COMÉRCIO EXTERIOR Importar mais traria o câmbio a níveis realistas, sem custo fiscal |
POR MÁRCIA PINHEIRO O Brasil melhorou o seu posicionamento no comércio mundial. A corrente de transações (exportações mais importações) atingiu US$ 191,5 bilhões em 2005, um salto de 21% em relação aos US$159,3 bilhões de 2004. A bonança econômica no mundo permitiu o forte aumento das exportações brasileiras. No ano passado, as vendas externas somaram o recorde de US$ 118,3 bilhões -incremento de 23% ante 2004 – e a participação brasileira nas exportações mundiais subiu para 1,13%. É ainda pequena a inserção, mas representa um avanço ante o 0,90% de dez anos atrás. Já as importações do País somaram US$ 75,5 bilhões, com um aumento menor, de 18%. Por irônico que possa soar, a pujança das vendas externas – sem a contrapartida de um movimento importador mais forte – começa a atrapalhar o País. A armadilha é a seguinte: com muita exportação, o forte ingresso da moeda americana achata o dólar. Em um segundo momento, o esforço do exportador é sabotado pelo real supervalorizado. Se as importações crescessem também em um ritmo acelerado, haveria maior equilíbrio, pois a cotação da moeda americana tenderia a subir. E por que o Brasil não importa mais, mesmo com o câmbio barato? Porque não cresce ou cresce pouco, diz a sócia da MB Associados, Te~ reza Fernandez Dias da Silva. Cresce pouco porque o juro alto inibe os investimentos – vender para quem no mercado interno? – e também estimula movimentos de capitais especulativos, um fator adicional para a queda do dólar. De outro lado, as exportações engordam as reservas internacionais brasileiras. Carregar reservas polpudas, contudo, impõe um custo à sociedade. Economistas de todos os calibres começam a questionar a necessidade de ter um colchão de dólares tão grande, uma vez que o País zerou sua dívida externa líquida. Isso porque, para evitar que a cotação da moeda americana derreta, o Banco Central atua comprando divisas nos mercados à vista e futuro. E, toda vez que isso acontece, é preciso que o Tesouro Nacional emita títulos da dívida interna para enxugar o excesso de reais em circulação. Ou seja, cresce o débito mobiliário doméstico. O ideal, dizem analistas, seria que as importações crescessem a um ritmo igual ou até maior que as exportações. Is so faria todo sentido em um país emergente que precisa de insumos e bens importados para avançar economicamente. A índia, por exemplo, registrou um déficit comercial de US$ 37 bilhões em 2005 e ninguém se apavorou com isso. Com reservas superiores a US$ 131 bilhões, é normal e desejável que aquele emergente importe muito, para modernizar o parque industrial e a infra-estrutura. Destrinchar as importações brasileiras resulta em um cenário não muito promissor. Levantamento da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) mostra que os itens cujas importações mais cresceram em 2005 foram laticínios (+55,6%) e artigos de vestuário (+55,4%). São bens de consumo não duráveis, ou compras ditas “oportunistas”, por causa do preço baixo do dólar. A rigor, pouco ou nada agregam à economia do País. Ao contrário. A invasão chinesa tem feito vítimas entre as empresas têxteis e calçadistas brasileiras. Mas houve também um aumento significativo das importações de máquinas e tratores (+26,6%). Neste caso, são as indústrias com perfil predominantemente exportador que estão investindo. Tereza Fernandez lembra que apenas a Gerdau importou US$ 600 milhões em máquinas, no fim do ano passado, visando o mercado externo. “Só as exportadoras importam. É o caso dos setores de siderurgia/mineração, papel/celulose e petróleo/gás”, diz. No mundo ideal, afirma a economista, o Brasil deveria importar muito mais bens intermediários (matéria-prima para as manufaturas) e bens de capital. O nó da questão novamente é a dupla taxa de juro/câmbio. “O mundo não cresce tanto há mais de 30 anos” – explica – e o Brasil perde uma chance de ouro. Em vez de acelerar importações e exportações, neste ano haverá uma tendência de atender mais o mercado interno, pela perspectiva de ligeiro aquecimento da economia. Existe a previsão de redução amena dos juros e de aumento dos gastos de governos, por