Ferramentas de previsão cada vez mais confiáveis ajudam produtores a evitar, em dias de chuva ou sol, surpresas desagradáveis nas lavouras
E então, seu Henrique, vamos adubar hoje?”. A pergunta é invariavelmente feita por funcionários da fazenda de Henrique Sávio Senedese, que há cinco anos produz café em uma área de 120 hectares, na cidade de Guaxupé, em Minas Gerais. Munido das informações do dia, ele responde: “Vamos, sim, que já vem chuva”. O empresário sabe que, para manter um bom padrão de qualidade na produção, não é suficiente observar se formigas estão andando de um ponto a outro em fila – como ensina a sabedoria popular – para descobrir que o tempo vai virar. Ciente dos avanços científicos e tecnológicos conseguidos por estudiosos dos fenômenos atmosféricos, Henrique Sávio Senedese vai ainda mais longe. Entre dados de temperatura, umidade do ar, chuva, radiação solar e velocidade do vento, tudo é bem-vindo. “Como fico de olho nas previsões, consigo me antecipar e ter certeza de quais medidas tomar para melhorar a produtividade.” Evolução Jurandir: análise de quantidade de água no solo e riscos de geadas A agrometeorologia indica quais épocas do ano são melhores para o plantio de determinadas culturas, baseada em informações climáticas.No Brasil, a agricultura é considerada a grande usuária da técnica. Sendo assim, nas últimas décadas houve um esforço considerável no sentido de simplificar as informações geradas pelo desenvolvimento na área. “Tudo para que o homem do campo tenha maior poder de decisão na execução de plantio, colheita, irrigação e aplicação de adubos e defensivos”, afirma Therezinha Xavier Bastos, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Um dos principais avanços conseguidos pela agrometeorologia nos últimos dez anos foi a melhoria do horizonte de previsão do dia-a-dia e o aumento da confiabilidade. Hoje, é possível prever com segurança o que acontecerá com o tempo nos próximos quatro dias. “Com a precisão evoluindo, os dados que utilizamos para fazer produtos para agricultura, como, por exemplo, estimar a quantidade de água no solo e risco de geada vão sendo beneficiados também”, afirma Jurandir Zullo Jr., diretor do Cepagri – Centro de Ensino e Pesquisa em Agricultura. O que os cientistas defendem é que a agricultura continua sendo uma atividade de risco, mas a previsão do tempo ajuda a minimizar danos. “Se atentarmos para dados do início da década de 90, cerca de 90% das perdas no campo tinham como causa a falta de água no período que a cultura mais precisava ou excesso de água na época da colheita”, afirma Zullo. Portanto, saber se vai chover ou não representa uma informação tão valiosa quanto conhecer técnicas de cultivo e manejo. Inovação O pesquisador fala com a propriedade de quem participa de um projeto inovador em agrometeorologia: o Agritempo. Em atividade há três anos, o sistema, desenvolvido em conjunto pela Embrapa e Unicamp – Universidade Estadual de Campinas, reúne dados climáticos de aproximadamente mil estações brasileiras, de redes públicas e particulares, e os torna acessíveis de forma gratuita pela internet. Ao todo, são quase 30 serviços de gráficos e mapas atualizados diariamente, que cruzam informações sobre porcentagem de água no solo, condições de manejo, tratamento fitossanitário, entre outras, e geram recomendações de procedimento aos agricultores. “O número tende a crescer, na medida em que forem surgindo mais parcerias ou que as pessoas sintam necessidade de novos produtos”, conta Luciana Alvim Romani, pesquisadora da Embrapa Informática Agropecuária. Entre os cerca de quatro mil usuários diários do Agritempo está a Cooxupé, cooperativa da qual o cafeicultor Senedese faz parte. Como muitos dados meteorológicos podem ser acessados apenas pelo computador, a empresa atua como uma intermediária, fixando em murais os relatórios divulgados na rede mundial. Joaquim Goulart de Andrade, gerente de desenvolvimento técnico da Cooxupé, concorda que a exatidão é um dos pontos fortes do sistema, mas faz uma reclamação. “A precisão é ainda pequena em termos de dias, precisamos de um tempo maior.” Esforço De fato, estatísticas do Agritempo apontam que a possibilidade de acerto é elevada: 95% de um dia para outro e 60%, no período de quatro a cinco dias. Mesmo assim, o protesto de Andrade é aceito pelos estudiosos. Há tempos, eles tentam encontrar um modo de estender a confiança na previsão para até 15 dias. “Com isso, poderíamos aplicar alguns recursos, como cobrir mudas de café em épocas de geadas ou programar colheita e plantio com uma antecedência maior do que já temos”, diz. A tendência de antever o que as mudanças climáticas reservam