A Embrapa perdeu o bonde Por Celso Ming

31 de março de 2012 | 16h30


 



 Com toda razão, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) segue sendo festejada por sua participação decisiva no grande salto do agronegócio brasileiro. Mas, nesse ramo, não basta competir. E ficar parado é condenar-se à insignificância.


Há cinco anos, sementes com tecnologia da Embrapa respondiam por 50% da produção de soja do Brasil; hoje, não passam de 10% – estima a consultoria Céleres. Esse encolhimento não se deve apenas à insuficiência de recursos para pesquisa, mas também a graves equívocos estratégicos do passado.


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Durante bom tempo, contaminada por preconceitos ideológicos, a administração da Embrapa se recusou a avançar no desenvolvimento de técnicas de modificação genética. Temia pela produção de aberrações vegetais e de prejuízos para a saúde e para o meio ambiente. Bastou isso para que a pesquisa nacional do setor se ananicasse. Abriu-se espaço enorme, hoje dificilmente recuperável, para sementes transgênicas de grandes multinacionais, como Monsanto, Syngenta e Bayer CropScience.


A regulamentação para liberação das culturas transgênicas no Brasil ocorreu em 2005. Desde então, a CTNbio, organismo encarregado de aprovar sementes geneticamente modificadas no País, liberou 32 variedades, duas produzidas pela Embrapa. Nenhuma delas está no mercado.


O encolhimento do orçamento resulta, em grande parte, desse desvio original corrigido tarde demais. Enquanto empresas privadas destinam US$ 2 bilhões por ano para pesquisas em biotecnologia, a Embrapa conta só com US$ 200 milhões.


Ou seja, a empresa sobrevive estrangulada por insuficiência de recursos. Uma saída seria abrir seu capital, para que reforçasse seu patrimônio sem perder sua condição de empresa pública. Desde 2008, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) tenta aprovar no Congresso o aumento do seu capital nos moldes de Petrobrás e Banco do Brasil, ambas de economia mista e ações negociadas em bolsa. Mas essa resposta tem hoje nova fonte de preconceitos: é percebida por certos meios como privatização disfarçada, como se a privatização fosse o diabo. Seu presidente, Pedro Arraes, por exemplo, deixou clara há alguns dias sua posição ao Valor Econômico. Quer uma Embrapa puro-sangue, com 100% de capital estatal, e o Legislativo fora dessa discussão.


Se for para esse lado, a Embrapa periga deixar de ser empresa de ponta e se recolherá a pequenos nichos. Há quem pondere, como Flávio Finardi, presidente da CTNBio, que o foco principal da Embrapa não é lucrar, mas fornecer ao pequeno produtor meios de se desenvolver com baixos custos. Mas o próprio Finardi não vê objeção para esse processo ser financiado com capitais obtidos no mercado: “Não teria nada de privatização nisso”.


No entanto, fica nítida a necessidade de se rever o papel da Embrapa. Ou muda ou será rebaixada para a terceira divisão. O sócio-diretor da consultoria Céleres, Anderson Galvão, adverte: “Existe uma crise de identidade a ser resolvida, a Embrapa perdeu o bonde”. / COLABOROU GUSTAVO SANTOS FERREIRA

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