A década mágica do café

Por: Fonte site ANBA


O café brasileiro não é mais o mesmo. Depois de décadas envergonhadas, nas quais perdeu o status que tinha na virada do século 19 para o 20, o produto renasceu nos últimos dez anos. Com mais qualidade, mais oferta, e mais gente bebendo café, o ‘ouro verde’ tende a estar cada vez mais presente na mesa e na economia dos brasileiros. Nesta série especial da ANBA você vai entender como e porque o café voltou a brilhar.






Daniel Lopez/Agência Meios

Cláudia Abreu, Débora Rubin e Geovana Pagel


São Paulo – O café sempre foi sinônimo de produto tipicamente brasileiro. Pudera, já em 1860 o Brasil se tornou o maior produtor mundial do produto – que chegou a representar cerca de 70% das exportações nacionais nos tempos áureos. No entanto, a partir dos anos 70, a presença do café brasileiro no mercado mundial caiu significativamente com a entrada de outros países produtores. Paralelamente, no mercado interno, a fama era péssima. Tomar café nacional era uma surpresa, pois não se sabia ao certo em que condições ele era produzido. Dizia-se que o grão do bom era reservado apenas para as vendas externas.


No entanto, do final dos anos 90 para cá, esse cenário mudou radicalmente. O café brasileiro voltou a ocupar 30% das vendas mundiais – contra os 20% do começo dos anos 90 – e o brasileiro redescobriu o prazer de beber café. Segundo Nathan Herszkowicz, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), que chama esse período de “a década mágica”, dá para explicar esse renascimento a partir de três grandes fatores: a qualidade do grão, o aumento da oferta e a boa nova de que o café faz sim bem à saúde.


A busca pela qualidade talvez seja a principal razão. Depois de perder muito dinheiro na safra de 92/93, quando os preços caíram bruscamente, os produtores perceberam que era hora de investir pesado em tecnologia e profissionalização para melhorar o grão. “Essa reação já pôde ser sentida em 1995 e 1996 pela indústria, que naturalmente passou a fazer um café torrado e moído de mais qualidade. Em 2000, esse produto melhorado já chegava às prateleiras dos supermercados para o consumidor final”, conta Nathan.


Para Maurício Miarelli, presidente do Conselho Nacional do Café (CNC), a forma de se plantar café vem mudando já há duas décadas. Na última, no entanto, houve uma verdadeira revolução em termos de insumos e recursos para o plantio. “Hoje, temos um universo amplo de possibilidades tecnológicas para os mais diversos tamanhos de lavoura e preços para todos os bolsos. A mecanização teve papel muito importante no crescimento da produtividade”, diz o presidente do CNC, que representa os cafeicultores. “Temos a melhor estrutura de produção dos 280 anos de história do café no Brasil”, sintetiza Guilherme Braga Abreu Pires Filho, diretor geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).


Prova disso é o número de sacas por hectare, que passou de nove no começo dos anos 90 para uma média de 19 nos últimos anos – e esse número chega até 35, caso dos produtores filiados à mineira Cooxupé, maior cooperativa do país, ou até 55, no caso dos produtores de café irrigado da Bahia.


Outra evidência é a produção de sacas no total. Nos anos 90, eram 24 milhões ao ano. Nos últimos cinco anos, a média foi de 37 milhões de sacas. No ano passado, especificamente, chegou a 44 milhões. Pesquisas feitas por órgãos como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tiveram papel fundamental nesse renascimento do café.


Com mais produtividade, o setor conseguiu baixar os preços e tornar o bom café acessível ao público interno. “Hoje, o mercado interno, que está cada vez mais exigente, tem acesso a grãos especiais a preços compatíveis com a realidade nacional”, diz Miarelli, do CNC.


Mais café, mais saúde


Cresce a produção, cresce também a oferta de máquinas de café expresso. Mais modernas e práticas, elas proporcionam o crescimento das cafeterias – inclusive as de luxo, a mais nova moda nas grandes cidades brasileiras. “Hoje, é possível ter uma máquina de expresso até em casa”, diz Nathan. O cafezinho da hora do almoço, e de todas as horas do dia, fica cada vez mais à mão do brasileiro.