aos agricultores tem sido explorada há dez anos pelo zoneamento agrícola. Este programa do Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento concilia mapas sobre níveis de potencialidade e de riscos para os plantios com a aptidão agrícola dos solos, a fim de delinear quais são as áreas adequadas para determinadas culturas. “Não fica naquele sistema do Pero Vaz de Caminha, em se plantando tudo dá; até dá, mas não com valor econômico”, compara Zullo. Além do Ministério da Agricultura, a Conab – Companhia Nacional de Abastecimento, e o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, têm buscado meios para utilizar os benefícios da previsão meteorológica. No caso dessas duas entidades, elas procuram tornar mais objetiva a previsão de safra no Brasil, já que o sistema atual é baseado em questionários, um tanto inexatos. Tendo o Agritempo como suporte, as estimativas sobre como está a evolução das principais culturas, a partir das condições do clima, são muito mais condizentes com a realidade. Embora a longo prazo, isso seria uma forma de melhorar os gargalos logísticos. “Quanto mais antecedência, melhor é possível planejar a necessidade de compra de produto que vai faltar, regular melhor o estoque, além de todo o sistema de distribuição”, afirma o diretor do Cepagri. Se os cientistas garantem que em breve será possível ampliar a previsão para uma quinzena, também há planos de ir mais adiante, dando enfoque à chamada previsão climática, que sugere como vai ser a estação, mais chuvosa ou mais seca. Futuro O grande desafio dos técnicos será transformar o dado de longo prazo em algo mais útil para o agricultor, procurando meios de clarear a informação a ele. “Se você diz que amanhã vai chover e a cultura está precisando de água, o produtor sabe que precisa segurar a irrigação; mas se você fala que daqui a três meses vai chover bastante, o agricultor não sabe como se planejar até lá”, diz. Rios ficaram secos na Amazônia Cidades antes à beira de grandes lagos e rios têm o cenário repentinamente mudado. O que resta são pequenos filetes d’água, cercados por uma vegetação gramínea, paisagem que se assemelha muito mais ao semi-árido do que à maior floresta tropical do mundo. Entre agosto e outubro de 2005, a Amazônia sofreu com séria falta de chuvas. Segundo técnicos, a causa principal teria sido um padrão de águas muito mais quentes que a média no Oceano Atlântico, na região do Caribe. “Isso fez com que houvesse muitas precipitações no mar e a formação de uma corrente ascendente de ar, que desceu na região, sobretudo no oeste da Amazônia”, afirma Carlos Nobre, pesquisador titular do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Existem ainda outras hipóteses, mais especulativas. Uma delas é que, como o oeste da floresta ficou muito tempo em situação de seca – as chuvas do começo do ano foram abaixo da média -, os rios entraram na estação seca bem mais baixos que o normal. Outra, seria a constante ocorrência de queimadas. “Estudos comprovaram que as queimadas podem diminuir as poucas chuvas no fim do período seco e atrasar o início do chuvoso”, diz. Carlos Rittl, coordenador da campanha de clima do Greenpeace, concorda que o desmatamento é um dos fatores que contribuiu para a estiagem. “Como entre agosto de 2001 e julho de 2004 perderam o verde 7,3 milhões de hectares, isso acaba tendo influência na formação de chuvas, tanto na Amazônia quanto no restante da América do Sul”, afirma. Rittl diz que os cientistas estão cautelosos em afirmar que a seca foi causada pelo aquecimento global mas “já se pode dizer que estiagens como essa acontecerão com maior freqüência, pois a elevação da temperatura dos oceanos está em ritmo crescente”. No auge da seca, o Amazonas decretou estado de calamidade pública em todos os municípios. Estima-se que 130 mil pessoas tenham sido atingidas. Mas a situação melhorou. As chuvas voltaram e os rios estão subindo. Mesmo assim, houve graves efeitos: maior probabilidade de mortes de árvores e foi afetada a vida reprodutiva de espécies. Afinal lagos que nunca secam ficaram sem água desta vez. Política Para Zullo, se este tipo de previsão estivesse mais desenvolvido, talvez o sul do Brasil não tivesse sofrido tanto com a seca neste ano. “Os produtores saberiam muito tempo antes o que os esperava.”Para Therezinha Xavier Bastos, a crescente importância que a agrometeorologia vem adquirindo terá um horizonte favorável se o governo federal; adotar uma política forte de apoio ao aprimoramento da infra-estrutura desta técnica no Brasil. “Quanto mais forem disseminados os benefícios da previsão do tempo, menor será a probabilidade de que catástrofes produtivas”, afirma. |