Arnaldo Jardim A crise sem precedentes pela qual a nossa agricultura está passando transformou um sonho em pesadelo. Em meio ao discurso ufanista do governo Lula, os produtores rurais que se entusiasmaram com a possibilidade do Brasil se tornar o celeiro do mundo, investiram pesado no aumento da sua produtividade, e agora, estão abandonados com suas dívidas. A bonança do passado, as ilhas de prosperidade, deram lugar a estagnação e frustração dos que acreditaram em investir no crescimento do País. O pior de tudo isso é que esta era uma crise anunciada. Há tempos os sinais eram mais do que claros, mas a letargia, a ortodoxia e a falta de visão prevaleceram na condução da nossa economia. Os alertas não vieram apenas do setor produtivo, mas de dentro do próprio governo, principalmente nos Ministérios da Agricultura e de Comércio Exterior. Mas, de nada adiantou, a visão monetarista prevaleceu neste governo e, a partir de agora, o efeito cascata é irremediável. A crise no campo já afeta o comércio das cidades do centro-sul do Brasil, que têm a economia local baseada no agronegócio. Pesquisa recente demonstra o declínio nas vendas das redes varejistas nessas regiões em torno de 20%, em média, se comparadas ao mesmo período de 2005. Com o início da colheita da safra de grãos, os reflexos foram sentidos este mês em lojas de eletrodomésticos e móveis, revendas de veículos, imobiliárias, indústria de máquinas e até nos supermercados. Diante deste quadro, começam a pipocar demissões e férias coletivas. Acostumado a medir a atual crise no setor agrícola apenas por seus impactos diretos na produção, o governo começa a perceber efeitos mais profundos da falta de liquidez e do forte endividamento dos produtores. A arrecadação de ICMS do setor primário registrou uma queda expressiva na contribuição dos estados com forte presença agrícola em 2005. Segundo o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), em Pernambuco a redução chegou a 46,74%, no Rio Grande do Sul, 38,1%; em São Paulo, 24,75%; no Mato Grosso, 13,95% e por aí vai. Este último, acaba de decretar estado de emergência, algo inédito no País, diante da impossibilidade de saldar o pagamento da dívida pública em virtude da crise no campo. Segundo o governador Blairo Maggi, o estado deixou de arrecadar, nos três primeiros meses do ano, algo em torno de R$ 100 milhões. Isso significa menos dinheiro para os estados investirem em áreas prioritárias. A conjunção de câmbio valorizado, queda nos preços das commodities, precária infra-estrutura de logística e transporte, quebra da safra em algumas regiões, aumento dos custos de produção, a insuficiência de mecanismos como o seguro e crédito rurais, além das barreiras fitossanitárias, por conta da febre aftosa e a gripe aviária, colocaram nossos agricultores em uma sinuca de bico. Sem dinheiro, os produtores deixaram de comprar insumos, de investir na produção e, com isso, geraram um ciclo de perda para todo o agronegócio. Sem exportações e com uma maior oferta interna de produtos, num primeiro momento, os consumidores podem até comemorar a redução nos preços no varejo, mas, se olharmos adiante, as perspectivas para o País são sombrias, diante da importância estratégica do agronegócio na nossa balança comercial. O PIB do agronegócio registrou recuou 4,66%, no ano passado, na comparação entre os R$ 537,63 bilhões com os R$ 563,89 bilhões de 2004. Até setores mais blindados, devido a forte presença internacional, estão sentindo os efeitos desta equação perversa. O café, por exemplo, já perdeu 10% de seu valor, somente nos últimos 30 dias, o que pode fazer com que na época da colheita o preço de comercialização se equipare ao custo de produção. O mesmo pode ser observado em outros produtos importantes da nossa balança comercial, como a soja, que no ano passado apresentou uma redução de receita de 16,9%. Em 2003, eram necessárias 2.962 sacas de soja para o produtor adquirir um trator, em 2005, é preciso 4.946 sacas. Se somarmos a isso o impasse nas negociações para a queda das barreiras tarifárias para as commodities agrícolas, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), posso dizer que estamos dando um tiro no pé no nosso desenvolvimento e na estabilidade econômica conquistada com sacrifício. Em suma, os monetaristas do governo Lula, com seus cortes lineares em áreas estratégicas do agronegócio, além de semearem a crise no campo, também comprometeram o futuro do Brasil. O campo urge por uma política agrícola nacional duradoura, pois em meio à conquista de novos mercados não há lugar para improvisações. Esta política deve ter como premissas o ajuste da taxa de câmbio, para evitar a excessiva valorização do real; o fortalecimento da defesa sanitária, para evitarmos a febre aftosa e a gripe aviária; investimentos pesados na melhoria no escoamento da nossa produção, por meio do aperfeiçoamento dos corredores de exportação; a desoneração tributária e fiscal de toda a cadeia produtiva; o aprimoramento dos mecanismos de financiamento e de seguro rural, com a inserção de inovações tecnológicas no campo. É fundamental que o governo brasileiro estabeleça uma agenda agrícola exeqüível, de curto, médio e longo prazos, escorada por um planejamento estratégico capaz de atender a crescente demanda mundial por fibras, alimento e energia renovável. Em suma, precisamos colocar o setor agrícola no patamar que merece, o de força motriz do nosso desenvolvimento, pedra de toque da nossa economia. O autor é deputado estadual, coordenador da Frente Parlamentar do Cooperativismo Paulista (Frencoop-SP). 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