A difícil missão de reaver os saldos da balança comercial

28 de fevereiro de 2015 | Sem comentários Análise de Mercado Mercado

Valor Econômico
20/02/15


O déficit comercial brasileiro de US$ 3,9 bilhões em 2014 e a continuidade dos resultados negativos no início do ano mostram o óbvio: será preciso bem mais que câmbio para que a balança comercial volte à boa forma. Anos a fio de valorização cambial reduziram a pó a competitividade da indústria e uma política comercial equivocada contribuiu muito para eliminar em poucos anos um saldo que ultrapassara US$ 40 bilhões.


Não apenas o Brasil tem superávit expressivo com poucos países, como a continuidade dessa vantagem está ameaçada. O maior saldo entre os parceiros comerciais em 2014 foi obtido com a Venezuela, US$ 3,4 bilhões, superior inclusive ao registrado com a China, de US$ 3,2 bilhões. A Venezuela está às voltas com uma séria crise cambial, centraliza os pagamentos de divisas, atrasa-os e tem pela frente uma recessão de bom porte, que pode chegar a uma queda de 7% do PIB. A desaceleração chinesa derrubou os preços das commodities industriais que o Brasil exporta, mas deixou intocadas as de commodities agrícolas. Pelo contrário, elas podem crescer, se a reorientação econômica chinesa for bem sucedida e sem traumas, com a melhoria dos salários necessária para tornar o consumo interno o novo motor da economia, como pretende o Partido Comunista chinês.


A ênfase no Mercosul e a fixação política no eixo Sul-Sul não trouxeram os benefícios esperados. Entre os blocos, o maior superávit comercial do Brasil está, de fato, no Mercosul, que é um dos grandes consumidores de bens manufaturados produzidos aqui. Mas o bloco definha. Mais da metade dos US$ 6,6 bilhões de vantagem ao Brasil no ano passado foi com a Venezuela. A balança comercial com a segunda economia do Cone Sul, a Argentina, está praticamente equilibrada, graças ao cerco burocrático às exportações do governo de Cristina Kirchner, que tem deslocado bens brasileiros de seu mercado em benefício de concorrentes que têm financiamento a oferecer, como a China.


As exportações para a África declinaram 12,5% em 2014, enquanto que as importações, especialmente as de petróleo, produziram um déficit de US$ 7,36 bilhões com o continente – o saldo negativo atingiu US$ 8,5 bilhões apenas com a Nigéria. E quanto aos Brics, os resultados não chegam a ser brilhantes. Enquanto tem superávit com a China, que compra apenas matérias primas, o Brasil teve déficit de US$ 1,8 bilhão com a Índia, não contrabalançados pelos superávit modesto de US$ 493 milhões com a África do Sul e de US$ 888 milhões com a Rússia, cujas compras cresceram bastante no ano passado.


Com os países desenvolvidos, os mercados mais cobiçados do mundo e os maiores consumidores de bens manufaturados, o desempenho comercial brasileiro já é ruim há um bom tempo. Piorou em 2014, por exemplo, em relação à União Europeia: houve queda na corrente comercial e o déficit praticamente dobrou ante 2013, de US$ 2,97 bilhões para US$ 4,66 bilhões. O único alento veio do “inimigo” comercial do Brasil, os Estados Unidos. As vendas brasileiras avançaram quase 10% e o resultado negativo, embora ainda tenha sido substancial, recuou expressivamente, de US$ 11,3 bilhões para US$ 7,9 bilhões.


O crescimento menos intenso do comércio internacional e a valorização do real, que continua sobrevalorizado em relação à cesta de moedas de seus principais parceiros, explicam a queda de competitividade geral da indústria e da venda de bens manufaturados. Já a política comercial tem parte da responsabilidade pela concentração geográfica dos resultados positivos. Bem a grosso modo, Mercosul (sem Argentina), Ásia (China) e mais plataformas de petróleo – US$ 4 bilhões exportados – conseguiram anular os grandes déficits com Estados Unidos e União Europeia. O Brasil parece ter se insulado com essa orientação, enquanto o câmbio desfavorável realizava seu trabalho destrutivo.


O início da reviravolta pode começar com receitas conhecidas. Uma parte da equipe econômica se inclina por relações ativas e relevantes com os EUA e a UE, por acordos comerciais com países relevantes assim como por maior abertura comercial. O câmbio pode deslizar para uma zona neutra ou favorável em breve. O resto dependerá de uma faxina e racionalização da estrutura tributária e de infraestrutura adequada, tarefas que levarão bom tempo para serem concluídas – se forem.

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