 mil sacas [numa plantação que domina cerca de 100 mil hectares] e figura apenas em quinto lugar na produção do Brasil. Minas Gerais lidera o ranking nacional carimbando a de da produção do País, seguido do Espírito Santo e São Paulo. \’\’Até a Bahia produz mais\’\’, diz Baggio, indignado.
Por \’\’teimosia\’\’ como ele mesmo diz, Baggio continuou plantando café no Paraná. Como ele, foram poucos os que persistiram. Muitos produtores migraram para outras terras, principalmente as mineiras. \’\’O Paraná foi um espelho para a cafeicultura de outros Estados\’\’, conta Bacceti. \’\’Apesar de ter sido muito triste, a geada acabou sendo saudável para o Paraná\’\’, diz Bacceti.
\’\’Foi vital para a expansão forte da pecuária, da soja, milho, trigo e cana-de-açúcar\’\’, explica o corretor. \’\’A geada foi avassaladora e não poupou ninguém. Mas todos se envolveram em busca de alternativas\’\’, lembra. Uma novidade foi o jeito diferente de plantar. \’\’As pesquisas do café adensado do Instituto Agronômico do Paraná [Iapar] foram apressadas\’\’, conta o jornalista Jota Oliveira.
Os pés de café eram mais altos e demandavam mais espaço. As plantações eram feitas sem grandes preocupações por conta do alto grau de fertilidade das terras. Algo que hoje é impensável. Para quem planta ou pensa em plantar café, a regra básica é procurar regiões mais altas e também buscar sempre a face norte. \’\’Nas regiões mais baixas acontece a drenagem do ar frio\’\’, explica o engenheiro agrônomo Paulo Caramori.