A acrilamida e o café Por Ensei Neto*

“Somos o que comemos e bebemos” é uma clássica frase quando se procura demonstrar vínculos entre alimentos e bebidas e seus efeitos sobre nossa saúde.

Por: Ensei Neto | The Coffee Traveler

21/05/2018 – Com a evolução técnica, à luz das revisões e avanços científicos, de tempos em tempos, a posição sobre um determinado alimento e seus benefícios ou malefícios pode variar.


Com o café, não é diferente.


A bebida mais consumida depois da água, o café, passou a receber muita atenção da comunidade médica durante as últimas décadas. O efeito estimulante de seu principal componente, a cafeína, desde o seu primeiro relacionamento com os religiosos do Yemen há quase de mil anos atrás, foi largamente divulgado. 


Em meados do século passado começaram as primeiras pesquisas sobre o efeito do café sobre o nosso sistema digestivo, chegando-se à conclusão, na época, de que era um dos causadores da gastrite. Anos depois, esse resultado foi revisto, pois ficou claro que somente o consumo de cafés de baixa qualidade, com características de bebida Riada, Rio ou Riozona, é que causavam o devastador efeito no estômago.


Sim, beber café de excelente qualidade só oferece benefícios!


Nos últimos anos, beber café se tornou moda definitivamente, embalado pela comprovação dos efeitos benéficos como o antioxidante, gerado pelos compostos clorogênicos, do aumento do poder de concentração e da melhora do desempenho da memória de curto prazo.

No entanto, uma notícia contrária começou a ganhar importância: a formação de um composto que potencialmente pode ser cancerígeno chamado Acrilamida. Este composto levou o café à categoria de vilão quando um juiz da Califórnia, USA, impôs à gigante Starbucks e outras empresas que em seus cafés torrados fosse veiculada a informação de que continham a acrilamida e, por isso, com potencial efeito cacirnogênico. Essa decisão foi tomada porque o juiz entendeu que as empresas não souberam comprovar que o seus produtos não trariam risco à saúde dos consumidores.


Parece que o fim do mundo chegou ao mercado de café!


Só que não!


Primeiramente, é importante entender quimicamente a Acrilamida.
A Acrilamida é um composto químico da família das Amidas, ou seja, que contém um radical NH2 ligado a um átomo de Carbono que, por usa vez, está ligado a um átomo de Oxigênio. Esse composto pode ser formado pela reação entre uma molécula de Glicose, que é um açúcar redutor, e um aminoácido de nome Asparagina, e que ocorre na fase onde predomina a Reação de Maillard.


A partir de 2002, países europeus iniciaram pesquisas para quantificar em alimentos como a batata frita, batata chips, biscoitos, pães, torradas de centeio e café os teores da acrilamida, pois o processamento desses alimentos tem como ponto em comum o tratamento térmico a altas temperaturas.
Observou-se que a acrilamida se forma em níveis significativamente elevados nas batatas fritas, enquanto que nas cozidas em água e assadas em temperaturas até 120ºC, seus níveis são bastante baixos.


No caso específico do café, diversos experimentos concluíram que há um pico de formação da acrilamida em etapas intermediárias, principalmente onde há a predominância da Reação de Maillard, enquanto que sua concentração  declina fortemente próximo aos 200ºC por tempo mais longo. É por isso que cafés com torra clara apresentam teores mais elevados de acrilamida do que os de torra mais escura ou tratados a temperaturas mais elevadas por um período maior.


Estes são os pontos mais importantes a serem considerados a partir dos resultados de diversas pesquisas:

1)    Sementes de arábicas e robustas não apresentam significativa diferença na formação de acrilamida.
2)    Os tratamentos agronômicos, ou seja, o tipo de adubação não são significativos na formação da acrilamida.
3)    As torras claras apresentam teores mais elevados de acrilamida do que os de torra mais escura ou quando as sementes são submetidas a temperaturas próximas a 200ºC por mais tempo.
4)    A acrilamida tem seu teor decrescente quando as sementes torradas são expostas ao ar. Portanto, cafés oxidados contém menor teor de acrilamida, apesar do sabor inferior.
5)    Entre o espresso e os coados não foi observada diferença significativa no teor da acrilamida.
6)    Uma das linhas de pesquisa que vem sendo desenvolvida no Brasil é a de se fazer o tratamento enzimático das sementes do café cru para diminuir a concentração da Asparagina.
7)    Apesar de toda a controvérsia, ainda não é conclusivo o efeito carcinogênico da acrilamida no ser humano.


Dessa forma, você pode continuar a beber tranquilamente seu café, procurando sempre por bebidas preparadas com excelentes grãos. Essa é a garantia de que os efeitos benéficos devem ganhar com folga dos maléficos.


Para se aprofundar no tema, selecionei dois estudos muito abrangentes: uma revisão de autoria de Adriana Pavesi Arisseto e Maria Cecília de Figueiredo Toledo, pesquisadoras da Faculdade de Engenharia de Alimentos da UNICAMP, e um Toolbox da FoodDrink Europe, páginas 46 a 51, entidade que congrega entidades e empresas européias do setor alimentício e de bebidas.


*Ensei Neto é consultor em Gestão Sensorial de Bebidas & Alimentos.
Autor dos Blogs The Coffee Tralever e Paladar do Estadão.


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