Simultaneamente a todos esses acontecimentos, começa uma onda de matérias a artigos sobre pesquisas comprovando que o café não faz mal à saúde. “O café passou de vilão a mocinho em dez anos”, brinca Nathan, da ABIC.


Com mais café na praça, de melhor qualidade, e bom para a saúde, o brasileiro passa a consumir mais a bebida. Hoje, o Brasil é o segundo maior consumidor de café do mundo. Bebemos 16,3 milhões de sacas no ano passado – os americanos, vorazes consumidores, beberam 21,6 milhões. Mas essa conta tende a inverter. Ao que tudo indica, em poucos anos seremos não só o maior produtor como também o maior consumidor. “O consumo mundial cresce a 2% ao ano. Na Rússia e Leste Europeu, 3%, e aqui, a 4%”, diz Guilherme Braga, da Cecafé.


Entraves


Considerado o segundo maior produtor de riquezas do mundo – atrás apenas do petróleo, o “ouro negro” – o café gera hoje algo em torno de US$ 91 bilhões por ano ao mundo e US$ 4 bilhões para o Brasil. São 350 mil produtores espalhados por 14 estados e 1,9 mil municípios. Estima-se que 8,4 milhões de empregos diretos e indiretos são gerados pela cadeia.


Segundo uma conta do setor, em 2015 o mundo vai consumir 145 milhões de sacas. Se o Brasil quiser continuar sendo o maior produtor e ainda atender o consumo interno, terá que aumentar sua produção atual para 60 milhões de sacas. Para manter o ritmo, e com qualidade, o país precisa continuar atacando em todas as frentes – da pesquisa do genoma do café até as políticas de exportação.


Mais que isso, no entanto, o governo precisará resolver certos entraves. Um, clássico, é a sina de país exportador de grão verde e de pouco produto com valor agregado, enquanto Alemanha e Itália vendem café a rodo sem plantar um só grão. E mesmo dentro do contexto nacional os produtores são os mais prejudicados. Quando a safra deixa a desejar, o pequeno cafeicultor, que é a grande maioria entre os produtores, não consegue tirar nem um salário mínimo por mês.


“Nos países mais desenvolvidos, esse processo de transferência de renda é compensando através de subsídios, muitas vezes de forma exagerada, prejudicando o setor. Mas há outras formas, medidas de apoio, que não distorcem o mercado e que podem compensar essas perdas”, diz Maurício Miarelli, do CNC. Além disso, existem os problemas clássicos que afetam todos os setores exportadores como a péssima infra-estrutura dos portos, a valorização do real, a burocracia, etc.


Força-tarefa


Uma iniciativa que deu certo nos anos 90, e não por acaso também foi responsável pela “década mágica”, foi a união das entidades do setor com o governo federal por meio do Conselho Deliberativo de Política do Café (CDPC), criado em 1996. Hoje, toda política do commodity passa necessariamente pelo Conselho, que conta com sete representantes de cada lado.


Uma das funções do CDPC é administrar o Funcafé, um fundo que cobre desde as despesas das pesquisas realizadas pelo Consórcio de Pesquisas, tocado pela Embrapa, até linhas de financiamento que atendem a todos os segmentos da cadeia. Segundo Lucas Tadeu Ferreira, coordenador geral do planejamento estratégico do Departamento do Café, do Ministério da Agricultura, hoje o fundo é de R$ 4 bilhões. O fundo ainda cobre o Programa Integrado de Marketing (PIM), criado em 2003, e o rígido controle das safras feito pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).


“Todo esse esforço é muito recente. Começou nos anos 90, mas só de quatro anos para cá é que vem tomando força”, pondera Lucas Tadeu. Ou seja, no que depender do trabalho em conjunto, o Brasil tem tudo para ver o ouro verde jorrar nos próximos dez anos.

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