A descoberta do café sem cafeína

Imprensa mundial registrou o feito de pesquisadores da Unicamp e do Instituto Agronômico de Campinas

Por: Jornal da Unicamp





 



LUIZ
SUGIMOTO




Deu na Nature: artigo assinado por pesquisadores
brasileiros anuncia descoberta de pés Paulo Mazzafera, Luís Carlos Fazuoli e Bernadete Silvarolla na Fazenda Santa Elisa, em Campinas: analisando pé por pé de um lote de 3.000 plantas de Coffea arabica originárias da Etiópia (Foto: Antoninho Perri)de café naturalmente descafeinados. É
um achado que teria grande repercussão mesmo sem o reconhecimento de uma das
mais conceituadas publicações científicas do mundo. Desde a tarde da última
quarta-feira, quando a revista suspendeu o embargo da notícia, o professor Paulo
Mazzafera, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, e os pesquisadores Maria
Bernadete Silvarolla e Luís Carlos Fazuoli, do Instituto Agronômico de Campinas
(IAC), vêm atendendo a solicitações sucessivas da mídia e de cientistas de
outros países. “Trata-se de uma variedade do Coffea arabica – que responde por
70% da comercialização mundial –, mas que possui 20 vezes menos cafeína. Se o
café que tomamos no dia-a-dia traz de 1% a 1,2% de cafeína, as análises em
laboratório dessa espécie apontaram somente 0,07%, praticamente zero. Trata-se
de uma descoberta que vai colocar o café brasileiro novamente em evidência”,
afirma Paulo Mazzafera.


De fato,
enquanto os cientistas concediam concorrida entrevista coletiva no local onde
estão plantados os pés descafeinados, a Fazenda Santa Elisa em Campinas, as
informações gerais sobre a descoberta eram antecipadas pelo Portal da Unicamp na
Internet, onde o retorno é rapidíssimo. Logo, um leitor perguntava como poderia
obter sementes e qual seria o preço da saca. Trata-se, na verdade, de apenas
três plantas de uma mesma família, cujos clones ainda demandarão anos de
pesquisa – talvez cinco ou seis, talvez quinze – até concorrer num mercado que
já movimenta cerca de US$ 7 bilhões (R$ 21 bilhões) por ano, segundo estimativa
não reconhecida oficialmente. O produto disponível nas prateleiras é
descafeinizado em processo industrial, utilizando-se um solvente que lava os
grãos e dissolve perto de 99% da cafeína presente. Ocorre que a lavagem
compromete também o sabor. “O Brasil pode oferecer agora um café natural sem
cafeína, com todas as outras características preservadas”, ressalta
Mazzafera.


Paralelamente, há uma corrida na
área de genética para colher café descafeinado no pé. Os pesquisadores da
Unicamp e do IAC encontraram as três plantas em meados do ano passado,
justamente quando a mesma Nature noticiava a produção, por cientistas japoneses,
de cafeeiros geneticamente modificados reduzindo em 70% o teor de cafeína em
comparação com as variedades mais difundidas. No entanto, além da resistência
por parte da população aos produtos transgênicos, o pesquisador da Unicamp
alerta para outro problema importante não enfatizado pelos japoneses: “Eles
modificaram um Coffea canephora, considerado uma ‘bebida neutra’, sem gosto.
Somente agora estão aplicando a técnica para a espécie arábica de alta qualidade
e os resultados vão demorar”, observa o professor do IB.


O
palheiro
– As plantas na Santa Elisa foram batizadas de AC1, AC2 e AC3, uma
homenagem ao geneticista de café Alcides Carvalho, falecido em 1993, que criou
praticamente todas as variedades comerciais de arábica hoje cultivadas no
Brasil, fazendo por merecer o título de pai da cafeicultura nacional. Elas
estavam em covas diferentes de um lote de 3.000 pés de Coffea arabica
originárias da Etiópia, que Carvalho preservou para observações genéticas, sem
fins comerciais imediatos. Por mera economia de espaço, plantou três mudas em
cada cova, o que tornou ainda mais difícil o trabalho de localização e
identificação. “Foi como encontrar agulha em palheiro”, recorda Luís Carlos
Fazuoli, diretor do Centro de Café do IAC e especialista no melhoramento de
espécies em campo.


Fazuoli
participou do plantio e acompanhamento do lote, que na verdade foi formado a
partir de 200 plantas-matrizes (progênies) provenientes da Costa Rica, onde é
mantido um banco internacional de germoplasmas. Ali foram guardadas e preparadas
as sementes colhidas na Etiópia por pesquisadores de países produtores de café,
durante expedição patrocinada pela FAO em 1964. Estão em território etíope os
cafeeiros silvestres que deram origem a todas as variedades de Coffea arabica
desenvolvidas para comercialização no mundo. “As progêniess chegaram a Jundiaí
em 1973, onde permaneceram em quarentena até serem plantadas em Campinas dois
anos depois”, recorda Luís Fazuoli.


Variedade possui 20 vezes menos
cafeína


Pé por pé – O diretor do
Centro de Café afirma que a equipe demorou a se conscientizar do impacto que
causaria a notícia. “Muitos pesquisadores, principalmente franceses e japoneses,
estão perseguindo essa planta há anos. Na loteria, deu Brasil”, brinca o
pesquisador, para em seguida enfatizar que não se tratou de sorte. Ele mesmo
testemunhou o empenho da geneticista Bernadete Silvarolla, que em 1999 começou a
coletar e analisar amostras de cada uma das 3.000 plantas do lote, num trabalho
exaustivo. Ela encontrou algumas com metade do teor de cafeína, descartando-as
porque a meta era encontrar um café sem a substância.


