10/08/09 – Parado na Câmara dos Deputados desde 2007, um projeto de lei que abre o caminho para nova renegociação de dívidas rurais, e abrange contratos cujo total é estimado em R$ 36 bilhões, está prestes a ser votado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e, dali, seguir para a apreciação do plenário.
De autoria do deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), atual líder de seu partido, e apoiado pela bancada ruralista na Câmara, o projeto parecia esquecido. Foi apresentado em 2005, arquivado no início de 2007, desarquivado pouco depois e estava parado na CCJ até há pouco. Agora, parece ter encontrado o ambiente adequado para avançar. Há poucas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu, em declarações à imprensa, que apoiaria uma iniciativa que permita a renegociação de dívidas agrícolas não abrangidas pelas renegociações anteriores. E a aproximação do período eleitoral estimula os congressistas e o governo a distribuir benefícios com recursos do Tesouro Nacional.
“Precisamos de uma solução definitiva, e esse projeto representa exatamente isso”, declarou seu autor ao jornal Valor, ao justificar a proposta. “Vou apressar a apresentação de meu parecer na CCJ para resolver de uma vez por todas esse problema que tira o sono dos produtores há mais de dez anos”, garantiu, por sua vez, o relator do projeto, deputado Dilceu Sperafico (PP-PR).
Seria bom que, desta vez, a solução fosse definitiva, pois, se aprovada, esta será a sétima renegociação geral de dívidas de produtores rurais desde 1995. Mas, mesmo entre os que apoiam o projeto, há quem duvide disso. Em outubro de 2005, ao apresentar seu relatório na Comissão de Finanças e Tributação, favorável ao projeto, sem alterações, o então deputado Moreira Franco (PMDB-RJ) observou que, “mesmo com a aprovação da medida, estaremos distantes de encontrar soluções definitivas, satisfatórias para as partes envolvidas”, por se tratar de atividade sujeita a muitos riscos.
Muitos produtores rurais enfrentam, de fato, dificuldades inesperadas, sobretudo em razão de problemas climáticos e das oscilações dos preços agrícolas no mercado internacional. Quando fatores negativos se combinam para quebrar sua produção ou suas rendas, ou ambas, e sem dispor de amplo e tranquilizador apoio do seguro rural, esses agricultores podem enfrentar sérios problemas para honrar seus compromissos financeiros e garantir recursos para o plantio da safra seguinte. Nesse momento, precisam de ajuda temporária.
Mas, entre os beneficiários das renegociações, há também os que sistematicamente atrasam os pagamentos das prestações das dívidas contratadas, ou simplesmente não as pagam. Não pagam nem mesmo as prestações das dívidas renegociadas, como afirmou o deputado Cláudio Vignatti (PT-SC). No voto em separado que apresentou na Comissão de Finanças e Tributação, contrário ao relatório de Moreira Franco, Vignatti incluiu dados do Tesouro Nacional, segundo os quais, dos agricultores responsáveis pelas operações abrangidas pela primeira renegociação, de 1995, 32% nunca pagaram nenhuma parcela. Em 2005, do valor das dívidas renegociadas que não estava sendo pago, 76% correspondiam a contratos acima de R$ 200 mil, ou o correspondente a apenas 1,5% dos contratos.
A mais recente renegociação, de junho do ano passado, ampliou o prazo de pagamento para 2025, ofereceu descontos para liquidação à vista, eliminou multas, trocou indexadores e abrangeu contratos que somam R$ 75 bilhões. Nova repactuação – que poderá beneficiar os inadimplentes contumazes -, ao limitar a disponibilidade de crédito para a atividade agropecuária, “vai prejudicar de forma irrestrita todos os produtores rurais”, os que continuam honrando seus compromissos, e que são a maioria, e os que “merecem a repactuação e alongamentos das suas dívidas agrícolas”, argumentou então o deputado catarinense.
Esses argumentos continuam válidos. Mas correm o risco de serem atropelados pela combinação dos interesses legítimos de agricultores que enfrentam compreensíveis problemas financeiros com os interesses espúrios de devedores contumazes e de políticos de olho apenas nas urnas.