17/01/10
Para economista, excesso de liquidez e juros baixos criam condições para que especuladores joguem preços para cima
Leandro Modé
O economista Paulo Rabello de Castro, sócio da RC Consultores e presidente da agência de classificação de risco SR Rating, não tem dúvidas: há uma bolha no mercado global de commodities. “Não há demanda nem renda que justifique que os preços estejam acima de suas médias históricas”, disse ao Estado.
Há uma bolha nos preços das commodities?
É possível afirmar, com tranquilidade, que as estatísticas das principais commodities mostram preços que se aproximam das máximas alcançadas na bolha de 2008. Em outras palavras, as commodities, tanto agrícolas quanto minerais, apresentam preços extremamente esticados.
São esticados se levarmos em conta as condições atuais da economia global?
O que vemos hoje é uma repetição da macroeconomia das bolhas. Para combater os efeitos da bolha de 2008, os bancos centrais passaram a adotar uma homeopatia perigosa, que usa o próprio veneno para combater a doença. Mas, nesse caso, não em doses homeopáticas, mas alopáticas. Com outra injeção de liquidez e taxas de juros zero ou até negativas, temos criadas as condições e os incentivos para que os especuladores do mundo usem essa liquidez para colocar lá em cima os preços dos ativos que concorrem com o dólar. Isso persistirá até que haja uma reversão do humor dos mercados, que virá de modo surpreendente, como sempre vem, deixando no prejuízo os que entraram na bolha perto de seu estouro. Dois fatores podem provocar essa reversão: uma mudança da política monetária nos EUA ou na Europa ou uma alteração nas condições de excesso de liquidez na China ou outro lugar.
Commodities perto dos preços recordes em um momento de baixo crescimento global só se explica pelo excesso de liquidez?
Claro. Esse é o segundo aspecto para o qual chamo a atenção: nunca os economistas estudaram isso em lugar nenhum. A aplicação desse remédio em muito transcende o que seria recomendado por um (John Maynard) Keynes (considerado um dos maiores economistas do século 20) ou um Milton Friedman (que forma, com Keynes, a dupla dos principais economistas do século passado). O que existe hoje são interpretações alopradas desses cientistas clássicos da economia. Nunca houve tamanha sincronização de retomada de liquidez, que no exterior se chama eufemisticamente de afrouxamento monetário. Hoje, há um tsunami de liquidez que, sem ter interesse em estar no processo produtivo (a não ser em países específicos, como Brasil e China), busca remuneração em posições especulativas. Não há demanda nem renda que justifique que os preços estejam acima de suas médias históricas.
É difícil fazer esse tipo de projeção, mas essa bolha já está próxima de estourar?
Se eu soubesse, estava como os dois últimos ganhadores da Mega Sena: sumido. Mas, com humildade, posso dizer que alguns indícios nos levam a crer que não estamos tão longe. Em primeiro lugar, várias commodities estão com preços próximos das médias históricas, sem justificativa para isso. O segundo elemento é o ouro. Não há razão, pelo uso que tem, para estar acima de US$ 1 mil a onça. A não ser pelo fato de que representa, na cabeça das pessoas, o refúgio final à generalizada perda de valor das principais moedas do mundo. É uma âncora contra todas as desvalorizações possíveis. Em terceiro lugar, existe a retomada do processo inflacionário em todos os países onde, até o ano passado, havia temor de deflação. Quando os bancos centrais se derem conta disso e elevarem os juros, virá a debacle dessas commodities.
Quando isso ocorrer, qual o risco para a economia mundial?
Síncope cardíaca. O mínimo que ocorrerá é um mal-estar.
E o Brasil?
É caudatário. A gente não pode ficar brincando de ser o gostosão, quando somos cada vez mais um produtor de commodity. Produtor de commodity é um bobalhão, por mais que respeitemos o trabalho sensacional desses produtores. Bobalhão no sentido de que não definimos o preço daquilo que produzimos. Não comandamos o que oferecemos. Portanto, estamos ao sabor dos acontecimentos. Mas, com a sorte do presidente Lula, passaremos 2010 praticamente incólumes. No entanto, todos os demais mortais, inclusive os presidenciáveis, devem estar preparados para uma política econômica muito mais defensiva do que a do presidente sortudo.
Defensiva significa…
Uma política fiscal inicialmente muito mais restritiva, e eventualmente a antecipação de uma política de juros também defensiva.
Qual política seria mais acertada para o mundo evitar esses riscos?
Os EUA, pelo envolvimento de Washington com Wall Street, passaram a usar o recurso do resgate dos amigos. Isso é muito mais caro do que deixar que o mercado purgue seus erros. Paralelamente, deveria ter sido lançado um programa de linhas especiais para o socorro (da população), com frentes de trabalho, matrículas de jovens em universidades, bolsa de assistência às famílias. Por mais que os EUA gastassem, não iriam ser US$ 2 trilhões, US$ 3 trilhões. Seriam contas na casa dos bilhões.