Paulo Mazzafera, um engenheiro
agrônomo que foi iniciado nas pesquisas com café por Alcides Carvalho,
especializando-se em fisiologia vegetal, conta que buscava por um cafeeiro menos
cafeinado havia 17 anos. “No começo fazíamos cruzamentos entre espécies, um
processo demorado e que não apresentou resultados. Depois, analisamos quase
todas as plantas que fazem parte do banco de germoplasmas do Agronômico, até que
recentemente passamos a avaliar o material da Etiópia”, explica.



Novos projetos – Bernadete
Silvarolla aponta os caminhos a seguir com a descoberta. Um deles é simplesmente
retirar sementes, produzir mudas e iniciar seu plantio nos moldes comerciais,
com fertilizantes, proteção contra doenças e pragas e demais cuidados
agronômicos, verifi-cando seu potencial produtivo. Os pesquisadores estimam que
a produtividade desta variedade silvestre seja de 30% em relação aos arábicas do
mercado. Se o índice chegar a 60% por meio do plantio adequado, o café deverá
interessar aos produtores. Existe ainda a questão do preço, que precisa ser
competitivo diante do produto descafeinado industrialmente e do geneticamente
modificado que está para vir. “Temos condições de verificar se a cultura é
viável ou não em pouco tempo; caso valha a pena, podemos colher os primeiros
grãos em seis anos ou menos”, afirma.


O segundo caminho, que será
efetivamente seguido, é o processo de melhoramento tradicional, com a
transferência desta característica das AC para variedades comerciais altamente
produtivas de Coffea arabica, como a Mundo Novo e a Catuaí. “Vamos tentar
aglutinar outras características importantes para o produtor. Nas pesquisas
devem entrar também a Bourbon, a Tupi e a Obatã, somando umas cinco variedades”,
adianta Bernadete. Através desses cruzamentos, é possível chegar a uma planta
produtiva e descafeinada em 15 anos. “O fato de trabalharmos dentro da mesma
espécie (arábica) vai encurtar o tempo pela metade, já que não precisaremos
eliminar muitas características ruins que surgem no cruzamento entre espécies
diferentes”, diz Mazzafera.


Recursos – Bernadete
Silvarolla enfatiza que a descoberta de cafeeiros descafeinados só foi possível
graças à preservação do banco de germoplasmas (coleção de material vegetal vivo)
no Instituto Agronômico de Campinas. “Embora sua importância não seja tão
aparente, inclusive para a mídia, esse banco é a matéria-prima dos pesquisadores
para o melhoramento de toda espécie vegetal, um material genético cuja
preservação é fundamental”, pondera. A ênfase da pesquisadora se deveu à
discussão sobre o impacto da descoberta de um café naturalmente descafeinado
frente o produto industrializado e os geneticamente modificados.


Luís Carlos Fazuoli afirma que o
IAC não trabalha com transgênicos, ressalvando, porém, que não vê nenhuma
situação de confronto. “Sou adepto do processo de melhoramento tradicional, mas
acho que as duas linhas de pesquisa podem ser feitas concomitantemente. Temos o
projeto do genoma do café, que vai nos trazer muitas informações relevantes.
Existem mais de 80 espécies de café para serem estudadas”, informa. Ele sugere
que a seqüência das pesquisas com as AC, que incluirão toda a avaliação
bioquímica e molecular e ainda dependem de captação de recursos, poderia motivar
um projeto temático para estudo de outros componentes importantes do lote da
Etiópia. “Esperamos o reconhecimento da importância do produto que encontramos e
um atendimento especial em termos de incentivo à pesquisa”, finaliza.











Produto mercadológico

 

Diante do esforço concentrado contra a cafeína, pode-se mensurar o
impacto da entrada de um café naturalmente descafeinado no mercado.
Pessoalmente, o professor Paulo Mazzafera, da Unicamp, acha que a cafeína, desde
que não seja consumida em excesso, não traz problema algum à saúde. “Para uma
pessoa ‘morrer’ por consumo de cafeína, precisaria ingerir 10 gramas da
substância de uma só vez, quando uma garrafa de refrigerante ‘cola’ contém meros
40 miligramas. Além disso, temos cafeína no remédio contra gripe, no chá, no
chocolate. Não há nada na literatura que comprove a ocorrência de doenças por
causa dela”, ilustra o pesquisador.


Perguntado se não estaria depondo contra a importância da descoberta das
plantas descafeinadas, Mazzafera admite que o produto será essencialmente
mercadológico. “O café descafeinado responde por 10% do consumo mundial. Nos
Estados Unidos a faixa é de 20% e, no Brasil, estima-se que seja de 1%. O índice
varia muito de país para país”, informa. A rigor, segundo o professor, o público
para o produto descafeinado seria composto por pessoas com maior sensibilidade à
cafeína, que talvez não consigam dormir se tomarem uma xícara de café no final
da tarde, e as grávidas, que sofrem restrições diante de possíveis efeitos no
transporte de cálcio pela membrana. “Acontece que muitos evitam o café
descafeinado temendo algum resíduo industrial, da mesma forma que muitos vêem
riscos no café geneticamente modificado. A nossa opção, por ser natural, vai
mexer muito com o mercado”, prevê o pesquisador da Unicamp.


 

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