causa das eleições para presidente e governadores. Por isso, o mercado financeiro estima que o superávit comercial do Brasil vá recuar para US$ 38,7 bilhões este ano – projeção da pesquisa semanal Focus que o Banco Central faz junto a uma centena de instituições financeiras e consultorias. Para o presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (Abracex), Primo Roberto Segatto, somente por meio da desoneração das importações que interessem ao Brasil, como de máquinas e equipamentos, a indústria poderia ser mais competitiva em termos globais. Essas compras, segundo ele, esbarram na forte cunha tributária, que encarece o bem em até 40%. São 14% de Imposto de Importação, 12% de ICMS e 13% de PIS e Cofins. “O barateamento da entrada desses bens geraria emprego, renda e conseqüente crescimento do mercado interno”, acredita. Em muito, na visão do presidente da Abracex, a iniciativa ajudaria a compensar o peso das taxas de juro domésticas. O círculo virtuoso seria fechado com um maior equilíbrio da balança comercial brasileira. Nesse raciocínio, o real naturalmente se desvalorizaria, o que tornaria desnecessárias tantas manobras do BC para evitar uma apreciação ainda maior da moeda brasileira. Mas essa avaliação está longe da unanimidade. “Se é para desonerar, tem de atender também a indústria nacional (de bens de capital), senão matamos esse setor no País”, pondera Tereza. Na outra ponta, a trajetória das exportações brasileiras pode sugerir, erroneamente, que o câmbio não afetou a performance externa das empresas brasileiras. Não é bem assim. Pela falta de vitalidade do mercado interno, as companhias dirigiram seus esforços de venda para o exterior, mesmo com perda de margens de lucro. Segundo a Funcex, à exceção de produtos de siderurgia, refino de petróleo/petroquímicos e café, os setores exportadores restantes sofreram perda de rentabilidade em 2005. O prejuízo chegou a atingir 31,9%, caso da agropecuária (quadro A rentabilidade das exportações), segmento que penou também por causa da aftosa e da seca que atingiu a Região Sul do País (entrevista com Roberto Rodrigues em “O adeus do ministro”, na edição 377). O lado inegavelmente positivo é a constatação de que, neste governo, o País tanto diversificou a pauta de ven das externas como desconcentrou os destinos. Hoje, o cardápio de vendas do agronegócio, por exemplo, dá sinais de sofisticação, ainda que o grosso seja dominado por commodities não processadas, como soja em grão e açúcar. Os destaques, em 2005, foram o aumento de 2.036% no valor das exportações de carne de peru industrializada, de 125% na cerveja em malte e de 98% em queijos, para citar alguns exemplos. A lista dos compradores de produtos brasileiros também está mais variada. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Comércio e Indústria, em 2005, houve um crescimento de 55% das exportações para a Europa Oriental, 41,4% para a África, 32% para o Mercosul, 27% para a Ásia e 16% para o Oriente Médio. Essa desconcentração evita que o Brasil fique muito vulnerável aos humores e às oscilações da economia de poucos parceiros comerciais. Naturalmente, o maior importador do Brasil continua sendo os Estados Unidos, com US$ 22,7 bilhões, mas a emergente China já desponta em terceiro lugar, com US$ 6,8 bilhões. Mesmo na América Latina, em que pesem algumas desavenças cá e lá (principalmente da parte Brasil-Argentina), os negócios vão bem. Para o vice-presidente de negócios do Banco Latino-Americano de Exportações (Bladex), Rubens Amaral, apesar da “taxa de câmbio irrealista’; as companhias brasileiras passaram a ter uma cultura de exportações mais sólida. “Uma economia estável implica a existência de pequenas e médias empresas atuantes”, defende. Daí a estratégia do Bladex para 2006 visar o oferecimento de soluções que agreguem valor a produtos e serviços dessas formiguinhas. Acontece que até louváveis iniciativas do governo, como o Simplex (exportações com burocracia simplificada até o limite de US$ 20 mil), acabam não tendo o vigor esperado. Pode parecer um samba de uma nota só, mas apenas alguns poucos sobreviventes do câmbio maltratado têm vez no Brasil de Antonio Palocci e Henrique Meirelles. |